Em seu primeiro disco a Tabuleiro Musiquim lança o disco mais bem arrumado da nova geração baiana.
Há uma geração que absorveu a música baiana de forma mais aberta, sem precisar se defender e se colocar contra a monocultura que a Axé Music impôs durante um período. Essa turma conseguiu assimilar aspectos dessa música de forma menos preconceituosa, fazendo as conexões dela com o que acontecia nos anos 70 na Bahia, como os sons do Novos Baianos, A Cor do Som e Armandinho Dodô & Osmar, com a MPB de Caetano e Gil ao mesmo tempo com o cenário independente que despontava nos anos 2000. Se importantes nomes da geração anterior, Retrofoguetes, Ronei Jorge & Os Ladrões de Bicicleta e Cascadura, já haviam aberto essa porta, nomes da atual geração como Suinga, Pirigulino Babilake e Tabuleiro Musiquim vão além, confirmando essas relações e fazendo cada um a seu modo uma música baiana moderna, que flerta com Carnaval, namora com MPB e tem caso com o rock.
Em seu primeiro disco a Tabuleiro Musiquim comete o disco mais bem arrumado dessa turma mais nova. ‘Imbigo’ começa com uma falsa pista, com 15 segundos de riff de guitarra rocker sobre uma percussão. A partir dali o grupo, formado no disco por Silvio de Carvalho (voz e guitarra), Coelho (baixo), Diego Cerqueira (percussão), Thiago Gomes (bateria) e Bruno Balbi (guitarra), consolida em 12 músicas uma sonoridade calcada no encontro de samba reggae, ijexá, rock, frevo, samba, pop e baião. O grupo consegue amarrar as influências e referências criando uma música com personalidade, que ainda revela altos e baixos, mas que mostra um caminho bem sedimentado. Um dos principais méritos são as composições de Silvio, que é autor de 11 das doze faixas, com exceção de O Arbusto e a Maré de Pedro Coelho.
Em ‘Imbigo’, a Tabuleiro Musiquim consegue formatar melhor o que já propunha no EP homônimo de 2012, com Silvio mais seguro nas composições, a banda mais azeitada e uma produção (da própria banda ao lado de Tadeu Mascarenhas) que dá vazão a proposta do grupo. No disco há bons momentos, como Porto da Barra, com participação de Luiz Caldas; Nada, um rock com um groove tipicamente baiano; ou A Chuva, um pop com toques latinos e de ijexá, que parece uma atualização dos sons pré-indústria do Axé. Esse tom é aliás o que aparece em boa parte do disco. Músicas dançantes, porém muito mais como consequência da relação com ritmos e com o Carnaval do que como um objetivo de animar trios elétricos, guardando um zelo com as letras, os arranjos e o com as composições.
O Bloco é a mais animada do disco, tanto no ritmo, que remete aos carnavais das antigas, que poderia ter uma levada ainda mais incisiva, quanto no tema. “Tudo certo aqui no trópico/ Praia, céu e mar/ Clima exótico/ E quem sou eu aqui para reclamar/ Ninguém vai parar esse bloco/ Sangra mas sem perder o foco/ Leva o carro/ Que eu não posso chorar/”. Seria interessante se o Carnaval baiano fosse embalado por letras com mais consistência como essa. Da mesma forma é com Seis Dias, uma das melhores do disco. Com participação de Juracy Bemol no trompete, também fala liricamente do Carnaval, remetendo a outras obras que já trataram da festa de forma tão bonita. “Não faça fazer assim/ Amanhã é carnaval/ E eu sou do mundo amor/ Vai ser melhor pra mim/ Me espere no final/ Tudo é festa e sem rancor/ O samba cura a minha dor/ E amores de intenso ardor”.
E se Salvador sempre foi cantada apenas com apelo publicitário pela Axé Music, voltou a ser cantada sem vergonha por esta nova geração, com sentimentos que vão da saudade ao amor, como a Vivendo do Ócio fez em Nostalgia ou a Maglore em Avenida Sete. É justamente Teago Oliveira, da Maglore, que canta ao lado de Silvio a desilusão com a capital baiana em Desencanto. “Não desejo mais/ Vou morar noutra cidade/ Não me ama/ Não me agarre/ Não me lamba nem me prenda aqui/ Pra mim já deu, até sei lá…/ E não vou amolecer/ Quando o carnaval chegar/ Não vem querer me dizer/ Que amanhã vai melhorar”. Uma Salvador ingrata, mas ainda fonte de inspiração.
Há outros momentos que remetem a carnavais antigos com dose de pop e rock como em Ativismo, um samba-reggae entrecortada por guitarras; na pop afro regional O Arbusto e a Maré, que remete aos carnavais modernos propostos por Vince de Mira em seus projetos; ou na instrumental No Tacho. Com participação de Fábio Cascadura, A Sereia é outra certeira, rock com sotaque baiano e leveza: “Solta, seu canto doce para me levar/ Brilha, seu brilho louco para me enganar/ Canta, me leva a qualquer canto para eu te amar”. Há também, no entanto, momentos mais serenos, como a bela Poligamia, e a singela Fossa Nova, outro dos melhores momentos do disco, com a sanfona de Tadeu Mascarenhas dialogando com os solos de guitarra de Bruno Balbi.
Sem apelar para fórmulas fáceis e apostando numa apuro estético, artistas de uma nova geração mostram que a música baiana pode ter mais sensibilidade, competência e cuidado na criação, mesmo trafegando no universo carnavalesco. A Tabuleiro Musiquim desponta como um dos nomes dispostos a não esquecer algumas características dessa nossa música, mas fugindo do modo fácil do sucesso e apostando em ser atual com as melhores referências do passado. O grupo pode se aprofundar ainda mais nos arranjos e na força das interpretações, mas se junta a alguns outros nomes atuais na formação de uma nova música baiana.