Apesar das mudanças decorrentes da tecnologia e da queda na venda de discos em todo mundo, ainda existem lojas especializadas na venda de CDs espalhadas por ai. Cada vez mais raras e menores, elas mantêm aceso o prazer de quem prefere o produto físico e original, ao invés de cópias piratas ou arquivos digitais. Se, em todas as grandes cidades do mundo, várias lojas foram fechadas, em Salvador não poderia ser diferente. Hoje, quem gosta de um espaço especializado com os principais discos e artistas, além dos lançamentos, precisa circular.
Atualmente, além das duas grandes livrarias de grife localizadas em três shoppings da cidade, que são focadas em livros, mas que também vendem CDs e DVDs, e de alguns sebos e lojas de usados, pouco mais de meia dúzia de lojas especializadas apenas em discos resistem. E resistência é mesmo a palavra, já que em tempos de facilidade – seja para comprar, fazer cópias de discos piratas ou de acessar músicas pela internet – vender discos novos e originais é uma atividade que mistura negócios com prazer.
Para Roberto Sampaio, proprietário da Pérola Negra, uma das poucas lojas sobreviventes em Salvador, manter um estabelecimento de discos atualmente é uma verdadeira luta. “É muito difícil, precisa gostar e gostar muito para você levar à frente. Mantenho a loja mais por prazer”, diz ele. Com ainda mais tempo no mercado – já são mais de 40 anos trabalhando com discos, sendo 20 como proprietário da Music Center, na Sete Portas -, Ivaldo Azevedo segue na mesma linha: “Hoje acho que é mais paixão, vício. Eu continuo porque não sei trabalhar com outra coisa, meu ramo é disco, não tem jeito”, diz o lojista.
Ele sempre trabalhou com discos, desde quando veio de Pernambuco para Salvador em 1973, a convite do dono d’A Modinha. Trabalhou anos por lá, depois passou pela Ataca Discos e ficou dez anos na Aky Discos. “Toda minha vida profissional foi trabalhando com música”, conta o experiente comerciante, que, em 1994, viu surgir a oportunidade de abrir o próprio negócio, quando a Aky Discos, já em franca decadência, estava repassando o ponto da Sete Portas.
A carreira de seu Ivaldo resume um pouco a história do mercado de discos em Salvador e ajuda a entender como ele já foi muito grande, com conglomerados e lojas espalhadas em diversos bairros da cidade e também pelo interior do estado. Grupos como A Modinha e Aky Discos não existem mais e, hoje, ao lado da Pérola Negra e da Music Center, em Salvador, existem apenas a CD Air, no Aeroporto, a Mídialouca, no Rio Vermelho (a unidade do Pelourinho fechou), além de duas outras lojas na Praça da Sé, uma em Cajazeiras e uma pequena no Comércio.
Mercado reduzido – A internet, os smartphones e as novas tecnologias não apenas tomaram conta do mercado, mas as lojas virtuais também passaram a ser concorrentes dos estabelecimentos de concreto. Até quem ainda prefere comprar os produtos físicos muitas vezes opta pelas compras online. A maior parte das lojas que persistem funcionam desde os tempos em que ainda não havia internet, mp3 e muito menos música em streaming. Elas atuam há muitos anos em um mercado cada vez menor. Há quatro anos, o The Wall Street Journal indicava que em 2016 as lojas de música iriam ter um decréscimo de 77.4% e que as lojas de CDs não tinham um futuro promissor. Em 2008, a Associação Antipirataria de Cinema e Música (APCM) divulgou dados, que nos quatro anos anteriores, cerca de 3.500 lojas de CDs e DVDs teriam fechado as portas no Brasil. Muitas em Salvador foram nessa leva.
Segundo a ABPD, Associação Brasileira dos Produtores de Disco, a venda em CDs tem tido quedas anuais de, em média de 15%, em detrimento ao crescimento de pouco mais 30% das vendas digitais. Assim mesmo, a venda de CDs e DVDs abocanhou, em 2014, 40,6% do mercado, o que significou R$ 236,5 milhões comercializados. Público interessado parece ainda existir, mesmo que com um perfil específico e que tende a cair cada vez mais. Ainda mais se pensarmos que grande parte dele, segundo os próprios lojistas, possui mais de 40 anos e se renova muito pouco.
