Se você é ligado na música atual, no mínimo já ouviu falar d’OQuadro. A banda de Ilhéus faz rap de uma forma tão ampla que seria reducionismo tratá-los apenas como uma banda de rap. Os elementos estão lá, ritmo e poesia, batidas e rimas, mas encorpados com uma gama de gêneros de origem negra que colocam o grupo num lugar à parte, do ijexá ao afrobeat.
Para quem se incomoda com show de rap por sentir falta de uma sonoridade mais orgânica, nunca deve ter visto a banda ao vivo. O Quadro tem um dos melhores shows do gênero no país. Com três álbuns lançados, o grupo possui também um punhado de canções que agradam os fãs do gênero, mas, da mesma forma, aqueles que gostam de diversidade e misturas da música brasileira, jamaicana e africana.
Leia entrevista que fizemos com a banda no lançamento do primeiro álbum, em 2013.
Com mais de 20 anos de trajetória, a banda está parada. Não acabou, mas já não conseguem se mover pelos caminhos tortuosos do mercado como em outros tempos. Com seus integrantes espalhados por várias partes do país e na Europa, assistir a um show do’Quadro está cada vez mais na ordem das eventualidades. Seus integrantes, porém, seguem ativos produzindo e mostrando novidades.
Em 2021, Jef Rodrigues, um dos MCs e letristas do grupo e atualmente radicado no Rio de Janeiro, lançou seu primeiro EP solo. Spiritual segue uma pegada mais tradicional de rap do que sua banda, ainda que com a mesma verve criativa que marcam os trabalhos d’O Quadro. A capacidade de criar rimas marcantes e bem elaboradas, com refrãos fortes e bases criativas, está presente.
No EP, Jeff é acompanhado de diversos parceiros e convidados, como RDD, Áurea Semiséria, Nêgamanda, CT, Dumdum Afolabi e Tiganá Santana, participação surpreendente para quem não está ligado nos movimentos de Jef.
Em 2023, outros dois integrantes da banda, Nego Freeza e Ricô, começaram a apresentar ao público seus projetos solo. Morando fora da Bahia, ambos mostram estar em alta produção e prometem novidades.
Nego Freeza, outro dos MCs da banda, acaba de soltar seu primeiro single, “Mutimba”. A música, feita em parceria com o DJ e produtor Fabiano K’boko, recifense radicado na Alemanha, é a ponta de lança de vários lançamentos planejados para sair paulatinamente desse momento solo do artista.
“Essa música é parte de uma série de coisas que tenho pra lançar, um monte de músicas que não se encaixam no conceito do álbum. A ideia é lançar mais três ou quatro singles como faixas pontuais até o álbum”, diz o artista. “Passei um bom tempo pensando esse álbum e no conceito dele. Pretendo lançar algo que seja bastante relevante, musicalmente falando”. Sem prazo para lançar, Freeza diz que não tem pressa. Tem estudado, recebido beats e gravado aos poucos.
Este primeiro single mostra um caminho para a sonoridade que Freeza busca. Segundo ele, “Mutimba” promove um diálogo com a África Contemporânea. “Eu acredito que a música africana nunca viveu um momento como agora, de ter uma cena mainstream dialogando com outras cenas pop, como a cena norte-americana e o hip hop. E isso tem me instigado bastante a buscar dentro dessa musicalidade algo em que eu me sinta confortável. É muito nesse sentido que eu tenho buscado as coisas”, explica.
Morando em Recife desde 2018, o artista já vinha atuando em diversas frentes em paralelo a OQuadro. Como DJ, é residente na festa Estrela Negra, ao lado de Patrick Torquato. Como ator, atuou na série de TV Lama dos Dias, de Hilton Lacerda e Hélder Aragão, que tem a trilha sonora assinada por DJ Dolores. “Essa trilha sonora eu acabei contribuindo”, diz. E não para. “Tenho outros projetos de música, de trilha e cinema, mas que eu não posso divulgar ainda no momento”.
Baixista e compositor d’OQuadro, Ricô está há algum tempo morando em Paris, onde começou a produzir coisas próprias e também para outros artistas. Em 2015, ele já havia lançado um álbum do projeto Ziminino (leia aqui), ao lado de Rafa Dias, do ÀTTOXXÁ. Agora encara uma carreira solo, que estreou com o single/clipe “Dezprastrês”.
Com um tom de rap atmosférico, a faixa traz teclados, um corinho, beats e Ricô cantando suave em modo canção. Como em seus trabalhos anteriores, ele não parece se preocupar com definições. Perguntado sobre a sonoridade da faixa, desconversa e diz ouvir pouca música ou não tanto quanto deveria. “Estranho pra um músico”.
“Tem muita coisa que vem de uma bagagem que ainda filtro do que escutava em casa com meus pais. Sem saudosismo, mas era muita informação. A gente podia ir de Zimbo Trio a Arrested Development em um piscar de olhos”, conta o artista. “Acho que vem daí as coisas. Mas sinto que é algo original.”
O single é o início de um projeto maior, um álbum de inéditas que Ricô pretende lançar em agosto, já batizado como “C’est La Vida”. Antes deve soltar outras músicas, ele planeja levar o trabalho para os palcos. O primeiro show do disco, inclusive, já está marcado: dia 25 de agosto em Lisboa. Mas ele já está pensando em um outro disco para 2024.
E OQuadro? Bem, o futuro é incerto. Para Nego Freeza, nesse momento existe um entendimento de que cada um precisa fazer o seu caminho. “São mais de vinte anos de carreira, um coletivo grande. A vida foi mostrando pra gente outros lugares. Talvez mais tarde isso possa vir a fortalecer OQuadro e tenha um grupo mais forte no sentido musical e artístico”, diz.
Nesse momento, tanto ele quanto Ricô pensam em tocar seus projetos solos, sem prazo, ou perpectiva de um trabalho novo da banda. “É possivel que possamos contribuir um com outro, claro, somos amigos, mas nesse momento preciso colocar meu DNA nesse bagulho, mostrar meu cérebro artistico que talvez as pessoas não conheçam”, afirma Freeza.
Resta ouvir os três ótimos álbuns d’OQuadro, aguardar estes novos trabalhos de seus integrantes e torcer para um dia podermos ver a banda ao vivo novamente.