A produção musical na Bahia segue em alta rotatividade com muitos novos nomes surgindo com músicas, EPs e discos cheios. Muitas novidades e lançamentos que tentamos dar conta aqui no el Cabong. Hoje vamos conhecer um pouco do trabalho de estreia de Matheus Dourado.
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Por Juliana Rodrigues*
Lançado no último mês de março, o EP ‘Ê Laiá’, do artista visual, compositor e músico Matheus Dourado, traz uma proposta sonora que alia instrumentos acústicos e eletrônicos em clima ao mesmo tempo introspectivo e pop. Em texto publicado em seu perfil no Facebook, na ocasião do lançamento, Dourado diz que o disco “nasceu da despretensão mais pretensiosa dos seres, a necessidade de viver” e é “só uma expressão viva”. De fato, ‘Ê Laiá’ não soa pretensioso e não vai muito além do que se propõe a ser – o que não é algo ruim, mas não necessariamente é uma coisa boa.
Os arranjos das cinco faixas autorais do EP – produzido, masterizado e mixado por Aldemir Cameron – trazem timbres de teclados retrô hoje considerados cult, como o Fender Rhodes e o Wurlitzer, mesclados com percussões eletrônicas modernosas, cordas sintetizadas, violões e guitarras. Em “E Se”, é possível perceber um acento ligeiramente bossanovístico, em um trabalho de síntese musical semelhante ao feito pelo grupo britânico 10cc em “I’m Not In Love”, de 1975. Na mesma música, por sinal, Dourado consegue trazer o melhor de dois mundos, já que a introdução faz lembrar “Money”, do Pink Floyd. Musicalmente, a faixa mais interessante de ‘É Laiá’ é “Tempo”, construída sobre uma base downbeat, com letra que convida à desaceleração e à reconexão consigo mesmo.
Letras superficiais
Vale observar que as músicas estão organizadas de maneira que evidencia uma “escalada”: quanto mais perto do fim, mais o EP ganha uma atmosfera dançante, sem deixar de trazer ecos da vibe introspectiva. Prova disso é que a última faixa, “Baile de Máscaras”, se joga em uma onda disco funk. A “escalada” também acontece em relação à proeminência dos instrumentos eletrônicos, que vão tendo cada vez mais espaço de uma faixa para outra.
Um ponto negativo a ser registrado se refere às letras, que acabam soando superficiais ao tentar tratar de temas um pouco mais densos. É o caso de “Eu Quero Seres Humanos”, que versa sobre a liquidez das relações, da convivência e da experiência de ser humano em tempos mediados pela tecnologia. Ao ouvir a música, é inevitável pensar que essa ideia já foi melhor abordada em outros trabalhos. Como na íntegra dos discos “Melodrama”, de Lorde, e “Sinto Muito”, de Duda Beat, para ficar no universo indie pop. Talvez seja, também, uma questão de perspectivas diferentes sobre um mesmo assunto. O problema da superficialidade aparece também em “Baile de Máscaras”, que fala sobre papéis sociais, dissimulação e a ideia de que a vida é um grande teatro, onde todos estão representando e precisam se mostrar. Pitty já fez isso de forma mais enérgica e aprofundada há quase 16 anos.
Entre altos e baixos, ‘Ê Laiá’ é válido enquanto EP de estreia de um jovem de 20 anos. As faixas são bem produzidas, o timbre de voz de Dourado é agradável e não se pode negar que há qualidade artística. Apesar disso, é necessário resolver o problema da superficialidade lírica. Como o artista define no texto de apresentação, o disco é fruto da “sinceridade que se encontra em aceitar vir no melhor que deu pra ser, mesmo me cobrando pra muito mais”. Que venha muito mais e que as definições do “melhor que deu pra ser” sejam atualizadas.
Ouça o disco:
* Juliana Rodrigues é jornalista formada pela UFBA e pesquisadora musical. Atualmente, trabalha na Rádio Metrópole FM como repórter e escreve análises sobre música e áudio no blog Ouvindo Coisas. Produziu o radiodocumentário “Além do que se ouve – Sonoridades da MPB nas décadas de 1960, 1970 e 1980” como trabalho de conclusão de curso de Jornalismo, em 2018, e tem passagens pelas rádios BandNews (2017-2018) e Educadora FM (2015-2017).