A sensação, no entanto, é que o pior momento já foi superado e que o mercado se estabilizou. “Eu pensei que o mercado de CD ia acabar seis anos atrás, quando a (revista) Carta Capital fez uma reportagem de capa que estampava ‘O fim do CD’. Depois daquele momento ali, em 2010, o pior já passou”, afirma Amorim. Para o proprietário da CD Air, Antônio Lavini, que possui duas lojas no Aeroporto, a situação atual não é a pior que já enfrentou. “Estávamos tendo uma redução gradual, mas de dois anos para cá estabilizou. Este ano caiu de novo, acho que mais por causa da crise, mas ainda vou analisar se foi a área de CDs que desaqueceu”, explica.
Perfis do público – As três lojas parecem ser um retrato do mercado de discos em Salvador. Em geral, elas existem há muitos anos, são empreendimentos familiares, gerenciados por pequenos empresários com mais de 50 anos, e que passaram a se dedicar ao negócio por gostar muito de música e que ainda não fecharam as portas
devido à dedicação de seus donos. Fundada há 14 anos, a Pérola Negra hoje não possui funcionários contratados e é conduzida por Roberto, sua mulher e sua filha.
A Music Center é comandada há 20 anos por Ivaldo, mas tem sua irmã e ex-esposa entre os funcionários. Um pouco diferente são as duas CD Air,que existem desde 1997, com dois pontos e atualmente 11 funcionários. Elas fazem parte de uma espécie de rede da família de Antônio, que, aos 62 anos, possui ainda negócios na área de alimentação e uma loja de artesanato, todas no Aeroporto.
Uma das diferenças entre lojas de discos é o perfil de produtos e de público. As lojas CD Air, por exemplo, possuem um acervo bastante diversificado, costumam atingir um público formado tanto por turistas estrangeiros quanto por viajantes de negócios, paulistas, cariocas e gaúchos que vem trabalhar na Bahia, ou mesmo os baianos que saem para trabalhos fora. Entre os mais vendidos, estão artistas locais, mas também grandes nomes de jazz e música internacional, como o projeto Playing Fo Change, campeões de venda.
O perfil de público da Pérola Negra é ainda de nicho, mais exigente, interessado na música brasileira menos midiática, que é o foco do acervo da loja. Segundo, seu proprietário, Maria Betânia é o primeiro nome entre os artistas mais vendidos ao longo do tempo de existência da loja. “Às vezes outros artistas locais surpreendem também. Estou vendendo muito bem os CDs novos de Roque ferreira e Edil Pacheco, que são os mais novos discos de samba lançados em Salvador. Antes teve o CD e DVD de Nelson Rufino e tem Mariene de Castro que vende muito bem”, explica. Para ampliar seu alcance, Roberto passou a vender também pela internet, aceitando encomendas e pedidos
especiais, feitos por pessoas de fora do estado em busca de artistas baianos. Uma aposta que tem crescido e hoje já representa 30% das vendas da loja.
Já Music Center, até pela sua localização, possui um perfil mais variado e popular. Há os interessados por artistas como Tom Jobim e João Gilberto que aparecem de vez em quando. “Vai demorar para eu vender os discos deles, mas o público vai aparecer e eu tenho que ter para quando ele aparecer”, ressalta Ivaldo. Ele lembra, no entanto, que os mais vendidos são nomes do arrocha, como Pablo e Silvano Salles, as bandas de forró, como Calcinha Preta, além dos religiosos, como Marcelo Rossi. “Estes são os recordistas, os que mais vendem aqui, o que o povão vem mais comprar”, explica.
Os três lojistas concordam, que apesar de todas as agruras, permanecem no mercado e conseguem se manter vendendo discos, mesmo já tendo que ampliar as ofertas de produtos. “Acho que montar uma loja de disco em Salvador não é mais viável, continuo porque estou diversificando”, diz Ivaldo que também vende em sua loja camisas de rock, DVDs, pendrives e até sandálias, mas 70% das vendas ainda é de CDs. “Não sou um cara rico, mas dá pra se manter e pagar as contas em dia”.
