Salvador é assim, tem semanas que não tem nada, tem outras que tem mil coisas. Ultimamente as opções de rock cresceram e todo fim de semana tem pelo menos dois shows para assistir. Nessa última semana, além de outros shows e do festival Tomada, duas bandas de fora do estado tinham apresentações agendadas para a Zauber e prometiam alguns bons momentos de boa música. A Júpiter Maçã era imperdível pela sua história e longa trajetória, com algumas das canções mais marcantes do rock brasileiro pós anos 80. A outra era a Móveis Coloniais de Acaju, de Brasília, uma novidade desconhecida da grande parte do público, mas que quem já tinha ouvido falar sabia que era quase uma big band famosa por shows inesquecíveis. E foram realmente duas noites memoráveis. Dois shows para entrar para os anais dos mais bacanas que já passaram por aqui. Cada um a seu modo.
Para quem esteve presente no último dia 3, pleno início de noite de um domingo, a Retrofoguetes fez o papel de aperitivo. Mesmo com o showzaço de sempre, niniguém estava ali para ouvir surf music. Não era o desenho Papaléguasl exibido durante o show que desviava a atenção. Parecia que todas as energias e possibilidade de reagir a algo estavam guardadas para o testemunho de uma lenda viva do rock brasileiro que iria se apresanter dentro de alguns instantes. A Jupiter Maçã foi recebedia por um público que conhecia mais de 90% do repertório do show. Flávio Basso, acompanhado de uma banda de jovens músicos, desfilou clássicos que não circulam na mídia, mas há pelo menos uma década integra o imaginário coletivo dos que acompanham o bom rock feito no Brasil. O show começou com uma das novas canções, a sensacional e quase carnavalesca “Marchinha Psicótica de Doutor Stu”, uma daquelas feitas para flutuar que só gente como Flávio Basso consegue fazer. Foi a introdução para uma viagem sonora regada a boa música, psicodelia e guitarras. Na sequência foram desferidos uma série de clássicos, boa parte retirada de um dos maiores marcos do indie rock nacional, o antológico disco de estréia, “Sétima Efervescência”. Algumas próximas a versão do disco, outra rearranjadas em versões, digamos assim, atualizadas. “Miss lexotan 6 mg garota”, “As Tortas e As Cucas”, “Um lugar do caralho” (cantada aos brados pelo público”), “Querida superhist x Mr Frog” e “Essência interior” terminando o show, com Jupiter mostrando estar em forma. No total foram 15 músicas e a sensação que tinha sido pouco. No repertório faltaram poucas das clássicas, e além das canções do primeiro disco, ainda rolaram músicas de outras fases da Jupiter e uma sequência com Cascavalettes e TNT, primeiras bandas de Flávio, que contou com a participação rápida de Morotó Slim. No final, a sensação era de alma lavada, os anos de espera haviam sido compensados. Apesar de não ser mais um garoto, de não rezar mais na cartilha do roqueiro doido (Jupiter estava completando mais de 40 dias sem beber), a capacidade de fazer rock de alto nível permanece.
Três dias depois, vários motivos levavam a Zauber. Era a estréia em solo baiano do Zackarias Nepomuceno, um grupo criado da mente de um paraibano que fincou bandeira na Bahia e trouxe seu projeto para Salvador. Inseriu músicos locais e fez um bom show, mostrando suas misturas de rock, música latina e estranhices. Apesar do vocal baixo, deu para conferir a qualidade do trabalho, que promete chamar atenção na cidade. Outro atrativo era Ronei Jorge e Os Ladrões de Bicicleta. Afastados dos palcos de Salvador há alguns meses, mostraram a mesma competência de sempre, estreando duas novas lindas músicas e um fazendo um show irretocável. Mas como o próprio Ronei já havia dito anteriormente, era impossível alguém fazer um show depois da Móveis. Mais, era difícil alguém chamar mais atenção do que a banda de Brasília.
Era mesmo. Nem a parcela do publico que conhecia a banda e cantava junto TODAS as músicas da banda poderia esperar um show tão incrível. Sabe quando o boxeador dos cinemas Rocky começa a lutar e ganha a platéia, inclusive os torcedores adversários? Era mais ou menos isso, ninguém ficou incólume. Os dez componentes da banda sabem fazer show como poucas vezes pôde ser visto nessa cidade. Brincam, pulam, dançam, fazem coreografia no palco e conquistam qualquer mortal. A mescla de duas guitarras, bateria, baixo, teclado, cavaquinho, gaita, efeitos e um sensacional naipe de sopros, injeta adrenalina a base de ska, sons de big bands e outras influências. Simplesmente contagia e até quem gosta de ver show de braços cruzados se rende. Diversão pura, melhor, com muita qualidade e referências inacreditáveis. Além das ótimas músicas próprias que funciona muito melhor no palco do que em disco, tranfromas algumas músicas em pequenas obras-primas. Primeiro fazem uma cover ska de “Take me Out”, do Franz Ferdinand, com os sopros fazendo as veses das guitarras e ganha de vez os mais reticentes. Depois fazem de “Glory Box”, do Portishead, algo bem distante do mundo sombrio de Bristol. É impressionante. Sobem nas caixas, vão para o meio do público e de repente fazem todo mundo cantar como se fosse a coisa mais natural do mundo: “se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrinhar”. Lindo. Fascinante. Sim, um monte de adjetivos. Cabem, não dá para ficar na objetividade com um show que para muitos passou a fazer parte da lista dos melhores da vida. Sem dúvida foi um dos melhores do ano por aqui. Ainda deu tempo de fazer uma roda no meio do público, com os três responsáveis pelo sopro tocando na roda, e atender aos pedidos clamorosos por um biz. Não negaram, além de músicas próprias rendeu outro cover memorável, “Eu me Amo”, do Ultraje a Rigor. Não é por menos que a banda ja vendeu, segundo eles, quatro mil discos frequentando exlcusivamente o circuito independente. Um daqueles shows antologicos que vão permanecer na mente de quem viu por um bom tempo.