Toda segunda-feira no el Cabong tem resenha de novos álbuns baianos. Bote na agenda e acompanhe os novos lançamentos de artistas da Bahia por aqui. O destaque dessa vez é o mais novo disco de Giovani Cidreira, ‘Mix$take’, que ganha texto de mais uma convidada, Paula Carvalho.
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Por Paula Carvalho*
Dois anos depois do disco de estreia ‘Japanese Food’, Giovani Cidreira volta a lançar um material inédito, o EP de sete músicas ‘Mix$take’. De início, chama a atenção a sua imagem pixelada na capa azul, com efeitos neon-glitch. Os títulos das músicas também entram no clima: “Oceano Franco”, a primeira, já localiza a principal referência do disco, o cantor americano de soul e R&B Frank Ocean. “Ngm + Vai Tevertrist”, “Casa Vulva” e “Pode Me Odiar (números 1 e 2)”, só pelos nomes, por sua vez, fazem pairar a dúvida: para que lado do digital lo-fi, com que os títulos e capa se identificam, Giovani irá?
Um certo apelo descolado vinha funcionando muito bem ligado a sua performance no palco. Nos shows de ‘Japanese Food’, Giovani mostrava um domínio do palco – fosse na performance sempre fresca das músicas, no figurino e na interação com os vários companheiros de banda. Agora, de fato ouvindo as músicas do novo trabalho, nota-se que parte daquela sonoridade foi deixada para trás, num movimento ao mesmo tempo ousado esteticamente e mais introspectivo, já que há menos colaborações e trabalho coletivo.
Os metais e o violão são guardados. O som é, majoritariamente, construído por batidas e texturas criadas a partir de sua voz, além de sintetizadores e samples. Mas um elemento ainda faz a conexão entre os Giovanis de ‘Japanese Food’ e o de 2019: a melancolia, a aura soturna das letras, que parecem quase sempre endereçadas, quase sempre reais – embora não se localize os seus destinatários.
Sujeira digital
Com produção de Benke Ferraz, do Boogarins, o EP tem duas letras em parceria com o artista Caio Araújo (“Oceano Franco” e “Mano Sereia”, esta já gravada pela Tabuleiro Musiquim) e participações de Jadsa Castro, Luê Soares e Filipe Castro, que toca percussão em “Mano Sereia”, talvez a mais inspirada da série. É nela em que vemos como esse Frank Ocean de Nova Orleans pode desembarcar na praia de Itapuã para encontrar o homem-sereio. Já na música que abre o EP, criada em cima da base de “Nikes”, Frank Ocean tromba Milton Nascimento e o jazz.
Pensar num R&B feito com beats e samples poderia remeter a uma escola mais tradicional do gênero, que nos anos 80 se fundiu com a estética hip-hop no New Jack Swing. Mas este não é o caso aqui, já que o disco está, na maior parte do tempo, alguns BPMs mais lento. Tampouco é o caso de se pensar num flow – a ‘Mix$take’ está mais interessada em experimentos com pitchs, cortes e texturas, sempre com um filtro de falha, de imperfeição, mas mantendo o canto ainda nos paradigmas da canção.
Os lyric videos do trabalho, no Youtube, também aprofundam essa estética da sujeira digital que faz a aura do disco. Se é a marca de uma transição, o movimento transatlântico que foi buscar Frank Ocean também pode passar por outros portos na viagem e ancorar melhor o uso do eletrônico. Entender o quanto há de moda e o quanto de projeto estético faria muito bem ao R&B/neo-soul brasileiro.
Ouça Mix$take:
* Paula Carvalho é jornalista. Baiana, atualmente reside em São Paulo, onde atua como repórter da revista Bravo e do site SP de Música.