No ano em que surgia e lançava seu primeiro álbum, 2009, o BaianaSystem já questionava: “O carnaval, quem é que faz?”. Anos depois, em 2017, já tarimbada nos carnavais baianos, a banda lançou o single “Invisível”, em que dizia “Você já passou por mim, E nem olhou pra mim”. Ali lançava um olhar para quem não era visto na festa. Em 2022, com mais um ano sem a realização da festa devido à pandemia, o grupo traz à tona, através de um documentário musical inédito, a invisibilidade dentro da festa e questiona como serão os futuros carnavais.
Com 23 minutos de duração, Manifestação – Carnaval do Invisível é uma espécie de manifesto visual contado a partir do olhar do personagem ‘Invisível’, como uma “testemunha da história com suas marcas e seu olhar mais profundo”. Produzido em parceria com a Amazon Music e com direção de Filipe Cartaxo, Letícia Simões e Russo Passapusso, o filme pode ser dividido em três partes, sempre com foco na invisibilidades da festa.
A primeira focada na tradição do carnaval e da percussão afro-baiana, com destaque para o Ijexá e o Samba Reggae como células fundamentais. Por meio de imagens de antigos e recentes carnavais, de falas da antropóloga Goli Guerreiro e do encontro de dois importantes músicos e educadores ligados à festa, Mestre Jackson e Ubiratan Marques, foca em elementos essenciais para a existência do carnaval de Salvador, muitas vezes esquecidos.
A parte seguinte traz outro personagem essencial, o cineasta e folião Mateus Rocha, que marcou o último carnaval da banda curtindo a festa na rua em uma cadeira de rodas. Para encerrar, o doc traz uma sequência poética com texto de Juraci Tavares, poeta e compositor baiano. Tudo isso entrecortado pelo Invisível, interpretado no filme pelo ator baiano Leno Sacramento, do Bando de Teatro Olodum.
Futuros carnavais?
Mais uma vez sem a realização do Carnaval em 2021, o BaianaSystem vinha sentindo a necessidade de falar da festa, sempre tão presente em sua trajetória. Antes da pandemia, o último momento da banda havia sido no Carnaval de 2020. Depois, já na sexta-feira de Carnaval de 2021, havia lançado Navio Pirata, o primeiro ato dos três que formam o mais recente álbum. “É como se tivesse fechado um ciclo e a gente sentisse uma necessidade de voltar a falar do Carnaval de alguma forma”, diz Roberto Barreto, guitarrista e uma das mentes à frente da banda.
Segundo ele, a questão de como serão os futuros carnavais sempre foi recorrente a cada ano para a banda. “Ao mesmo tempo não se tinha necessariamente uma resposta, a pergunta em si ia fazendo mais sentido”, diz. “Até que veio a pandemia e mudou totalmente o paradigma disso. O Carnaval é muito importante para Salvador, sem a realização dele mudaram os signos e os sentidos”, explica.
“Num retrospecto dos 10, 11 anos do Baiana, com imagens de arquivo, muita coisa que tinha, o que mudou nesse período e na cidade. Tivemos vontade de falar disso e começamos a escrever coisas, possíveis roteiros, ideias de séries, textos, pedaços de letra, imagens. Queríamos falar sobre isso de alguma maneira”, conta Barreto.
O convite da Amazon de produzir um filme no formato de mini documentários musicais de 20 minutos era o que faltava para definir o que fazer. “Queríamos falar dessa questão de como serão os futuros carnavais. Mas aí veio essa necessidade de ter tipo um manifesto. Passa por todas as questões que a gente já falou, principalmente esse panorama histórico do que é o carnaval e da importância da ligação dele com a cidade”, diz.
Manifesto do invisível
“A gente não entende Carnaval apenas como festa. Você reproduzir fora uma festa e chamar de Carnaval não tem sentido. O Carnaval tem uma ligação muito grande com a cidade e todo aquele contexto histórico que a gente tenta retratar ali no doc, com as imagens históricas, a música e o invisível”, conta o músico.
O ‘Invisível’ que foi música, clipe e tema de Carnaval do Baiana em 2017 volta atualizado e com um olhar mais amplo. “O personagem invisível vem como parte desse manifesto, que no caso aponta também para os invisíveis do Carnaval, os catadores de lata, os cordeiros, os vendedores ambulantes, tudo ali junto com outras invisibilidades que passa pelos blocos afro, pelos afoxés, por toda essa coisa que a gente fala que é a essência do carnaval. Tem também esse carnaval pipoca que vinha sendo meio que uma necessidade das pessoas para tentar reviver esse espírito do Carnaval.”, diz Barreto.
“O invisível como esse personagem que traz também essa coisa lúdica necessária do Carnaval mas com esses questionamentos. Foram esses sentimentos que nos moveram para fazer esse documentário”, completa o músico.