Taxidermia é uma antiga técnica de atulhar um animal morto com palha para conservação de suas características. Foi essa referência que Jadsa Castro e João Meirelles encontraram para batizar o EP que produziram juntos e que acaba de ser lançado. ‘Taxidermia’ serve como uma prévia de ‘Olho de Vidro’, primeiro álbum cheio da cantora, compositora e produtora baiana. Olho de vidro é também a parte fundamental da taxidermia, o que dá “vida” ao animal empalhado.
A relação dos termos é parte do processo colaborativo e experimental que Jadsa e João estão criando juntos e ‘Taxidermia’ é o primeiro fruto disso. Essa construção foi iniciada em 2019 com as gravações de ‘Olho de Vidro’ no Red Bull Studios, em São Paulo. João Meirelles, que integra a banda BaianaSystem, será o produtor do álbum de Jadsa, que deve ser lançado ainda em 2020 com apoio do Natura Musical. A relação dos dois, no entanto, vem de muito antes, como eles contam nessa entrevista, em que eles falam também sobre o EP, seu processo criativo, produção e muito mais..
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Quem: Jadsa Castro e João
O Que: Disco ‘Taxidermia
Formato: Digital (por enquanto)
Onde: Bandcamp
Por quem: Independente
Preço: Audição gratuita
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– Gostaria que vocês contassem como foi a concepção do disco. Há um conceito nele?
João Meirelles: Sim. O ‘Taxidermia’ é um trabalho que está intimamente ligado a uma outra produção que ainda está por vir: o ‘Olho de Vidro’. Disco do trabalho de banda de Jadsa que também produzi. Na taxidermia, o último retoque é o olho de vidro. E é uma parte fundamental do processo. A taxidermia bem feita precisa passar a “vida” do animal através dos olhos de vidro. No EP ‘Taxidermia’, buscamos uma liberdade mútua entre eu e Jadsa de realmente nos despedir de pré concepções sobre as composições para criar algo que é eu e ela uma fusão de nossas artes e desejos.
Jadsa: João disse tudo. O ‘Taxidermia’ está diretamente ligado ao ‘Olho de Vidro’ por ter algumas composições fazendo interlúdio nos dois álbuns. Além de termos oportunidade de mostrar dois sons completamente diferentes. O universo de tensão do ‘Taxidermia’ também comunica nitidamente com o momento que estamos vivendo no país.
– Como foi o processo de composição, produção e gravação do álbum?
João: Começamos a pensar o ‘Taxidermia’ a partir de música que fomos gravando no processo do ‘Olho de Vidro’, no estúdio do Redbull Studio, em São Paulo. Algumas dessas músicas não entraram no disco e ficamos com essa ideia de criar um trabalho eletrônico que fosse uma soma entre eu e Jadsa nessa perspectiva de criar algo nosso. Tivemos algumas poucas oportunidades de trabalho presencial dessas faixas no ano passado, mas focamos a produção no ‘Olho de Vidro’. Devido a Covid-19, muita coisa mudou e resolvemos acelerar a produção do ‘Taxidermia vol.1’ para ser lançado antes do disco de banda. Então a maior parte do processo foi feito a distância, com constantes trocas de ideias online. Foi muito importante nessa fase, a colaboração dos outros artistas envolvidos. Após tudo isso, eu mesmo fui finalizando as mixagens e masterizações.
Jadsa: O processo de composição já estava elaborado. As letras foram escolhidas a partir do conceito do ‘Taxidermia’ , a resistência, o “ser” humano, a vida, o sentir… Todos esses gatilhos que nascemos carregando. Do mesmo jeito aconteceu nas gravações, feitas de maneira delicada mantendo foco na qualidade da voz, entonação e trejeitos para que cada palavra soasse o que ela realmente é. Já a produção foi criada por cima das vozes montando esse caminho experimental. Mas ao mesmo tempo que eu e João queríamos estudar os timbres, nós também queríamos dançar com a música.
– Quais foram as principais influências durante esse processo de criação?
João: Essa pra mim é uma pergunta difícil. Entendo as referências em muitas camadas! Vem toda uma bagagem musical. Por esse projeto ser bastante livre no que diz respeito a nossas ideias, vem realmente tudo que nos forma como artistas, não só a música!
Jadsa: Tudo. Mas esse é o interessante do EP, cada faixa foi pensada separadamente e explorada até o talo. Acho que a principal influência foi correr delas.
– Em tempos sem ficha técnica disponível, o disco contou com quem na produção, arranjos, ou mesmo em participações?
