Revelação pernambucana, Parafusa mostra cuidado com arranjos, harmonias e letras em disco de estreia.
Basta, hoje, uma banda brasileira surgir cantando, em português, temas mais sensíveis, ter um extremo cuidado com arranjos, harmonias e letras, escapar do padrão rock adolescente e injetar algo mais, especialmente influências de música brasileira, que logo é acusada de copiar o Los Hermanos. Mas não é bem assim, sempre isso acontece quando uma banda nada contra a corrente, faz muito sucesso e transforma as influências comuns de uma geração em uma música própria. Quem aparece depois paga o preço.
A banda pernambucana Parafusa pode se passar, para os menos atentos, como fruto do trabalho dos barbudos cariocas, mas não é exatamente isso. Com um trabalho sincero, bem feito, criativo e com personalidade, os recifenses estão lançando seu primeiro disco, “Meio-dia na Rua da Harmonia”. Talvez brincando com o ditado, eles realmente colocam a harmonia no lugar da amargura. E não é só a harmonia musical, mas também alcançam uma harmonia das diversas influências que aparecem no disco. Uma combinação bem sucedida de elementos diferentes, que relacionados produzem uma sonoridade particular, mesmo que não tão eficiente em todos os momentos do trabalho.
Mas, se colocam de lado a amargura, sustentam um clima melancólico, falando da perda de amores ou da vida urbana, através histórias banais de personagens comuns. Histórias que podem ser de qualquer morador das ruas do Recife ou de qualquer cidade. Como em “Parece um Filme”, que conta a dura vida de um tal de Zé, ou em “No Asfalto” que fala de uma tal de Maria, figura comum que é atropelada e morre no asfalto numa terça-feira de sol.
Trazendo influências comuns de bandas contemporâneas, a Parafusa vai além e inclui elementos pouco usuais. A base do som da banda é rock, indo de Beatles a progressivo, com alta dose pop, clima circense e muita influência da boa música brasileira, um pouco de samba ali, música nordestina acolá. No molho aparece também um pouco de frevo, ritmo tipicamente pernambucano, que nem o Mangue Beat soube valorizar. A banda aproveita e bem. Acabam meio que modernizando marchinhas de frevo, como em “Longa Canção sobre um Grande Amor”.
E o Carnaval aparece também nas letras, mantendo o clima melancólico do fim da festa (outra semelhança com o Los Hermanos). Como em “Última Troça” que diz “Foi, carnaval se foi/ Me levou você/ Carregou consigo/ Foi, mas o que ele fez?/ Me deixou aqui só com os meus sentidos/ E se foi, e se foi”. Ou em “Marchinha”, que fala “É carnaval, todos fazem barulho/ Eu gostaria de poder cantar/ E lhe encontrar, lhe abraçar/ É você na fantasia?/ Esta cidade parece um poema/ Em qual esquina você pode estar?/ Atrás da orquestra?/ Nesse cordão?/ Sentada em alguma janela?/ Pulando no meio da multidão?/ Toda alegria no ar/ Espero e hei de encontrar você/ No carnaval”.
Além do básico, guitarra, baixo e bateria, o grupo utiliza outros instrumentos menos usuais numa banda de rock para construir sua musicalidade particular. Estão lá teclados, mas também escaletas, percussão e piano, dando um clima próprio. “Meio-dia na Rua da Harmonia” ajuda a comprovar o bom momento criativo da música brasileira, apesar de distante das rádios e da grande mídia. Uma pena.