Entrevista: A Vespas Mandarinas quer ser grande

Um dos nomes que chamam atenção do novo rock brasileiro, a Vespas Mandarinas fala um pouco de tudo nessa entrevista exclusiva.

O rock brasileiro anda fora da mídia, sem destaque nas rádios, sem grandes sucessos e com quase nenhuma relevância ou criatividade. Como se estivesse no limbo, anda esquecido por quem não transita nos festivais independentes ou acompanha música com mais afinco. Se no chamado mainstream o rock anda em baixa, o cenário independente, ou como quer que queriam chamá-lo, vive o oposto disto, com produção acelerada, com muitos artistas se consolidando, muitas bandas novas surgindo e discos sendo lançados a todo tempo. Entre tantas novidades, uma das que chamam atenção é a  Vespas Mandarinas, de São Paulo. Apesar de relativamente novo, o grupo é formado por dois veteranos do rock paulistano: Chuck Hipolitho, ex-Forgotten Boys e diretor e apresentador da MTV, e Thadeu Meneghini, ex- Banzé e Conjunto Vazio. Eles são a base da banda, que vem mostrando um rock consistente, calcado em canções criativas e bem formatadas, letras inteligentes e uma pegada acessível, para cantar junto e tocar nas rádios, mas sem deixar de lado o aspecto contestador do rock e o peso das guitarras. Nas listas de final de ano, a banda emplacou seu disco “Animal Nacional” entre os melhores de 2013 em várias delas. É com Thadeu e Chuck  que batemos um papo no Portela Café, em Salvador, logo após o show que encerrou a pequena turnê pelo Nordeste.

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Vespas-Mandarinas-duplaVocês vieram de outras bandas, como surgiu a ideia de montar a Vespas Mandarinas?
Thadeu: Eu tinha uma banda chamada Banzé, que chegou a gravar dois discos. Depois que essa banda acabou montei outro projeto, chamado Conjunto Vazio, em que o Chuck participou. A gente já se conhecia um pouco de longe, de se trombar em festivais e tal. A gente tocou com Genival Lacerda, e nesse disco, inclusive, Ronei Jorge participou. Juntei vários músicos que eu tinha conhecido ao longo da vida do Banzé e fiz esse lance (o Conjunto Vazio), mas ainda queria ter uma banda. Esse projeto não era uma coisa muito viável de ter a dinâmica que uma banda tem. O Chuck  veio do Forgotten Boys, uma banda já bem emblemática e que teve uma importância forte no underground paulista.
Chuck: Um dia eu saí da banda. O Thadeu também estava buscando outras coisas por causa do Conjunto Vazio, e então a gente se trombou. Participei de shows do Banzé, a gente começou a tentar fazer algumas músicas. Eu deixei a banda porque eu tinha intenções e ambições artísticas diferentes e quando encontrei com o Tadeu percebi que ele tinha ambições artísticas muito parecidas com as minhas. Ao mesmo tempo, a gente era diferente em muitas coisas. Eu achei que seria legal se a gente se conhecesse e se misturasse. Daí formamos essa banda, que se chama Vespas Mandarinas.

Você falou das ambições e sinto, pelo som da banda, que eles parecem querer ser maiores do que simplesmente estar nesse mercado paralelo, independente ou como queiram chamar.
Chuck: Quando eu disse ambição, me referi a uma busca pela beleza, poesia.
Thadeu: Mas uma ambição também pela comunicação. Porque a gente acredita no rock como um lance de comunicação de massa, com certo equilíbrio de respeito em relação ao passado, mas também com a intenção de se libertar das amarras desse passado. A gente vive uma época difícil pra fazer o rock? Não sei se é difícil, mas está no nosso sangue e a gente tá aí, se debatendo, tentando fazer.

“A gente vive uma época difícil pra fazer o rock? Não sei se é difícil, mas está no nosso sangue e a gente tá aí, se debatendo, tentando fazer.”

