Um nome pouco conhecido do público baiano, mas que já vem arrancando elogios em publicações internacionais. O projeto TrapFunk & Alívio lançou um novo trabalho que mostra como a produção musical baiana segue rica, diversa e com novidades surgindo a todo momento. Dessa vez, convidamos Pérola Mathias para analisar esse novo EP do coletivo do Nordeste de Amaralina.
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Por Pérola Mathias*
O TrapFunk & Alívio começou o ano soltando mais um EP, ‘Papo Reto’, com 5 faixas, em que a linha de funk acelerada de flow mais pesado se sobressai. Parece que o coletivo de DJs do nordeste de Amaralina tem feito jus ao nome que os batiza nos lançamentos, misturando não apenas o funk com o trap, mas explorando as vertentes de cada ritmo e combinando com elas as sonoridades locais do pagodão e do que acabou convencionando-se chamar de Bahia Bass.
‘Papo Reto’, no entanto, deixa um pouco de lado o suingue do pagode e do flow mais palatável de ‘Bota Kara’, que conta com a participação de Raoni Knalha, para dar lugar ao speed do 150 bpm, reafirmando nas letras os traços da violência cotidiana. “É Pesadão” usa o termo para se referir aos graves da batida e à dureza da realidade: “mas na favela a batida é dura”, a frase se repete em looping na segunda metade da música acompanhando a batida.
A temática da realidade na favela, das drogas, do crime, da discriminação e do racismo vem forte no EP, como é de praxe desde o primeiro lançamento da banda. A faixa que abre, “Vem de Lacoste”, retoma a questão da ostentação, muito presente no funk de maneira geral, mas sobretudo no funk paulista. Esse tipo de busca pela construção de uma imagem através da legitimidade do visual, da identificação com a realidade da sociedade de consumo, em que é pelo dinheiro ou pela posse que nos tornamos iguais, aparece confrontada, por exemplo, com a última faixa, “Salaam Aleikum”. Nessa última, a imagem da guerra é cravada na associação da violência na quebrada com os conflitos do oriente médio: “a guerra não acaba e o sangue não se apaga”. Chacina, tiroteio e fuzilamento da população pobre e negra é o cotidiano comum de norte a sul do país e bota o TrapFunk & Alívio muito além da produção de uma cena local.
‘Papo Reto’ retrabalha faixas que foram produzidas em parceria com Reddaughter, mas é o lançamento que traz menos participações de outros artistas, estrangeiros ou nacionais, priorizando o funk à mistura alcançada nos lançamentos anteriores. Talvez o trabalho não tenha o mesmo suingue empregado em ‘Bota a Kara’, que tinha produção do nova iorquino Kashaka, ou de BAFRO, que contou com o sudanês mOma. Fica a cargo do ouvinte gostar mais de um ou de outro, o fato é que o TrapFunk & Alívio está mais comprometido com a experimentação dos ritmos e com uma composição lírica sem amenidades.
* Pérola Mathias é socióloga, crítica e fotógrafa musical. Editora da revista Polivox e do site Poro Aberto, entre seus temas de reflexão estão o tropicalismo; a relação entre obra e crítica na trajetória de Arto Lindsay; música de ruído e artes visuais; e canção brasileira contemporânea.