Jadsa: produção musical, composição e voz em todas as faixas; João Meirelles: produção musical, synths, guitarra, mixagem e masterização; Jéssica Caitano: vocal em “Secante Caju”; Bruno Abdala: coprodução musical em “Xirê”; Caio Terra – baixo em “Secante Caju”; Pedro Bienemann – técnico de gravação (home studio); guitarra e coro em “Xirê”; Rafaela Piccin: produção executiva e agenciamento; Balaclava Records: Selo; Jadsa, Rafaela Piccin e João Meirelles: Concepção coletiva da imagem de capa do EP Taxidermia
– Como ele está sendo lançado e como encontrá-lo?
João: Lançamos o EP no bandcamp. Nesse momento está disponível nos perfis meu, Jadsa e do selo Balaclava. Com a impossibilidade de fazer shows, abrimos um bate papo no zoom com a audição prévia do EP para amigos e convidados. O interessante desse formato é a possibilidade de conversar abertamente sobre as músicas e processos com essas pessoas. Foi bem rico.
– Gostaria que fizesse uma análise da sua evolução musical desde o início da carreira até este disco.
João: Comecei minha carreira como compositor de trilha sonora para artes cênicas e audio visuais. Tenho a formação acadêmica em música de concerto e uma formação quase paralela na produção de música eletrônica e na parte técnica do som. Com o tempo, fui me vinculando à música pop, e a parte mais notável desse processo foi entrar no Baiana System. É curioso pra mim olhar pra trás e perceber que a parceria com Jadsa tem um contorno parecido. Nos conhecemos numa trilha sonora que estava criando com o compositor Ronei Jorge da peça de teatro “Jango: Uma Tragédya” de Glauber Rocha com direção de Marcio Meirelles. Jadsa e Caio (que hoje toca baixo com Jadsa), eram parte do elenco. Eu e Ronei rapidamente puxamos os dois para a banda. Foi o que salvou essa trilha. A partir daí ficamos cada vez mais próximos artisticamente e colaboramos com outras produções. Hoje temos esse EP que vejo todo esse processo impresso em seu DNA. Tem o pop, tem a o pensamento de trilha, timbres texturas… E o amadurecimento mutuo de nós dois.
Jadsa: Sempre associei o som que eu faço aos momentos. Em 2015 gravei o ep ‘GODÊ’ com a produção e direção musical de João Meirelles e Ronei Jorge, acompanhada da Banda Monstra. Foi uma fase de muitos testes. Pra todos. Depois de 5 anos de estudos, shows, novas composições e São Paulo, a gente acaba realmente se entendendo melhor e conhecendo tanta gente boa… E poder gravar um disco de alta qualidade com uma equipe incrível é de chorar. Um passo de cada vez. E tamo junto.
– Porque em tempos de streaming ainda lançar um álbum?
João: Eu sou fã de formato de álbum. Não gosto muito de playlists, no geral. Gosto de obras musicais que contém uma história, que tenha uma coesão. Mesmo em tempos de streaming é isso que busco ouvir. Pra mim foi natural querer fazer uma obra assim. A vontade era mesmo fazer um álbum completo! mas já sabemos que o ‘Taxidermia’ terá o vol.2 e 3 e 4…. pelo menos assim esperamos.
Jadsa: Nunca fiquei muito agitada com singles. Talvez seja uma herança do teatro. Não sei. A ideia de montar uma obra inteiriça com conceito e forma completa, torna a arte mais viva. O mais “massa” desse projeto é que acabou de começar, então ainda tem muito a ser explicado.
– Quais os planos para tornar este trabalho mais visível diante de tanta coisa sendo produzida?
João: Esse é um grande desafio! Principalmente porque optamos por lançar o trabalho pelo bandcamp, que embora possa atrair muito público, ainda é menos difundido do que as plataformas hegemônicas. Optamos por esse formato por ser mais justo em relação ao repasse do valor da compra das músicas. Sabemos que eventualmente isso irá para outras plataformas, mas por enquanto estamos contanto com nossa divulgação em redes sociais e no boca a boca. O EP está sendo muito bem recebido pelo público, o desafio maior é isso ganhar uma escala nacional e internacional. Outra ação importante é está aparecendo as sites de crítica e divulgação de música independente como o El Cabong. 🙂
Jadsa: Estamos estudando. O bandcamp foi extremamente compatível com os nossos interesses, mas o projeto está sendo tão bem recebido que já vemos a vontade de incluir em outras plataformas. Também é uma característica do ‘Taxidermia’ a colaboração e os colaboradores, acreditamos que essa rede de artistas possa disseminar de maneira expressiva nossos nomes. De todos.