Uma coisa que eu sinto nessa geração é que ela aceita muito fácil essa coisa de ser independente e underground, não querer ser grande, popular. Como vocês pensam isso?
Thadeu: A gente tá numa gravadora. Há dois anos assinamos contrato com a Deck. A gente passou um longo período na independência com essas duas bandas que a gente tinha. Não vamos dizer que a gente aprendeu tudo, mas a gente aprendeu o que a gente pode ter com a independência e o que não. O rock passou por uma época de quase total independência. Hoje, no Brasil, a maioria das bandas de rock que eu vejo por aí são independentes. Se formou uma crença de que o rock, pra ser verdadeiro, tinha de ser independente, não ter nenhum vínculo com o lado comercial. Começaram a dizer que as gravadoras tinham acabado. A gente enxerga que com esse discurso o rock perdeu espaço. A indústria, como funcionava antigamente, não deixou de existir. O rock fica fomentando esse tipo de discurso, mas a maneira de fazer continua. Continua existindo o rádio, e o sertanejo, o axé e o pagode estão ocupando esse espaço. Enquanto isso, o rock ficou numa de “estamos aqui, mas não queremos chegar na comunicação de massa”. A gente não. Estamos aqui e acreditamos nisso. Crescemos ouvindo bandas que fizeram isso, como Titãs, Ira, Paralamas.
Chuck: Não estamos falando que esses artistas que estão na rádio não deveriam estar. Mas a gente gostaria de se misturar com eles, e gostaríamos que tivesse mais rock se misturando.
Thadeu: Quando a gente entrou na gravadora, e fomos conversar com divulgadoras da TV, por exemplo, elas nem comentaram a respeito de quais programas gostaríamos de participar, porque existe a ideia de que bandas de rock não participam desse tipo de programa. Mas a gente não pensa assim, a gente quer fazer, estamos dispostos.
Chuck: Eu acho que hoje em dia não tem nada mais rock do que fazer certas coisas que são proibidas. A gente não se importa muito com certas coisas que foram estabelecidas.
Thadeu: A gente não se importa de ocupar o espaço. Agora, é lógico que a gente se importa com a música que estamos fazendo e como vamos nos comunicar. Porque a gente fica também numa posição de se observar. Temos uma certa postura cobrada pelo underground, que não é aceita pelo mainstream e, se a gente toma uma dessas posturas, o rock pode achar que não é certa. A gente faz uma musculação. Isso na parte de divulgação, mas acaba que na música também, porque a gente não quer repetir os clichês.

Falando em música, dá para perceber na música de vocês uma preocupação em fazer música no formato mais canção, com refrão.
Thadeu: Temo uma busca pela canção, pelo formato, por conseguir fazer um formato que seja pop, mas não tão óbvio. Pra fazer a comunicação de massa você precisa ter alguma coisa que as pessoas assimilem, mas ao mesmo tempo a gente tem de colocar uma dose de veneno que seja unexpected. A gente busca isso, como dar um drible. No futebol, se o cara não der o drible, ele não vai fazer o gol.
Chuck: Hoje em dia, no futebol, se o cara der o drible, o pessoal vaia, porque vai parecer que ele tá tirando onda com o outro jogador. Não pode dar o drible da vaca, não pode chapelar, é proibido, vai levar porrada no campo se fizer isso. Olha os tempos em que vivemos. Vai se fuder, né? A gente tá tentando dar o drible.
Thadeu: Hoje o jogador de futebol tem quase uma obrigação de ser bom moço. Era legal aquele jogador como o Romário, o Edmundo, e até mesmo os argentinos, que davam a maior raiva. São esses jogadores controversos que faziam o jogo ficar interessante.

Vocês dois compõem, mas vi outros compositores no disco. Os dois também cantam. Como funciona essa divisão e o processo de composição?
Chuck: Não existe um padrão e não sabemos o que pode acontecer no futuro com as coisas de hoje. A gente vive experimentando e achando a nossa dinâmica.
Thadeu: A gente também tá aprendendo sempre com o processo. O disco, você pode perceber, tem bastante parceria com Adalberto Rabelo Filho*, que é um cara que já era meu parceiro. Eu apresentei ele pro Chuck. O Adalberto é um cara que conhece muito de música, de uma maneira abrangente. *(Adalberto Rabelo era líder da banda paulista Numismata e hoje reside em Brasília)
ChucK: O foda é que desde o começo, desde que nós três nos encontramos, o Adalberto virou uma espécie de conselheiro.
Clipe-da-Vespas-MandarinasThadeu: Ele tem uma visão de direção. Ele, inclusive, até dá sugestão para o nome das músicas. Em ‘Santa Sampa’, por exemplo, o Adalberto não teve participação nenhuma na letra, porque é do Bernardo Vilhena. Mas foi ele quem me apresentou o Bernardo, que é um cara dos anos 80 e fazia música com Ritchie e Lobão. Só que quando compus a música com o Bernardo, eu fiz de um jeito, mas o Adalberto ouviu e disse: “cara, vai ouvir o Achtung Baby, do U2. Essa música tem alguma coisa, você tem que buscar, ela tem que ter um groove, não pode ser desse jeito que você tá fazendo”. Ele me colocou um desafio, daí eu fui lá, fiz o groove, liguei. E ele: “não, mas aqui não, pô, faz o groove um pouco mais assim.”
Chuck: Ele é quase um integrante da banda
Thadeu: Ele tem uma influência super natural, bem recebida. A gente ouve ele, ele também ouve a gente. E tem o lance das letras também.

