Céu Entrevista

Entrevista: Céu entre inspirações e ídolos

Nessa entrevista feita por Marília Feix, a cantora e compositora Céu fala sobre seu mais recente trabalho, o álbum de versões Um Gosto de Sol, as inspirações e ídolos. Publicado originalmente no site Lampeja Música, o papo traz também o que inspirou a artista no seu mergulho nas profundezas da interpretação, como ela vê a música brasileira e a importância de homenagear o legado musical daqui e do mundo.

Texto e entrevista: Marília Feix
Fotos: Érico Toscano


Céu é uma constelação de referências. Desde o seu primeiro álbum, Céu (2005), já víamos a artista mostrando-se plural e diversa, ora cantando seus ídolos, ora trazendo suas poesias, com uma estética contemporânea e sempre apontada para o futuro.

Reconhecida para além das fronteiras brasileiras, essa que é uma das mais sólidas cantoras e compositoras da atual geração, lança no segundo semestre de 2021 Um Gosto De Sol, álbum feito de interpretações prioritariamente nacionais, mas que também reverencia seus ídolos estrangeiros, através de uma compilação que atravessa décadas e gêneros.

“Chega Mais”, da Rita Lee, ganha uma nova roupagem, já “Deixa Acontecer”, gravada originalmente pelo Grupo Revelação, traz a participação especial de Emicida, e “Teimosa”, de Antônio Carlos e Jocafi, é acompanhada por falsetes de Russo Passapusso do BaianaSystem. Tudo isso acompanhado pelo violão de nylon de Andreas Kisser do Sepultura, com a produção de Pupillo.

Céu – Foto Érico Toscano

Quando você percebeu que poderia compor suas próprias músicas?

Foi uma surpresa… Eu não sabia que eu era compositora. E foi um processo, né? Na época era um mundo ainda mais comandado por homens, e de repente eu estava entrando numa seara que não era, vamos dizer assim, virgem, mas pouco desbravada. Havia poucas mulheres compondo e a relevância de composições da música brasileira estava sempre muito focada nos homens. Foi um período um pouco difícil para eu entender que estava querendo entrar nesse lugar de autora e também de acreditar e de botar fé mesmo que eu era capaz. Eu cresci numa família muito musical e rígida nesse lugar da musicalidade brasileira, bem sisuda mesmo. Meu pai maestro, minha mãe, cantora. Mas assim se deu, eu fui seguindo um lugar de buscar e de ser honesta comigo.

E quais foram os primeiros temas que você abordou?

Eu sempre fui muito do sentimento comum a todos, sabe? Histórias da vida, frustrações, relações amorosas, decepções, coisas da condição humana. Eu sempre quis ser muito terrena. Desde aquela época eu já falava de feminismo, por exemplo. Em “Lenda”, no primeiro disco, eu canto:

“E tome tento

Fique esperto

Hoje não tem papo

Jogo-lhe um quebrante

Num instante

Você vira sapo

Bobeou na crença

Príncipe volta

Ao seu posto

De lenda”

Lá eu já estava mexendo em coisas que hoje estão super ativas. Enfim, acho que era um caminho se iniciando e eu tenho bastante orgulho disso.

Mesmo sendo reconhecida como compositora, desde o início da carreira você também já fazia releituras.

Sempre interpretei, de fato, músicas de outras pessoas. Acho que isso serviu como liga para os meus trabalhos. Como uma pista sobre o universo que eu estou transitando.

E como foi o processo de curadoria em “Um Gosto De Sol”? Há versões que transitam dos anos vinte até os tempos atuais, atravessando diferentes gêneros.

Eu acho que o que eu quis foi contar um pouquinho mais sobre quem eu sou, sabe? Foi uma maneira de mostrar ao meu público, e também para quem nunca ouviu falar de mim, um pouco sobre a minha trajetória.

