Um dos discos baianos mais aguardados do ano, “Trovão” de Larissa Luz é o destaque dessa semana no el Cabong. O terceiro álbum da cantora ganha uma análise de Marcelo Argôlo, mais um colaborador que recebemos por aqui.
Veja também:
– Discos: Jotaerre e seu pagode instrumental em disco ao vivo.
– Discos: O rap experimental de Jaya.
– Discos: ‘Matriz’ – Pitty.
– Bahia mostra a cara de sua música em dezenas de novos videoclipes.
Por Marcelo Argôlo*
“Eu sou de Iansã com Ogum”, avisa logo de início Larissa Luz. Se você não sabe o que isso significa, com certeza não vai aprender no terceiro álbum da cantora e compositora baiana, intitulado ‘Trovão’. O verso destacado é de “Aceita”, canção que abre o disco e já deixa a pista para o que a artista busca com o novo trabalho: discutir racismo religioso.
“Eu estou mais preocupada em provocar uma discussão sobre racismo religioso, do que apresentar nuances ou características do candomblé. Eu não quero, por exemplo, apresentar cantos para Iemanjá, mas sim pensar por que reverenciamos uma imagem de Iemanjá como uma mulher branca do cabelo liso”, afirma Larissa em entrevista concedida por telefone.
O disco saiu no dia 17 de maio deste ano, mas o público de Salvador teve seu primeiro contato com as faixas no dia 09 em show de pré-lançamento no Largo Tereza Batista, no Pelourinho. Ao todo, são 13 faixas compostas por Larissa Luz e Rafa Dias, que também é o produtor musical do disco. Bia Ferreira, Doralyce, Flávia Coelho e Ellen Oléria também foram chamadas pela artista para compor o grupo de compositoras. Gabi Guedes, Luedji Luna, Letieres Leite e Lazzo Matumbi também participam do disco.
Ativismo e afrofuturismo
‘Trovão’ mantém uma sequência lógica em relação a ‘Território Conquistado’, disco anterior de Larissa. Em ambos, há a presença da música eletrônica articulada a ritmos da música baiana. Porém, se antes ela buscava refletir sobre questões do feminismo negro, como representatividade e o lugar da mulher negra na sociedade, o recorte agora está nas questões ligadas à religiosidade.
O “ritual baile”, como a própria artista tem definido o novo trabalho, apresenta um caráter ativista articulado a uma estética que se relaciona com o afrofuturismo, movimento que propõe trazer referências da ancestralidade africana, mas de uma forma não tradicionalista, de uma forma que explore uma roupagem inovadora, inexplorada ou futurista. É justamente o encontro de elementos da mitologia iorubá com a música eletrônica e os efeitos visuais das projeções que dá o tom afrofuturista do trabalho.
Essa junção é a principal característica do disco. Ela conecta as raízes às asas e faz a costura com o discurso político antirracista proposto. Um bom exemplo de como todos os elementos se unem é ‘Gira’, a quarta faixa do álbum, uma parceria de Larissa e Rafa com Bia Ferreira e Doralyce. A música tem um beat eletrônico que faz a base para versos como “me chamam bruxa, feiticeira, macumbeira ou coisa assim”. Além disso, o clipe constrói a cena que resume em imagem o conceito do trabalho: uma Santa Ceia apenas com mulheres negras à mesa que representam orixás.
A união de política e estética, aliás, é uma das marcas da atual cena de música pop de Salvador. Além de Larissa Luz, outros representantes são Afrocidade, ÀTTOOXXÁ, BaianaSystem, JosyAra, Luedji Luna e muito mais. Com “Trovão”, Larissa aprofunda seu comprometimento com esse posicionamento. “Eu acredito na arte como ferramenta política transformadora. Estamos num momento em que é essencial ações que provoquem transformações sociais e provoquem reflexões políticas relevantes”, afirma a cantora.
Quem esteve no Pelourinho no dia 09 de maio, pode assistir um show ainda em fase de amadurecimento, mas com grande potencial. A artista já está em turnê com “Trovão” (Rio de Janeiro e São Paulo já viram), então a tendência é que ele ganhe mais ritmo e se torne mais catártico. Se somarmos a potência do trabalho à grande visibilidade nacional de Larissa depois do musical de Elza, me arrisco a dizer que teremos o álbum e o show na lista dos melhores de 2019.
*Marcelo Argôlo é jornalista e aspirante a crítico musical. Tem passagens pelo jornal A Tarde e rádio Educadora FM. Atualmente, pesquisa a cena musical contemporânea de Salvador no mestrado em Comunicação pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).