Queria que vocês falassem justamente das letras, porque é algo que chama atenção na banda. Já ouvi gente falando que hoje tem muita banda instrumental porque as bandas de rock não têm o que dizer. Mas vocês parecem ter muita coisa pra dizer, as letras são bem interessantes e mostram que têm o que dizer.
Thadeu: Interessante que ainda hoje eu tava falando com os caras do Selvagens à Procura da Lei (banda cearense que fez turnê com o Vespas pelo Nordeste), aí eles viraram pra mim e falaram: “que legal, você fez a letra de ‘Radioatividade’” Não fui eu que fiz. Foi gravada pela Vivendo do Ócio, a música é minha, mas a letra é do Adalberto. “Pô, mas você não faz letra?”. Eu não sou muito de fazer. De vez em quando eu faço algumas. Eu pego as palavras, me apodero delas e vou colocando na música. Eu mexo com a prosódia, com a melodia em cada palavra, faço a construção mesmo, de ligar as coisas. Eu falo pros caras: meu, pra fazer uma música você tem que falar a verdade. Mas eu não sou muito de dizer a verdade. O Adalberto é interessante porque eu falo as coisas pra ele e ele me devolve com letras que falam sobre mim. Eu fico bem louco, porque eu aprendo sobre mim.

Mas é uma preocupação de vocês essa coisa da letra?
Thadeu: Total. No processo de composição do disco, o Rafael Ramos me trouxe uma música de um compositor e falou: “pô, Thadeu, ouve essa música aqui. Acho que dá pra você cantar, é uma música legal.” Mas eu não me identifiquei nada com a letra, que falava “vamo sair por aí. Eu só quero tomar uma cerveja e fica numa boa”. Eu falei: “puta meu, não vou conseguir cantar isso, não vai ser verdadeiro”. Porque o que a gente procura é ser verdadeiro mesmo. Não é qualquer coisa que a gente diz que a gente acredita. A palavra tem esse peso, a gente tem de carregar.
Chuck: Eu só observo a aprendo.

“Eu sou o artifício
Pertinência e contradição
A vanguarda e a tradição
Libertário e celibatário
Um e vários, rei dos contrários

Eu, que sou o inimigo

Eu me rendo de bom grado
Mas deixo aqui registrado
Como forma de protesto
Meu destino não-manifesto
E que se dane o resto
E que se foda o resto”

Trecho de letra de ‘O Inimigo’

Queria que vocês falassem do disco, sobre a concepção e produção.
Thadeu: A produção é do Rafael Ramos, que está com a gente desde o começo na gravadora. Ele é o cara da gravadora que contrata as bandas, mas a contratação dele está associada à produção. Ele pega uma banda com a qual ele quer trabalhar. No sentido da gravadora, em todo o processo de divulgação, mas também na parte artística de produção do disco. O Rafael foi legal, porque ele entendeu a banda. Entendeu que a gente tava formando uma identidade, tava evoluindo como banda. Aí a gente cuidou de fazer uma pré-produção antes, só a banda, quando ele chegou. Aquela coisa de dar um upgrade mesmo, pensar mais na canção, nos arranjos e num repertório que consiga criar uma história, um álbum, para que as músicas tenham uma seqüência e juntas tenham uma coesão. Teve músicas que ficaram de fora por causa disso. Mas também tem músicas bem diferentes, como ‘Não sei o que fazer comigo’, versão de um rock uruguaio que o Chuck ouviu, pirou, pegou a letra e ficou obcecado. Até a hora de gravar a voz a versão não tava pronta e ele ficou como louco no corredor do estúdio trabalhando na letra.

De onde você tirou a música? Você já conhecia a banda?
Chuck: O pessoal mandou um link pra mim. Eu já tinha feito uma versão em castelhano de um artista espanhol e aí eu pensei: vou tentar de novo. Essa música é muito boa, achei que ia ser legal a molecada ouvir uma música dessas, que talvez por uma questão de língua e fronteira, não vem parar no Brasil. É uma música animal. Pensei que essa energia, traduzida pro português, podia ser legal.
Thadeu: Essa música é legal e agora é a música de trabalho que está tocando na rádio lá de São Paulo. A gente passou por três cidades: Fortaleza, Recife e Salvador. Com certeza ela é a música mais conhecida. Embora, aqui em Salvador, a gente tenha percebido que o público conhece mais o disco como um todo.

