Disco Hiran Galinheiro

Discos: O “Galinheiro” de Hiran

Revelado como rapper, Hiran não abandona as origens, mas em seu novo disco, ‘Galinheiro’, toma outros caminhos e experimenta sonoridades. Para entender melhor a nova fase desse artista de Alagoinhas, Lara Maiato, nova colaboradora do el Cabong, mergulhou na trajetória de Hiran e fez uma análise do álbum.

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Por Lara Maiato*

A essa altura, você provavelmente já ouviu falar em Hiran. O rapper que acaba de lançar o segundo álbum da carreira, ‘Galinheiro’, já conquistou o coração de artistas consagrados e vem estabelecendo parcerias com artistas de peso. Mas mais do que mostrar que “Tem Mana no Rap”, Hiran vem no novo disco mostrando que tem mana em todos os lugares.

‘Tem Mana no Rap’, o primeiro álbum do cantor, que figurou entre os melhores discos baianos de 2018 pelo El Cabong, traz um prenúncio do que esperar de ‘Galinheiro’.

Assim como na faixa de abertura do primeiro disco, Hiran abre seu segundo álbum revelando o preconceito que vive. ‘Tem Mana no Rap’ começa com a música homônima evidenciando o que o rapper sofreu por outros cantores da cena por ser gay: [“Ó, o viadinho chegou. O rap não é pra tua laia, vai dar o cu para lá”].’Galinheiro’ não é diferente. Na música homônima que abre o novo disco, Hiran evidencia os comentários depreciativos que ouviu desde que começou a despontar sua carreira: [“Ele nem rima bem. Ele vive de close. Puxa-saco de famoso”].

Hiran Galinheiro
Capa do novo disco de Hiran, ‘Galinheiro’.

A semelhança entre os dois discos não para por aí. Mas engana-se quem pensa que Hiran resolveu reproduzir a fórmula do primeiro álbum. Muito pelo contrário, ‘Galinheiro’ lança novas facetas e personalidades do cantor baiano.

O primeiro álbum de Hiran é uma apresentação de quem é e o que canta esse jovem homem negro gay do interior da Bahia. ‘Tem Mana no Reggae’ mostra a trajetória do rapper: começa com raps crus de rimas fortes e marcadas por protesto e letras viscerais e vai decorrendo por outros estilos mesclados ao rap. Em relação às letras, o primeiro disco mostra Hiran timidamente falando sobre outras temáticas, como amor, sem perder o caráter de crítica e problematização, que acompanham todas as faixas.

Porém, ‘Tem Mana no Rap’ acaba com uma música que em vez de trazer as respostas – que vamos encontrando ao longo de todo o trabalho sobre quem é Hiran -, traz ainda mais dúvidas. “Lovesong” é uma balada romântica que abandona totalmente a estética rap. E como num final de temporada, você fica curioso em saber o que vai acontecer na sequência.

Novos caminhos

Antes mesmo do lançamento desse segundo álbum, já tínhamos um teaser do que esperar. Em alguns clipes e singles divulgados nos últimos 2 anos, pudemos ver Hiran passeando ainda mais por gêneros fora do rap, inclusive pelas próprias parcerias que veio estabelecendo, como em “Lágrima”, com Glória Groove, Baco Exu do Blues e ÀTTOOXXÁ. Em fevereiro, Hiran também lançou “Kika (Com Cara de Mau)”, uma parceria com a funkeira baiana Nininha Problemática – que entrou nesse novo disco do artista.

Foi essa a jornada de Hiran que desencadeia agora com ‘Galinheiro’. Como no spoiler acima, a primeira música homônima do novo trabalho traz o “rap raiz” tal como começou ‘Tem Mana no Rap’. Mas diferente do primeiro álbum, neste segundo Hiran descontroi ainda mais seu estilo.

Embora o rap esteja presente o tempo todo no disco, ele vem como co-protagonista, como em “Shalalala / Transborda”, que traz a participação de Illy e a citação do poema no final por Majur; “Gosto de Quero Mais”, com Tom Veloso; e “Chora”. Essas músicas evidenciam um rap em diálogo com pop, MPB, funk, samba. Essa versatilidade e esse desejo de explorar, conhecer e provar o mundo é o que marca ‘Galinheiro’ – seja na musicalidade, através da batida e sonoridade, como em suas letras, mostrando um novo lado do compositor.

Se ‘Tem Mana no Rap’ evidencia um rap de protesto, de trazer à tona preconceitos e injustiças sociais, nesta nova obra Hiran revela um forte anseio de falar de amor, auto-amor, superação e tantos outros temas que fazem parte de sua vida e cotidiano. Ele traz a vontade de viver e dar vazão a sentimentos e experiências distintos. Em resposta nas redes sociais ao comentário de Caetano Veloso ao clipe de “Gosto de Quero Mais”, Hiran afirmou que “hoje, e como nesse clipe, nessa música, eu sinto que amar e espalhar amor ainda há de fazer colher bons frutos”, e é esse lado de Hiran de fato que ‘Galinheiro’ me mostra e revela.

Consolidação

Hiran não precisa mais se apresentar. Não precisa se auto-afirmar para ninguém. As críticas que ele recebe, ele transforma em música. Ele segue fazendo crítica. Hiran existir já é um ato de militância, ele cantar é resistência. Hiran também quer sonhar, quer não se preocupar, quer viver em paz, quer amar, e é isso que ele canta nesse novo álbum, como ele diz em “Holograma” [“Eu chego em casa, com o pé de areia, me deito para sonhar (…) Na segunda-feira, penso na leveza de não ter no que pensar”]. Ao mesmo tempo que me parece um desejo sincero, me parece utópico e não-real, como tocar um holograma.

Depois de um breve retorno ao rap tradicional com “Kzoid / Vai Passar”, que conta com participação de Ed Oladelê, Hiran encerra seu álbum mais recente com a música “Desmancho”, com a banda Astralplane. Assim como “Lovesong”, em ‘Tem Mana no Rap’, ‘Galinheiro’ encerra com uma baladinha pop falando de amor.

Fechando a segunda temporada como fechou a primeira. A diferença, talvez, é que já não precisamos ficar na curiosidade se o próximo disco versará entre gêneros distintos ou será puro rap. Porque a essa altura já sabemos que podemos esperar tudo de Hiran: ele é rapper, mas é do funk, do pop, do samba. Hiran, aparentemente, não quer se fechar em rótulos e caixas – o que vem sendo um movimento cada vez mais forte desses novos artistas – e ele não precisa nem deve se restringir porque independente do que ele faça, é verdadeiro e é singular.

E não importa sobre o que ele fale e escreva ou que gênero ele cante, Hiran está aqui para nos provar que tem mana no rap e onde mais ela quiser, porque as gay, as lésbicas, as negras, as nordestinas, as trans, as bis, as faveladas estarão por todos os lados ocupando todos os lugares.

Ouça ‘Galinheiro’:

* Lara Maiato é jornalista e produtora de conteúdo. Já produziu o Especial das Seis da Rádio Educadora e o festival Proms & Proms Extra da BBC.

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