O produtor musical Anderson Foca não vive de música; ele vive a música. Se dedica quase 24 horas à música. Subtraia daí algumas horas de sono, um joguinho de tênis aqui e acolá e alguns palavrões durante os jogos do Flamengo. O resto do tempo produz canções de sua banda Camarones Orquestra Guitarrística, produz shows no Centro Cultural Dosol, planeja o Festival Dosol do próximo ano ou encampa a produção de álbuns e divulgação de outras inúmeras bandas da cena potiguar. É de longe o maior incentivador e produtor de bandas autorais do Rio Grande do Norte. E quem diria que aquele guitarrista da banda Officina, no distante século passado se transformaria num dos mais respeitados produtores da música independente do país?
Antes, para quem não conhece, é bom entender pelo que ele é responsável. O já festival DoSol chega esse ano a sua 12ª edição e mais uma vez faz um enorme apanhado da produção local e nacional. O festival corre para cada vez mais se tornar o maior do Brasil, se já não for, com números impressionantes. Esse ano a proposta de se expandir para outras localidades cresceu e o festival vai chegar a 14 cidades pelo Nordeste, sendo 8 no Rio Grande do Norte, além de Recife, Maceió, Salvador, João Pessoa, Campina Grande e até Fernando de Noronha (veja a programação de algumas delas). São 31 dias de festival, com 123 artistas convidados em 214 shows. A edição principal, em Natal, terá cinco palcos, com mais de 80 artistas se apresentando.
Abaixo, 11 perguntinhas ao Sr. Anderson Foca, após divulgação massiva da programação de mais de 200 shows do Festival Dosol 2015.
Por Sergio Vilar, publicada originalmente no site Substantivo Plural
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Sergio Vilar – O Festival Dosol tem crescido exponencialmente, sobretudo nos últimos três anos. Sabendo que tudo depende de planejamento antecipado, quais as pretensões para o próximo ano no tocante a bandas, tamanho e patrocínios?
Anderson Foca – Bem, a gente todo ano fala que se conseguir repetir o que já vem fazendo é vitória. Mas sim, sempre pensamos em ampliar a atividade, fazer mais shows, receber mais gente. Pra gente, festival tem essa conotação de encontro e quanto mais encontros, melhor. Não sei o que será do ano que vem. Vamos primeiro esperar passar as cosais desse ano. Mudamos muito de patamar e de alcance e precisamos ver o resultado disso ainda.
O que você gostaria de realizar já neste ano, mas que só será possível no próximo?
Anderson Foca – Eu sempre quero trazer mais artistas internacionais, mas é muito difícil. E eu parecia que tava adivinhando, né? Dólar aumentou muito e eu teria problemas se fizéssemos mais do que já temos. Eu sempre quis levar o festival para Fernando de Noronha e esse ano conseguimos a façanha. Posso dizer que cumprimos bem o que a gente queria fazer.
Conta pra gente um segredo de bastidor na construção do evento deste ano. Um telefonema, um contato com algum dos artistas, uma negociação mais escrota, uma surpresa inesperada…
Anderson Foca – Fazer o Marky Ramone em 2009 foi surreal pra gente. Eu atendi ele pessoalmente, ficamos escolhendo a bateria que ele ia tocar e eu quase não conseguia esconder a emoção. Fiquei tão pilhado que quando começou o show eu tive uma taquicardia e sai da frente do palco e não vi nada. Ainda bem que filmamos tudo e eu pude ver depois mais calmo. Ramones, né? Uma das maiores bandas desse planeta. Mas sobre este ano, eu queria ter trazido o Moraes Moreira. Conversamos bastante com a produção dele, mas não conseguimos achar uma data boa pra mim e pra eles. Queria ter conseguido, o cara é um legend!
“Ser independente não é um estilo musical, não é o novo sertanejo universitário. Na verdade esse termo se dá porque independente de qualquer coisa continuamos fazendo o que a gente acredita, exatamente sem se ligar muito em modas, tendências ou afins.”
Olhe 12 anos atrás e rememore a cena musical do RN que você tinha disponível para montar o primeiro Festival Dosol e compare com a de hoje. Quais diferenças de qualidade, quantidade e oportunidade você vê?
Anderson Foca – Temos uma cena agora, né? Toda criada em cima de muita batalha, de muita promoção, de muita circulação que todo mundo vem promovendo. Quando começamos éramos crianças brincando de ter um selo de música, mas levamos tão a sério que continuamos brincando até hoje. Quando você faz o que curte, nunca trabalha, e eu dei essa sorte. Na verdade fazemos a mesma coisa que fazíamos em 98, mas tudo multiplicado por 100. Se me perguntasse se eu sabia onde ia chegar, não saberia responder, mas nunca deixei de sonhar e até hoje somos movidos a sonhos.
Quais bandas destacaria?
Anderson Foca – Tirando as que já são conhecidas, como Camarones, DuSouto, Far From Alaska e Mahmed, acho que tem três bandas promissoras nesse ano: Plutão já foi Planeta, Luisa e os Alquimistas e Forasteiro Só. Essas são bandas relativamente novas e bem promissoras.
Como produtor musical ou líder da banda Camarones Orquestra Guitarrística você presenciou inúmeros formatos de festivais no Brasil e no exterior. Qual ou quais desses eventos influenciam mais a formatação do Festival Dosol de hoje ou mesmo o de amanhã?
