O Festival Stereo Sul, em Itacaré, talvez seja o que tenha o melhor astral entre tantos realizados no Brasil. Realizado em um dos paraísos do litoral sul baiano, com palco montado a poucos metros da praia, num local com pista de skate, coqueiros, crianças circulando e um visual deslumbrante, não podia ser diferente.
A bonita plateia formada por nativos, turistas e gente de fora decidiu se estabelecer por ali e se mostrou bastante receptiva para os diferentes ritmos e estilos que passaram pelo festival, neste fim de semana – sábado (15) e domingo (16) -, na Praia de Tiririca.
Além de uma ótima opção para moradores e visitantes, melhor ainda quando o festival começa a se tornar um atrativo a mais para o local e já se vê gente viajando para a cidade exclusivamente para ver os shows. É o caso da bióloga Luciana Facciolla, 30 anos: “Eu podia fazer outros programas no fim de semana, mas juntei a oportunidade de voltar para Itacaré e ver bandas que curto. Gosto muito do Eddie, do Coletivo di Tambor e da Scambo, claro, as outras eu não conhecia, mas me surpreenderam positivamente”, diz.
Primeiro dia
No sábado, foi uma banda baiana da vizinha Ilhéus que roubou a cena. O Quadro faz um rap não usual. Não tem DJ, não se fecha no formato de batidas secas e discursos, mas segue a trilha de ritmo e poesia com bastante competência. Baixo, bateria, percussão, guitarra e programações formam a base, colocando dub, afrobeat, ijexá, samba e ritmos diversos a serviço do rap, especialmente no modo como seus três MCs jorram letras entre críticas e lírica. Ao vivo os três comandam a festa.
E em Itacaré foi como jogar em casa, com o público cantando junto boa parte das músicas e entendendo fácil a jogada das misturas. Ao vivo a banda perde um pouco da caprichada produção presente no disco – e não podia ser diferente -, mas assim mesmo mantém um som fiel a proposta e fez um show marcante. Já pode circular fácil pelo país.
Quem abriu esta primeira noite foi também outra banda baiana, o Coletivo di Tambor. Projeto novo, que tem um conceito bem interessante – foco na já conhecida percussão e ritmos baianos com inserção de elementos eletrônicos – mas que ainda precisa encontrar um caminho mais bem definido. Só conceito sem músicas mais consistentes não segura nenhuma proposta. Um pouco mais de ousadia, especialmente no formato das músicas e nas ideias da parte eletrônica do projeto contribuiriam. O resultado é um show divertido e dançante, mas esquecível quando termina.
Em qualquer cidade maior, Karina Buhr seria a atração principal. Um pequeno paraíso como Itacaré, no entanto, onde reggae e forró predominam durante o ano inteiro, não foi bem assim. É até compreensível que sua música, densa, angustiada e com uma carga rock, não combinasse tanto com o lugar. Quem está ali quer tudo, menos lembrar dos grandes problemas do mundo ou até os da própria vida. Assim mesmo, Karina manteve seu show em alto nível, com seu modo performático único e sua música provocadora. Se não foi a costumeira catarse, serviu para mostrar como o show funciona mesmo que num ambiente desfavorável.
Lurdes da Luz teve a ingrata missão de encerrar a noite. Ingrata pelo que já havia passado pelo palco e pela hora, já entrando na madrugada. Com uma formação básica, típica de rap – com dois DJs soltando as bases -, e ela de MC, conseguiu acertar em alguns momentos. Seus hits do primeiro disco foram de longe os melhores momentos do show. ‘Andei’, ‘Ziriguidum’ e ‘Corrente de Água Doce’ são certeiros. Animada e tentando ganhar o público, dançava, pulava, conversava, entretinha como podia e tentava colocar o público pra cantar. Foi conquistando aos poucos quem permaneceu em frente ao palco, mas insuficiente para tornar em um momento brilhante.
Segundo dia
Com tudo mais acertado, a segunda noite começou mais cedo, com o show da banda Magô e Ogum Hits, fazendo um reggae pop competente, mas ainda sem muito brilho. Curumin veio em seguida com sua bateria a frente, enquanto um guitarrista e um baixista o acompanhavam. Um show acertado para o local, soando com groove caprichado, as vezes flertando com reggae e dub e menos eletrônico. O mais simples funcionou, menos foco nas programações e uma aposta nas melhores canções que ele gravou, tanto do álbum recém-lançado ‘Arrocha’, como ‘Afroxoque’, ‘Passarinho’ e a regravação de ‘Vestido de Prata’, quanto músicas de discos anteriores, como ‘Compacto’, ‘Magrela fever’ e ‘Caixa Preta’, fechando o show. Aprovado pelo público que entrou no clima.
Talvez o show mais fácil de saber que daria certo no Stereo Sul fosse o do Eddie. Além de ser uma banda mais rodada, acostumada a tocar em tudo quanto é possibilidade pelo Brasil, eles fazem uma música que é a cara de Itacaré e de qualquer cidade de beira de praia. Fabio Trummer até avisou durante o show: “Fazemos música brasileira de praia”. Um misto de pop, frevo, reggae, rock, ciranda não poderia dar errado. Ambiente propício, público na mão e um dos melhores momentos do festival, com todo mundo caindo no carnaval a modo frevo, com marcos da festa pernambucana e o hit ‘Vida Boa’ do próprio grupo se encaixando como uma luva com o astral do lugar. Quem não caiu na dança nem merecia estar ali.
Vinda de Salvador, a Scambo fechou o festival com seu pop de protesto, com Pedro Pondé provando ser um daqueles band-leaders únicos. Domínio total de palco e do público e todo mundo cantando junto os hits da banda, como ‘Carne dos Deuses’, ‘Janela’ e ‘O Rato’.
Assim como na capital, a Scambo encontrou um público ávido. Comoção garantida, que o vocalista fazia questão de manter acesa, com seu carisma e uma grande postura de palco. Cercado de uma banda competente desfilou os costumeiros discursos, bradando contra os camarotes do Carnaval de Salvador, o mundo visto apenas pela internet e as desigualdades do mundo.
Pena que a sonoridade não acompanhe a força de expressão das letras e do discurso. Ainda assim, a Scambo sabe fazer um show pop de alto nível, com momentos mais calmos e outros de euforia, com direito a versão mais pesada de ‘Carcará’ (João do vale, famosa na voz de Maria Betânia) e uma invasão de rappers em freestyle soltando rimas contra a exploração turística da cidade.
O rápido constrangimento de parte do público, turistas locais, não gerou maiores problemas. O jogo tava ganho e o festival fechou com chave de ouro, com um grande show.
Saldo positivo
Com um público de cerca de 1.500 pessoas circulando por noite, segundo a produção do evento, o Stereo Sul chegou a sua terceira edição se consolidando Itacaré como destino não só pelas praias e belezas naturais, mas também pela boa música. Se a estrutura ainda não é a melhor, o principal funcionou, som de qualidade, bom palco e todo o astral que o lugar já oferece. Que venha o de 2013.