Em entrevista exclusiva, Pedro Pondé trata de temas como a saída da Scambo, seu trabalho solo, as crises e o fituro.
Para quem acompanha a carreira de Pedro Pondé, a inquietude é uma de suas marcas. Seja no modo como parece enfrentar o mundo e, logo, demonstra em suas opiniões, seja no entra e sai (e retorno) de bandas e na forma como encara a carreira. Há anos ele é um dos nomes mais produtivos no cenário independente baiano. Esteve à frente de bandas como Scambo e O Círculo, nas quais se tornou conhecido. Com um longo tempo de contribuição, se consolidou como cantor, compositor, performer e artista, irrequieto, inconformado e, muitas vezes, polêmico. Em fevereiro deste ano, logo após o lançamento do disco novo da Scambo, ele anunciou que estava saindo da banda, pegando muita gente de surpresa. Agora, seis meses depois ele aparece com o primeiro trabalho da carreira solo, um EP com quatro músicas. Numa delas dá o recado: “Calma, pausa para recomeçar”. Nessa entrevista, ele fala desse novo trabalho, da influência da Scambo, do momento em que atravessamos no Brasil e no mundo e de como imagina o futuro de sua carreira.
Você pode ouvir o EP no Spotify, Deezer, Apple Music, TIDAL, Google Play ou abaixo:
Primeiro queria que você falasse das músicas desse EP. São composições novas, ou coisas que você tinha feito antes? Sobre o que elas tratam?
São quatro músicas, “Licença”, “O vento”, “Pausa” E “Ao mar”. Eu, como todo compositor, tenho um arquivo de músicas em construção, de ideias em andamento, mas nesse momento preferi fazer algo que me representasse em tempo real. São músicas novas, recém colhidas, que falam muito sobre meu estado de espírito, sobre minha espiritualidade, não foram músicas feitas em um momento muito bom, foram feitas buscando uma forma otimista de avaliar os acontecimentos, as relações e a politica do país estão um caos, a segurança pública idem, peguei o violão, fui pra varanda, fechei os olhos e foi como se eu estivesse dando conselhos a mim mesmo, fiz essas músicas como quem faz um remédio caseiro, uma oração particular. Algo que me desse força pra não perder a paciência diante desse mundo absurdo. Pra mim funcionou, tem funcionado, e pelo retorno que as pessoas estão me dando parece que também está fazendo bem a elas. São todas autorais, e “O Vento” é em parceria com o Ênio.
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Gostaria que falasse também sobre a produção do EP. Quem produziu, como se deu a produção dele?
A pré produção começou na minha casa, do violão, levei as músicas pro computador e comecei a formata-las, a arranja-las, a buscar as ambiências e timbres, efeitos, batidas. No segundo momento o Ângelo Canja colou comigo e deu uma grande força nos arranjos, sugeriu linhas de baixo, criou frases de guitarra. No terceiro momento Tati e Ricardo Flocos vieram aqui em casa e a gente foi lapidando mais um tanto, eis que chegamos a Ênio. Ênio, O Híbrido, é um artista incrível, um guitarrista virtuoso e inventivo, uma enciclopédia de referências, canta muito bem, compõe muito bem, arranja muito bem, saca tudo de equipamentos, tem um senso estético apuradíssimo, não tem nenhum tipo de preconceito musical, flerta com todos os estilos. Acho que, ser produtor pra ele, foi um caminho natural. Ele tem uma visão bem ampla das possibilidades musicais, que já seriam motivos suficientes pra ele ser o produtor do EP. Mas ele tem outras qualidades que pra mim são fundamentais: ele entende a função do produtor, é um cara que não coloca a vaidade no jogo. Ele me escutou atentamente, buscou entender exatamente o que eu queria passar, e conduziu o processo todo me consultando, a cada passo, com a calma que lhe é peculiar. Tem produtor que atropela o artista e coloca seu gosto pessoal como Norte. O Ênio é oposto disso, ele não me usou como plataforma de exibição, ele me traduziu, foi meu espelho, tô muito feliz pelo processo e pelo resultado do EP. O Ênio orquestrou tudo de forma impecável.
“Tenho fé que o povo vai se organizar e reagir, a crise é um raio x, estamos vendo tudo que sempre andou errado, estamos num caminho tortuoso, estamos vendo a verdade nua e crua, a crueldade do poder, prevejo muitas lutas pra que a gente chegue a uma situação social mais justa.”
Você ainda tem o trabalho da Scambo inevitavelmente marcado em seu trabalho. O que traz de diferente agora com a carreira solo?
