Desde quando surgiu com a banda Canto dos Malditos na Terra do Nunca, a soteropolitana Andrea Martins chamou atenção pelo seu modo único de cantar e pela capacidade de criar canções bem tramadas, combinando muito bem letras e melodias. Sua carreira solo vem sendo construída seguindo essas premissas, mas com uma sonoridade muito diferente da que fazia com a banda. Além de cantar e compor, ela passou a controlar as diversas etapas da criação, incluindo tocar vários instrumentos e fazer a produção musical. Esse rumo ela já vinha experimentando em seus dois EPs anteriores Soldier Of Love e Art Empenada (ambos de 2013). Seu novo trabalho, o EP Pequenos Grandes Universos, consolida esse caminho, combinando música com o trabalho visual de sua companheira, a artista multimídia Rana Tosto. A obra ganha aqui análise de nossa colaboradora Julli Rodrigues.
Texto por Julli Rodrigues*
Uma colaboração artística fundada em um vínculo afetivo foi a semente para que o EP visual Pequenos Grandes Universos viesse ao mundo. O projeto, lançado no último mês de março, é fruto da parceria entre a cantora, compositora e produtora musical Andrea Martins e a artista multimídia Rana Tosto. Vivendo juntas o período de isolamento social provocado pela pandemia de Covid-19, elas traduziram o ato de olhar”de dentro pra fora” em beats etéreos, sintetizadores e distorções, no melhor estilo lo-fi, acompanhados por ilustrações tão oníricas quanto.
Primeiro, vale focar na parte musical de Pequenos Grandes Universos. O material de divulgação indica que o EP traz influências de R&B e música brasileira, além do lo-fi. De um lado, é algo bem distante das referências roqueiras dos trabalhos anteriores de Andrea, ex-vocalista da banda Canto dos Malditos na Terra do Nunca. Do outro, essa proposta representa – até a página 2 – uma linha de continuidade com o single “Asma”, lançado em outubro de 2021, que flerta com o trip hop e o pop. Em comum, ambos os trabalhos têm a coprodução de Felipe Rodarte, que também é sócio do selo Toca Discos, responsável pelo lançamento das últimas criações da artista.
Entretanto, há uma grande diferença entre os dois lançamentos: enquanto o clima de sufoco domina “Asma”, o EP Pequenos Grandes Universos viaja por ondas bem mais tranquilas. “Asma” é noise, Pequenos… é dreamy, para usar alguns termos frequentes no vocabulário da crítica musical. Mais do que isso, o trabalho de Andrea e Rana é doce e tranquilo, quase good vibes. Música para ouvir vendo aqueles fins de tarde em que o céu se pinta de rosa, azul, amarelo e lilás, o vaporwave da vida real. Um vinho, uma boa companhia e a oportunidade de respirar fundo e curtir. É o momento de viajar na psicodelia de “Arrebol” e cantar alto o refrão contagiante de “Olho do Mar” – esta última tem uma levada que chega a lembrar “Vulcanidades”, primeiro single da cantora e compositora Livia Nery, lançado em 2017. Parar para ouvir o Rhodes de “Vinheta do Amor”, a mais romântica das quatro canções, e apreciar o riff chiclete de “Vida Viagem”.
Além de dividir a produção com Rodarte e a criação e direção artística com Rana, Andrea assina todas as composições e responde ainda pelas vozes, programações eletrônicas, violão e guitarra. Tem a colaboração de Manoel Tosto, no baixo, violão e escaleta, além de Átila Santana, que faz parte das guitarras em “Vinheta do Amor”.
Depois de escutar todas elas com atenção, vale a pena correr para o YouTube para viver a experiência audiovisual (assista abaixo). As ilustrações de Rana Tosto, também influenciadas pela estética das “rádios” de “lo-fi hip hop beats to relax”, têm o mínimo de animação, apenas o suficiente para você se concentrar no som e observar os detalhes. Entre sutilezas e intensidades, as artes de Rana e Andrea se encontram e criam esse pequeno grande universo – que, felizmente, está ao alcance das nossas mãos.
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* Julli Rodrigues é jornalista, pesquisadora musical e repórter de rádio na Rede Bahia. Produz conteúdo sobre música no Instagram @diletantejulli e no blog Ouvindo Coisas.