Em seu novo disco, ‘Casa de Marimbondo’, a banda Clube de Patifes fortalece seu blues sem fronteiras.
Pode até surpreender a algum desavisado uma banda de blues vinda direto do sertão baiano. Não deveria. Originária da ensolarada Feira de Santana, a Clube de Patifes já tem quase duas décadas de atividade e uma sonoridade que, se não tem inspiração no Mississipi, segue os ensinamentos do sul negro norte-americano com competência. O ambiente aqui, no entanto, é o quente e árido sertão e as influências são mais abertas. Se o Clube de Patifes tem o blues como norteador, faz questão de fugir das fronteiras delimitadas pelo gênero. Em seu novo disco, ‘Casa de Marimbondo’, a banda fortalece esse caminho.
Com produção de andré t ao lado da própria banda, o quarto disco da carreira reforça o que Pablues Casa Pronta (voz), Joílson Santos (baixo) e Paulo de Tarso (bateria) já vinham propondo desde seu início, há 17 anos: não se conformar em fazer do blues uma retroalimentação de seus clichês. O trio, reforçado pelas guitarras de Rodrigo Borges e Luyd Andrade, do trombone de Kinho Bone e de diversos músicos convidados, se aproveita do gênero para dialogar com o universo à sua volta e expandir os horizontes com personalidade.
A estrutura repetitiva das canções que marca o blues permeia o disco, mas as 11 faixas ganham frescor com uma inflexão em direção ao rock, com um interessante trabalho de guitarras, e, especialmente, com elementos de ritmos típicos do Recôncavo Baiano, o que batizam como “candomblues”. Se essas influências não aparecem escancaradas, é graças a capacidade da banda em criar um diálogo bem costurado, que faz soar natural elementos de samba de roda, chula e candomblé em meio ao blues. Duas culturas de raiz afro-descendente se (re)encontrando naturalmente e soando como se fossem algo único. Como se Louisiana e a Bahia juntas se ajoelhassem sob as mesmas dores e orassem com a mesma fé através da música.
Com seu disco mais bem produzido e azeitado, o Clube dos Patifes alcança suas pretensões reforçado pelas canções do vocalista Pablues Casa Pronta, responsável também pela gaita e guitarra de 12 cordas. É ele quem dá o tom do grupo, com suas composições, que trazem uma dose pop a base de melodia e refrões marcantes, mas também com sua voz rouca e um modo de interpretar que remete a tradição do blues, com um tom sofrido, mas não resignado. Por trás, a banda não se conforma apenas com a sonoridade que ganhou ares de sofisticação e esmero técnico, abre espaço para a riqueza do ritmos como base criativa e a simplicidade das canções como fio condutor.
Abrindo o disco, a faixa “Hey Mama” talvez seja a melhor mostra do que o grupo se propõe. Um blues ritmado, dolorido, que aproxima o universo de sofrimento do negro norte-americano com o nordestino através de um riff marcante, toques de percussão e o canto rouco carregado de sentimento numa das letras mais bem tramadas do disco. Solos econômicos e precisos, a cargo do convidado Luiz Caldas, uma discreta gaita e curtos gritos e gemidos perpassam os quatro minutos da faixa. “Hey mama/ Hoje estou tão triste assim/ Hey mama/ Sabe por que hoje estou tão triste assim?/ Naquela noite da fogueira/ As estrelas se quebraram sobre mim/ Junto com minhas lagrimas/ Afogamos nossas dores/ E o que for de ruim”.Outra das mais acertadas é “Voodoo”. Assim como ‘Hey Mama’, ela traz uma sonoridade não usual no blues e uma base melódica e letra para ecoar no cérebro horas após a audição. E se não segue o formato mais convencional do blues moderno, remete diretamente a New Orleans, tanto na letra, com referência a prática de magia típica da cidade, quanto no tom mais ritmado a partir do bom e criativo uso dos sopros, tocado pelo naipe da banda I.F.Á. Afrobeat, Vinicius Freitas (sax), Normando Mendes (trompete) e Matias Traut (trombone).
“O Sinal” também traz uma dose pop, mas com uma pegada roqueira, com solos e uma letra que até remete a Raul Seixas. Em ’12 de Novembro’ a banda aponta em outra direção, com o blues dialogando com música de salão vaudeville, com assobios, teclados, o clarinete de Ivan Sacerdote, a voz de Danny Nascimento e a percussão de Tata Faraunguê fazendo a base. O blues mais convencional de “O Inquilino”, assim como “Hey Mama” e “02 de novembro”, ganha força e personalidade com a percussão de Tata Faraunguê, guardião e ogan do terreiro de Nação BInzo Nkosi Mukumbi, de Cachoeira-BA.
O disco traz ainda faixas como “Cavalo de Tróia”, “Radiola” e “Nada Acabou”, presentes no EP ‘Radiola’, lançado em 2014. A primeira um blues pop, com coro de andré t e Du Txai, e que até remete a alguns momentos recentes do Cascadura. As duas outras são mais roqueiras e divertidas, com suas guitarras mais rasgadas. Outra que segue com mais peso é “O Homem Mais Triste do Mundo”, um bluesrock existencial que também se destaca pelo trabalho das guitarras. Há outros bons momentos, mais tradicionais, como “A Balada Maldita” e “Baby Blues”, mais leves, com dosagem pop e baladeira, e prontinhas para frequentar rádios.
Com um sotaque musical particular, o “candomblues” proposto pelo deixa o blues do grupo mais vivo, menos óbvio e com uma sonoridade mais contemporânea. O resultado deve agradar aos fãs do gênero, mas pode conquistar ainda mais quem não se contenta com o confinamento que tem deixado o blues como algo datado e repetitivo.
Ouça o disco completo:
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