Eu sempre terei o trabalho da Scambo e do Círculo marcados em mim e no meu trabalho, fazem parte da minha história e contam também muito da minha história, fiz músicas pra minha filha, minha mulher, minha mãe. Como você disse, é inevitável e não me sinto desconfortável com isso. O Círculo e a Scambo também sempre terão muito de mim, foram trabalhos em que me dediquei completa e integralmente. Naturalmente algo em meu trabalho vai continuar soando um pouco como os trabalhos que já fiz, justamente porque nunca fui só o cantor, foram trabalhos coletivos, sempre participei dos arranjos e decisões. O que muda daqui pra frente, é que o publico vai começar a ver e ouvir partes de mim que estavam ocultas porque não passavam pelo crivo do grupo. Hoje posso me expressar de forma integral.
Vivemos um momento complicada política e socialmente no país, ao mesmo tempo temos um cenário de bastante criatividade na música. Como se insere nesse contexto?
Eu tenho pra mim que a dificuldade foi um dos fatores que gerou o que chamamos de criatividade, talvez por isso o brasileiro seja mestre na arte de criar, de dar um jeito. Veja que, quando estamos no sufoco, somos forçados a subverter o que era a ordem, e damos vida ao que parecia impossível. Eu acredito que essa crise seja mundial, não é só no Brasil, o que está acontecendo é fruto da revolução nas comunicações, e na falta de controle sobre a informação. Antes era mais fácil manter a maioria na ignorância, era mais fácil manipular a opinião publica. A informação molda nossa noção de realidade, logo, informação é poder. Não é a toa que os maiores meios de comunicação de massa pertencem ainda a políticos e entidades religiosas de moral altamente duvidosa. A humanidade deu um salto evolutivo irreversível na forma que propagar a informação, e esse salto está formulando uma nova consciência, uma consciência coletiva que ainda vai precisar de tempo pra tomar corpo e reagir de forma eficiente. Os velhos reis tentando defender suas torres, manter seus humanos escravizados. Tenho fé que o povo vai se organizar e reagir, a crise é um raio x, estamos vendo tudo que sempre andou errado, estamos num caminho tortuoso, estamos vendo a verdade nua e crua, a crueldade do poder, prevejo muitas lutas pra que a gente chegue a uma situação social mais justa. A música, a arte de um modo geral é o registro de uma cultura, da alma de um povo, da sua história, dos seus anseios, prazeres, dores, medos, questionamentos, uma forma de autoconhecimento coletivo, logo, uma ferramenta de amplificação da consciência. Eu me insiro nesse contexto tentando ser isso, uma interrogação, um questionamento, uma sensibilidade, mais um eco dessa nossa voz.
“O que muda daqui pra frente, é que o publico vai começar a ver e ouvir partes de mim que estavam ocultas porque não passavam pelo crivo do grupo. Hoje posso me expressar de forma integral.”
Você tem feito shows, circulado bastante e agora lança esse EP, como está projetando sua carreira daqui pra frente?
Tenho feito shows em Salvador, pelo interior da Bahia, lugares onde as pessoas já me conhecem e me recebem com o maior carinho. A proposta agora é tentar ampliar isso aos poucos, circular em outros estados também. O EP é o primeiro resultado dessa nova fase, é como tenho me difundido nas plataformas e redes sociais, agora é buscar mais formas de divulgação pra que eu possa chegar em mais pessoas e lugares. Minha carreira nesse formato ainda está bem no comecinho, fica difícil fazer uma projeção, tô vivendo cada dia. O que mais quero fazer agora é música, minha diversão é essa, criar, é o que movimenta e dá sentido a minha vida, quero me focar na pesquisa e produção. Hoje conto com o apoio de uma produtora, a Isé, que tem me ajudado bastante a pensar e planejar o futuro, tem dado todo suporte pra que eu tenha mais tempo pra pensar em arte.
Ainda falando do EP, quero dizer que finalmente realizei o sonho de trabalhar com o André T, e fiquei muito feliz por ele gostar do trabalho novo e por se envolver também, foram várias colaborações dele. Agradeço também por poder contar com os arranjos de metais incríveis do maestro Hugo Sanbone, que enriqueceu bastante o trabalho, e ainda me fez o grande favor de convocar João Teoria pra gravar trompete e Eric Almeida pra gravar o sax. Agradeço a Fabrício Mota (Ifá) por emprestar seu imenso talento e criar e gravar a linha de baixo da faixa PAUSA. Quem não gravou mas foi fundamental pra que o trabalho acontecesse. A produtora Flavine Jardim, o Iluminador Rafael Charrete, A Isé: Alex, Karlene, Rangel. E Corujito, também da Isé.