Chula, pagodão e sons afro dão o tom do Paisagem Sonora

Durante três dias (17 a 19 de novembro), a cidade de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, foi sede do festival Paisagem Sonora, que traz a formação, gestão e difusão da música como pilares. Promovendo um diálogo entre a academia e a comunidade, o evento realizou mesas de discussão sobre música, cursos e oficinas, mas foram os shows o grande chamariz. Passeando por ritmos afro-diaspóricos, com destaque para nomes como Afrocidade, IFÁ + Lazzo e Roberto Mendes, o festival foi uma ótima oportunidade também para entender melhor ou conhecer as bases da música do Recôncavo. 

Em sua quarta edição, depois de cinco anos sem acontecer, o Paisagem Sonora apresentou uma boa mostra da produção musical baiana atual no palco montado no pavilhão de aulas do Cecult (Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), realizador do evento. Talvez o fato do evento ser realizado entre as salas de aula da universidade tenha intimidado o público, especialmente jovem, que não compareceu em peso, apesar da cuidadosa programação.

Entre os shows que o el Cabong acompanhou, em duas das três noites, o maior destaque foi o retorno à ativa da big band IFÁ (leia mais aqui). Após 2 anos e 8 meses parados, o grupo estava com sangue nos olhos e celebrou de forma magistral sua mistura de afrobeat, reggae, funk e ritmos afro-baianos recebendo Lazzo Matumbi como convidado.

Apesar do tempo sem shows, a IFÁ mostrou ser a mesma banda afiadíssima de outros tempos e relembrou como estavam fazendo falta suas apresentações potentes e intensas, com a cozinha de Jorge Dubman (bateria), Fabricio Mota (baixo) e Alexandre Espinheira (percussão) fornecendo um pesado e irresistível groove, enquanto Juliano Oliveira (teclado), Ênio Nogueira (guitarra) e os sopros de Mateus Aleluia Filho (trumpete) e Gleison Coelho (sax barítono) passeavam com suas harmonias. O showzaço instrumental ganhou ainda mais brilho com a voz arrebatadora de Lazzo Matumbi. Ele fez uma participação rápida, com seus três principais sucessos, mas suficiente para deixar o público presente de queixo caído com sua imensa capacidade vocal e musical.

Essa segunda noite teve abertura de Neila Kadhí, talentosíssima produtora, cantora e compositora, que busca um melhor caminho para sua MPB contemporânea num formato enxuto com guitarra, baixo e programações. Ainda precisando de maior maturação, o encontro dos Pedros Marighella (famoso pelo seu Sompeba) e Filho (Funfun Dudú) fez sua estreia com uma proposta experimental de beats, grooves arrastados e guitarras. Além de Sued Nunes, natural da vizinha Sapeaçu, aluna de história da URFB e quase uma estrela local. Bastante jovem e dona de uma poderosa voz, foi bem recebida com sua música percussiva, provando que tem motivos para ser apontada como uma das próximas apostas da música baiana.


Na terceira e última noite, o Paisagem Sonora promoveu um interessante e necessário passeio por algumas da sonoridades fundamentais do Recôncavo Baiano. Direto de São Francisco do Conde, coube ao Samba Chula Renovação apresentar uma das bases mais tradicionais, o samba de roda e a chula, que surgiram na região e desbocaram nos outros tipos de samba pelo Brasil. Dez músicos enfileirados lado a lado apresentaram levadas e cantos tradicionais embalados por viola de machete, violão e percussão, incluindo instrumentos com couro de jibóia e pandeiro feito com couro de bode. A plateia respondia com total sintonia, dançando o característico samba miudinho com pés e bundas requebrando livremente.

Na sequência, uma versão mais MPB dessa sonoridade, com a voz e o violão do mestre Roberto Mendes dando o tom com sua poesia, acompanhado de guitarra, baixo e bateria. Desfilou alguns de suas principais composições, além de homenagens a ícones, como num pot-pourri certeiro de clássicos de Luiz Gonzaga. O DJ Ian Valentim apresentou uma boa sequência de música brasileira remixada, apesar de meio deslocada entre os shows. Fechando o ciclo iniciado pela chula, o pagodão empoderado e repleto de discursos de Aila Menezes tomou a noite e fez a juventude cair na quebradeira, mesmo já debaixo de chuva.

Realizado pelo Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (Cecult/UFRB), em parceria com a Funarte, o Paisagem Sonora foi mais um respiro de novos ares nessa retomada dos festivais, da cultura e de um ar mais puro no país. Após o período tenebroso de anti-políticas públicas do não governo de Bolsonaro e da assustadora pandemia de Covid-19, a expectativa é que essa atmosfera de liberdade e diversidade volte a ganhar fôlego e dar os rumos para a música brasileira.

* O jornalista Luciano Matos viajou a convite da produção do Paisagem Sonora.

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