Roberto também passou a diversificar, vende camisetas, souvenirs e promove eventos na loja e no espaço em frente a ela, como lançamentos de discos e pocket shows. Segundo ele, ainda tem sentido vender CDs. “Eu meço meu faturamento mês a mês e ainda dá pra pagar as contas, serve como um complemento de minha aposentadoria. Dá um retorno pequeno, mas me dá satisfação e muitas amizades”, afirma ele, que foi bancário por 22 anos antes de abrir o negócio. Nas duas lojas que Antônio mantém no
Aeroporto, ele também vende produtos especiais além dos CDs e DVDs, como fones de ouvido, instrumentos musicais em miniatura e itens de decoração. Nelas, também, os CDs e DVDs ainda são responsáveis por 70 a 80% das vendas.
Todos concordam que o futuro, no entanto, não é tão promissor. “Não sei até quando eu vou levar, até quando vai valer a pena. Não penso em jogar a toalha agora, mas é um comércio muito complicado”, lamenta Roberto. Com pensamento parecido, mas mais esperançoso, Antônio acha que o mercado de disco vai ficar ainda mais reduzido, mas sempre vai haver espaço. “Cada vez está mais prático ouvir e baixar música pela internet, mas ainda por um bom tempo vai haver pessoas querendo comprar essa mídia palpável e vai haver lugar para lojas com produtos específicos”. Enquanto elas existirem, quem gosta de discos, com encartes, fichas técnicas, letras e prefere comprar e trocar ideias sobre música pessoalmente, vai ter um local para frequentar. Até quando?
AMBULANTES E ESTANDES ITINERANTES TAMBÉM SÃO OPÇÕES
Além das lojas ainda, há outras opções para aquisição de discos no formato CD espalhadas pelas cidades. Em Salvador, uma muito interessante é o estande itinerante do Circuito Motiva. Quem frequenta shows, festivais e eventos do circuito mais independente já deve ter visto o simpático Giba Bastos numa pequena banca customizada vendendo CDs e até alguns vinis de artistas baianos e brasileiros. De forma prática e sem muito custo, o projeto segue uma lógica antiga de banquinhas de CDs e merchandising mantido por artistas com seus próprios produtos, mas neles são encontradas uma boa diversidade de produtos. A venda costuma ser consignada e ajuda a fazer circular produtos que muitas vezes não tem outra forma de chegar ao público
Da mesma forma que o Circuito Motiva, há também banquinhas de selos que vendem os discos e produtos lançados por eles. Em Salvador, o intrépido Rogério Big Bross segue vendendo os discos de seu selo e de parceiros nos shows que produz pela cidade. Ele também costuma repetir uma prática comum nos anos 90 de trocar material com outros selos do país, numa relação onde um contribui com a distribuição do outro.
A maior prova, no entanto, que talvez não seja bem o formato que esteja em desuso, mas a lógica de pagar caro por música, são os ambulantes. Mais comuns hoje vendendo DVDs do que CDs, eles ainda são encontrados em diversos pontos das grandes e pequenas cidades. Mais focados em produtos de larga escala, populares e de aceitação imediata, são esses vendedores irregulares que fazem alguns artistas circular e se tornar famosos em lugares onde não existem outra opção de acesso a produtos de música.
Veja onde ficam algumas das lojas de CDs em Salvador:
– Pérola Negra
www.perolanegracd.com.br/
Rua General Labatut, 137, Barris
Fone:(71) 3336-6997
Horário: segunda às sexta, 9h às 19h, sábado, 9h às 14h
– Music Center
Largo da Sete Portas, 8, Barbalho
Fone: (71) 3322-4584
Horário: segunda às sexta, 8h às 18h, sábado, 8h às 16h
– CD Air
Aeroporto Internacional de Salvador- 2. piso Loja 2028 – Praça Gago Coutinho, s/n – São Cristóvão
Fone: (71) 3204-1199
Horário: diariamente, 6h às 22h
– Mídialouca
Rua Fointe do Boi, 81, Rio Vermelho
Fone: (71) 3334-2077
– Planet Music
Praça da Sé, 3, Centro
Fone: (71) 3322-2299
Horário: segunda às sexta, 9h às 18h, sábado, 9h às 15h
– Aurisom
Praça da Sé, 18, Centro
(71) 3322-6893
Horário: segunda às sexta, 8h às 18h, sábado, 8h às 16h