Pois o lugar que eu ocupo no cenário musical do Brasil é complexo. A gente não tem muito onde explicar, onde falar o que a gente pensa sobre nossa composição, sabe? Vivemos num sistema que está muito baseado no mainstream. Então acho que, aos poucos, pelas beiradas, da minha maneira, eu vou contando quais são as minhas influências. Eu sou de São Paulo, então, pra mim, faz sentido total contar que eu realmente escutei muito samba, e também muito rock. Depois também me interessei pelos sons da Jamaica. Essa sou eu. E aí eu acho que eu encontrei um jeito de costurar essa colcha de retalhos. Tentei focar nesse recorte de quem eu sou hoje. Tenho dois filhos, quarenta e um anos, vários discos lançados, e muito rolê, muita história.

Uma das coisas interessantes da pandemia foi poder rever lembranças. Eu revi a pagodeira que havia em mim! Algo que eu nunca tinha falado a respeito nos meus discos autorais. Então eu trouxe as minhas camadas diversas pra galera me conhecer melhor. Acho que esse foi o intuito. Soar com mais honestidade é o caminho que eu busco, para que as pessoas me conheçam e cada vez mais entendam qual é a minha história.

É interessante essa unidade que você traz através de músicas que não são suas. Mas claro que no momento em que você as interpreta, já imprime a sua identidade. E isso aconteceu também com os convidados do disco.

Aí eu acho que coube também muito à produção do Pupillo, a uma técnica que eu acho que é bem boa pra isso, que é você, no início da parada, ficar meio que sempre com a mesma banda.

A entrada do Andreas tocando violão foi uma ideia genial também.

Sim, eu sinto que tem um a ver com o desejo de trazer personalidade ao disco. Ter como protagonista um violão de nylon, que é o meu instrumento favorito da vida, com o Andreas tocando. Eu tenho um respeito profundo por ele, mesmo não entendendo nada de metal, confesso. Eu conhecia ele de longe, mas sempre achei um amor de pessoa e duvidei do desejo dele de entrar nesse projeto maluco. Mas, no fim, acho que ele gostou de colocar em prática esse violeiro aí que toca muito, além de ser da banda de metal mais importante do Brasil e uma das do mundo. Ele é um baita músico e um baita conhecedor de música brasileira e erudita. Então, eu me orgulho desse disco e dessas bolhas serem furadas, sabe?

O mesmo ocorreu com o Emicida em “Deixa Acontecer”. Ele se mostrou um cantor diferente do que estávamos acostumados a ouvir.

Sim, e ele mesmo se surpreendeu. Foi incrível! Ele já tinha feito uma primeira gravação de voz, mas acabou perdendo por causa de um temporal. E aí passou uma noite em claro pirando numas paradas e resolveu cantar novamente, e veio um outro Emicida, um cantor que nem ele mesmo conhecia.

E esse disco também fala sobre esperança.

É, mas não acho que foi um exercício motivacional, sabe? Na verdade, foi o resultado de um processo drástico e coletivo pra mim. Eu acho que eu regurgitei esse disco, vamos dizer assim, pois eu não me senti nada animada para escrever. Tudo que eu escrevia era bem triste e não me sentia inspirada, até porque estava descabelada cuidando das crianças. A pessoa física e a pessoa jurídica viraram uma coisa só. Então eu não tive desejo de escrever, não senti esperança.

O que eu senti foi uma coisa que é muito forte e poderosa no Brasil, que é a música como um grande porto seguro e um grande eixo. Eu recorri à música muitas vezes pra me sentir melhor. É um poder que só a arte tem. E eu pensei muito sobre esse lugar de ser artista em um país que criminaliza a arte, que chama os artistas de sanguessugas da Lei Rouanet, e de outras bobagens da ordem do absurdo. Então eu acho que “Um Gosto de Sol” foi quase uma resposta poética / política de priorizar, enaltecer e homenagear artistas do mundo. Então eu saí um pouco do lugar da compositora pra ir para o lugar da fã, enaltecendo quem eu amo.

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