Anderson Foca – Gosto de dois formatos bem diferentes. O primeiro é o da Vans Warped Tour, que é um festival montado e desmontado todos os dias no verão americano em quase 50 datas; curto muito esse formato sem frescura deles, mas muito proveitoso. Lá eles têm a vantagem do dia ser mais longo no verão e fica mais fácil de fazer. Curto também o Primavera Sound, em Barcelona, onde tocamos lá ano passado. Uma aula de música, de formato, de curadoria e de ocupação da cidade. Esses dois são nosso norte para o que queremos fazer. Se conseguirmos 5% deles já seria bom o bastante.
Hoje o cenário musical está cada vez mais tomado pela cena independente, como em outras épocas esteve por vários estilos e gêneros musicais. Você acredita em moda ou um fenômeno consolidado, posto que relacionado a outros fatores mais sólidos e definitivos, como o download gratuito de músicas, a divulgação democrática nas redes sociais, etc?
Anderson Foca – Não há moda em ser independente. Na real esse termo todo é meio batido. Ser independente não é um estilo musical, não é o novo sertanejo universitário. Na verdade esse termo se dá porque independente de qualquer coisa continuamos fazendo o que a gente acredita, exatamente sem se ligar muito em modas, tendências ou afins. Claro que você acompanha a tecnologia, a comunicação com as pessoas no flow da vida, mas no estilo musical e, principalmente, no estilo de vida, é tudo muito parecido de quando a gente começou. Download gratuito e redes sociais também são usados pelo pagode da moda, pelo cantor popular igual (ou até mais).
“A vida é dura. Pra mim, para cantora desafinada e até para o Ed Motta. Os vinhos que ele toma são caros, eu não posso bebê-los. Cada um fala o que dá conta de arcar!”
Há quem afirme que a música independente já atingiu seu auge com a explosão de festivais, selos, editais para o gênero e investimentos privados, mas que agora é ladeira abaixo. A Abrafin, inclusive, já foi pro beleléu. O Fora do Eixo talvez não tenha a mesma força de antes. Como você vislumbra esse cenário para os próximos anos?
Anderson Foca – Bom, tem quem procure chifre em cabeça de cavalo. Mas na minha experiência pessoal acho que nunca houve tantos festivais, bandas, tours, espaços para se tocar música autoral por ai. Só cresceu. Acho que essa sensação de que não rola mais é de quem viu muitas novidades de uma vez, mas se dá pelo fato de que antes tínhamos muito poucas atividades. Então, não é mais novidade uma cidade anunciar um festival independente. E que bom que agora é assim. A Abrafin acabou para surgirem duas associações/redes enormes de festivais independentes, que são a FBA e a Rede Brasil de Festivais. Enfim, fato é que a música nunca foi tão grande no Brasil e no mundo. E na quantidade é preciso de muita qualidade para sobreviver.
Falta empreendedorismo na música independente? E se falta, a independência não pressupõe o não-vínculo com as leis de mercado? Ou o mercado hoje é virtualmente social?
Anderson Foca – Falta mais gente empreendendo 100% na música. Vejo muita gente legal dividindo funções com outros trabalhos, o que é natural na lei da vida. Acho que música, muito mais que uma profissão é uma vivência, é um lifestyle. E como disse, independência é você andar pelo caminho que achar que deve, sem se preocupar muito onde vai dar. Se você quiser só jogar o jogo do mercado, está tudo certo, se quiser ter seus conceitos e segui-los, ótimo também. Não tem muita regra (e nem deve ter).
Ed Motta escreveu o seguinte: “Nos dias de hoje, o verdadeiro músico profissional tem que lutar contra muito mais coisas. Pra cada músico que realmente toca um instrumento, estuda, pratica, existem talvez 100 bandas indie com um babaca/indie usando um Fender Jaguar fora do tom tocando terríveis acordes abertos desafinados, com uma cantora bonita cantando melodias ingênuas como uma criança”. Comente, please.
Anderson Foca – A vida é dura. Pra mim, para cantora desafinada e até para o Ed Motta. Os vinhos que ele toma são caros, eu não posso bebê-los. Cada um fala o que dá conta de arcar! 🙂
Se fala que o rock morreu. E não são apenas guitarras distorcidas, mas a atitude rocker, que talvez nem mesmo o mundo precise mais, ou tenha virado algo caricaturado nos dias de hoje. O Camarones participou do Rock in Rio. Vendo ali de perto, não parece realmente que o rock morreu ou vive apenas feito zumbi na cena independente?
Anderson Foca – Essa é mais uma daquelas opiniões babacas de gente que acha que o rock no Brasil morreu no Brock dos anos 80 (que é ótimo). Cada um ache o que quiser também, quem sou eu para julgar. Eu vejo muito rock foda por ai, aqui, no Maranhão, na França, Barcelona, Caicó. Tá em todo lugar. Foi legal participar do Rock in Rio. Lá não é muito um lugar para se procurar atitude porque é um evento midiático feito para entreter as pessoas e cumpre muito bem sua função. Mas as coisas do submundo estão ai ainda, olhando a sociedade pela brecha. E vai ter sempre um guri para dar uns berros falando mal de deus e o mundo. Isso nunca vai acabar.