Pastel de Miolos lança novo disco, ‘Novas Ideias, Velhos Ideais’, o quarto da carreira mantendo a sonoridade punk sem soar caricato ou patético.
Em pleno século XXI, manter um discurso político social crítico no mundo da música sem cair nos maneirismos e nas obviedades das bandas zumbis dos anos 80, não é fácil. A veterana banda baiana Pastel de Miolos, da cidade de Lauro de Freitas, vizinha a Salvador, conseguiu em seu novo disco, ‘Novas Ideias, Velhos Ideais’, o quarto da carreira, imprimir a dose certa entre discurso e sonoridade punk sem soar caricato ou patético. Não trazem nada de inovador, não inventam nada, mas fazem muito bem o que se propõe, punk rock com peso certo e letras que acertam em cheio o alvo. São 16 músicas, em sua maioria aceleradas, pesadas, rápidas e curtas (quase nenhuma acima de dois minutos), com guitarras sujas, vocais berrados e críticas ao machismo, a destruição da natureza, o consumismo, ao conformismo, a civilização autodestrutiva e até aos roqueiros que envelhecem e se tornam “homens sérios”.
Com 19 anos de estrada, a banda, que hoje tem na formação Alisson PDM, na guitarra, Wilson PDM, na bateria e André PDM, no baixo, e todos eles dividindo os vocais, não se acomodou e conseguiu evitar se transformar no esterótipo de si mesmo. Convocou Jera Cravo para produzir o disco e manteve a sonoridade arejada e atual. É punk como antigamente, mas jovem e com o frescor que o som pede. A maturidade aqui conta a favor e a banda comete um de seus melhores discos.
Em geral, o tom é amargo, meio niilista, desesperançoso, mas não resignado, é inconformado e pró-ativo. Se em Sofrer o trio diz “Eu queria sorrir, Não queria saber, Pois entender é sofrer, E eu não queria sofrer” ou, em A Ilha, “A única certeza: Todos perdidos! Estamos todos perdidos!”, em Desobediência Civil há quase uma convocação para reagir, “Milhões de pequenas ações todos os dias, desobediência civil!, Vamos invadir as ruas! Lutar pelos nossos direitos”. Assim como em Quarterto II, onde a banda prega: “Não desista com os fatos, Assuma o controle da direção, Siga, abra caminho, Enxergue além da visão”.
O disco, que tem participações especiais de Frango Kaos, da banda Galinha Preta, e Vital, da Jason, foi lançado em conjunto por seis selos/gravadoras: Brechó Discos, Bigbross Records, Hearts Bleed Blue, São Rock Discos, Purgatorius Records e Panela Discos.
Entre os melhores momentos do álbum estão músicas como as três da sequência inicial, com as porradas punk NIVI, com o título do disco sendo berrado várias vezes, a já citada Desobediência Civil, e P.R.H.C., com um solo de baixo na introdução. Em um minuto, o hardocore Quando a vítima se transformar no algoz! resume várias discussões sobre direitos humanos e justiça com as própias mãos: “O agredido será o agressor, A vingança se tornará regra, E o que for livre se encarcera, Quando a vítima se transformar no algoz, Gritos de ódio explodindo as faces, Mais um ditador nasce”
Outra é Vou Tentar, a mais longa do disco, com 3min49, uma das mais melodiosas e talvez a melhor do álbum. Feita em parceria com Tony Lopes, é quase uma canção para tocar em rádio, com formato mais pop (isso é um elogio), ritmo mais lento, vocal cantado, refrão gritado em coro, riffs, inclusive de baixo, simples e certeiros, e uma crítica a miséria e dureza das ruas e a tentativa de encarar essa realidade.
A hilária Homem Sério detona aquele típico cara que posa de rebelde, mas quando envelhece se torna um coxinha, para usar um termo da moda. “Durante tanto tempo tão brutal, Durante tanto tempo tão radical, Ai vira um homem sério. (…) Não balança mais a cabeça, Só balança a bundinha, Não dança chutando o vento, Só balança a bundinha”. Punk rock hardocre para quem gosta de encarar rodas de pogo.
A ótima É essa porcaria que me faz feliz!, que tem uma música escondida depois, fecha o disco numa homenagem ao punk e ao hardcore, com uma sequência de citações a bandas referências, como Ramones, AC/DC, Motorhead, Dead Kennedys, Ratos de Porão, Inocentes, Cólera, Replicantes, Pixies, Dinosaur Jr., entre outras e os versos “Eu vivo desse jeito, Eu gosto desse grito, A guitarra muito alta, “Fudeno” meu ouvido (…) “É essa porcaria que me faz feliz!”. Afinal, é crítico, é político, é até ácido, mas estamos falando de punk, que também pode ser divertido e bem humorado, sem precisar ser tolo.