Muito difícil uma música deste cenário independente entrar numa rádio. Vocês não acham que os artistas dessa cena viraram as costas para o rádio?
Thadeu: Sim. Acho uma tristeza que não se toque na rádio e que a rádio tenha se tornado esse engessamento comercial e de estilo. Acho uma pena que Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta não tenham tocado na rádio, porque eles tinham músicas que poderiam ser tocadas. Na verdade, eu não entendo porque o sistema chegou a esse ponto. Não sei se teve alguma saturação do boom do rock dos anos 90 e 80, com grandes figuras que não deixaram a coisa cair. Graças a Deus a gente teve Chico Science e Rodolfo Abrantes.
Chuck: Ao mesmo tempo em que a rádio tem todo esse sistema, por incrível que pareça, ela ainda entrega o que as pessoas querem. De alguma maneira a rádio ainda acaba indo atrás. A gente botou a música ‘Não Sei o que Fazer Comigo’ na 89 FM (rádio rock de São Paulo), daí ela entrou em um daqueles top 10 de área, ficou em primeiro lugar e a gente ficou sabendo que a música era pedida pra caralho pelo telefone. Foi a segunda música mais pedida do ano, de uma banda nacional, porque em primeiro lugar tava uma música do Pearl Jam. Pô, tem gente querendo ouvir isso aí, caralho. Aí a rádio de Curitiba toca também e assim por diante.
Thadeu: A gente percebe que existe uma galera querendo também. Mas os meios de comunicação não acreditam que existe e eles não arriscam. A gente tá tentando empurrar essa porta aí.

Queria que vocês destacassem alguma música do disco e falassem sobre ela.
Chuck: Tem uma música que entrou de última hora no disco e se chama um ‘Homem sem Qualidades’. Ela era da Banzé. Quando a gente formou a banda eu roubei ‘Cobras de Vidro’ e falei: “Thadeu, só vamos montar uma banda se você gravar ‘Cobras de Vidro'”. No último segundo, o Rafael falou: “já temos aqui as 23 músicas. Alguém tá escondendo alguma coisa? Mostra Agora.” Eu falei de outra música do Banzé que a gente vinha tocando nos shows e que era ‘Um Homem sem Qualidades’. Eu mostrei e ele disse que a música tinha de estar no disco.
Thadeu: O legal dessa música é uma informação que a gente guarda a sete chaves. O primeiro show das Vespas Mandarinas abriu um show do Mudhoney, em São Paulo. Por ter contato com a banda, a gente convidou o Mark Arm pra gravar uma versão do ‘Homem sem Qualidades’ em inglês, mas não colou tanto e decidimos voltar pra versão em português. Virou uma música que dá uma catarse no show e a gente tocava bastante, então entrou no disco. É a música mais rápida do disco, 211 bpm. A revista Rolling Stone fez uma enquete escolhendo as melhores músicas de 2013 e ela ficou em 20º lugar entre 25 músicas do ano.
Chuck: ‘Homem sem Qualidades, pô! Ficamos pensando naquela terceira, naquela quarta, porque a galera tá curtindo um som com refrão, melodia e tal. Aí Rolling Stone escolhe uma música como o ‘Homem sem Qualidades’. Caralho, muito massa.

“Meu passatempo predileto
É transformar o essencial em invisível
Te esmagar como a um inseto
Incansável, insensível, irascível

Te esvaziar dessa bondade piegas
Que há muito tempo te emburreceu
Até que você não dependa mais da caridade

De estranhos como eu (De estranhos como eu)”

Trecho de letra de ‘Um Homem sem Qualidades’

Queria que vocês falassem da turnê e como foi tocar no Nordeste?
Thadeu: Com a primeira formação a gente chegou a subir pra Natal, mas a gente não tinha ido pra essas cidades que a gente fez agora: Fortaleza, Recife e Salvador. Não querendo dizer que um lugar foi melhor que o outro, mas no show daqui de Salvador a gente sentiu o mesmo calor que estamos sentindo em São Paulo, com a moçada bem doida. A gente gosta disso, de criar uma catarse. Nos outros shows que a gente fez, rolou uma interação legal, mas sem catarse. A catarse foi aqui em Salvador, e parecia até que a gente tava na nossa cidade.

Veja vídeo da Vespas Mandarinas tocando ‘Herói Devolvido’ com participação da Vivendo do Ócio no show em Salvador:

 Ouça o disco “Animal Nacional”:

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