Caixas reúnem discos Jards Macalé, Jackson do Pandeiro, Belchior, Toquinho e Guilherme Arantes.
O CD pode até ter virado artigo de colecionador, mas as gravadoras continuam investindo em caixas especiais, num formato para atrair os aficionados por obras importantes e que estão fora de catálogo. Vários artistas brasileiros ganharam, em 2016, caixas que resgatam períodos e discos importantes de suas carreiras. Jards Macalé ganhou um box de quatro CDs raros; Jackson do Pandeiro, uma caixa com nove, sendo seis duplos; Belchior teve três de seus discos relançados na série Três Tons; Joyce, quatro álbuns dos anos 80; Toquinho, com os primeiros da carreira e outros dois raríssimos; enquanto Guilherme Arantes lançou uma coleção ainda mais completa, com 21 álbuns cobrindo toda sua carreira.
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A caixa “Anos 70” de Macalé não é o maior entre esses relançamentos, são apenas quatro discos, mas é sem dúvida dos mais interessantes. Primeiro por trazer de volta a catálogo os dois primeiros discos do artista, que estão entre os melhores de sua autoria. Segundo porque ambas as reedições vêm acompanhadas com interessantes faixas-bônus. Terceiro porque a caixa traz ainda dois outros CDs com gravações raras ou inéditas do cantor e compositor. Lançada pelo selo Discobertas, “Anos 70” tem produção do pesquisador musical Marcelo Fróes.
O primeiro álbum, ‘Jards Macalé’, já revelava a força de sua música. Antes do disco, Macalé já havia sido cantado por Gal Costa, depois fez a direção artística e tocou guitarra no clássico disco ‘Transa’, de Caetano Veloso. Naquele mesmo ano, 1972, ele lançou pela Philips este clássico trabalho de estreia, que reunia algumas de suas pérolas, como “Vapor Barato”, “Farinha do Desprezo”, “Mal Secreto”, “Movimento dos Barcos”, “Let’´s Play That” e “Hotel das Estrelas”, compostas apenas por ele ou em parcerias com Wally Salomão, Capinan, Torquato Neto e Duda. O trabalho trazia ainda músicas de Gilberto Gil e Luiz Melodia. Apenas com voz, violão, baixo e bateria, Macalé gravou ao lado de uma dupla excepcional, Lanny Gordin e Tutty Moreno, resultando num trabalho intenso que o colocou definitivamente entre os grandes. O disco reeditado traz como bônus três músicas gravadas ao vivo nos anos 70, duas delas lançadas na voz da cantora Maria Bethânia.
Já ‘Aprender a Nadar’, lançado em 1974, vai por um caminho totalmente diferente. Traz uma sonoridade mais diversa, sem uma unidade, com orquestrações, piano, flauta, percussão, cavaquinho e vários outros instrumentos. Outras pérolas marcam o disco, como “Rua Real Grandeza” e “Anjo Exterminado”, parcerias com Wally Salomão, “Orora Analfabeta”, de Gordurinha e Nascimento Gomes, e “Mambo da Gafieira”, de Eloide Warthon e Barbosa da Silva. O bônus aqui são registros embrionários (demos) de cinco faixas que integram o disco.
Se os discos de carreira são uma benção, recolocando no mercado duas obras importantíssimas, a outra metade da caixa é uma revelação de um Macalé até então escondido. Os dois CDs trazem 24 faixas raras ou inéditas, em gravações extra-oficiais que incluem até registros caseiros, com direito a letra errada, graves estourando, barulhos do gravador e até a choro de criança vazando no fundo. Se misturam, nos dois discos, gravações do próprio artista e de outros compositores, que ainda não haviam atingido o padrão de qualidade exigido e permaneciam guardadas em fitas K7 para possíveis gravações definitivas posteriores. Muitas delas são rascunhos que Macalé se recusava a revelar ao público.
Entre as autorais, estão presentes composições que ele fez sozinho e parcerias com Torquato Neto, Capinan, Jorge Mautner, Fausto Nilo, Abel Silva e até Vinicius de Moraes, além de poemas musicados de Gregório de Matos, Bertold Brecht e do poeta americano Ezra Pound. Há ainda registros de Macalé cantando uma música de Nelson Cavaquinho em parceira com Augusto Thomaz Jr (“Cuidado com a Outra”); uma outra de Lupicínio Rodrigues (“Um Favor”); e “Saia do Caminho”, parceira de Custódio Mesquita e Edwaldo Ruy. “Crotalus Terrificus” tem uma história curiosa. A letra é originalmente um poema da lavra de Paulinho da Viola, que Macalé conheceu e musicou em 1978, mas só anos depois mostrou ao autor. No entanto, Arrigo Barnabé já havia feito sua versão, lançada no disco ‘Tubarões Voadores’, em 1984. Macau então guardou e só agora podemos conhecer sua versão.
O Rei do ritmo encaixotado – Nome essencial da música brasileira, Jackson do Pandeiro finalmente ganha uma caixa que cobre a parte mais relevante de sua carreira e quase 70% de sua obra. “Jackson do Pandeiro – O rei do ritmo”, lançada pela gravadora Universal Music, reúne 235 fonogramas remasterizados por Ricardo Garcia e agrupados em nove CDs, sendo seis deles duplos, além de um libreto, que inclui texto biográfico escrito por Rodrigo Faour. O cantor, compositor e ritmista paraibano merecia há tempos um trabalho desta envergadura.
A caixa traz gravações feitas por Jackson desde o início da carreira, como o primeiro compacto de 78 rpm, lançado em 1953 com as músicas “Sebastiana” e “Forró em Limoeiro”, até o último disco, ‘Isso é que é forró!’, de 1981. O foco da caixa não são os álbuns editados pelo paraibano em quase três décadas de carreira, mas as faixas lançadas e perdidas até então em discos de 78 rotações por minuto, editadas de 1953 a 1958 pela extinta gravadora Copacabana. Estas faixas estão reunidas na caixa em dois discos batizados como “Os Primeiros Forrós de Jackson do Pandeiro”. O Volume 1, duplo, compreendendo a produção de 1953 a 1957. O Volume 2, simples, traz obras de 1957 a 1958. Ambos trazem as letras das músicas devidamente reproduzidas no encarte.
Muitos dos fonogramas incluídos na caixa são raros, e foram encontrados através de um enorme trabalho de pesquisa. Alguns deles com autores desconhecidos e não localizados, impossibilitando os lançamentos dos álbuns originais de carreira na íntegra. Como resultado, a fase de discos pela gravadora Philips – de 1960 a 1965 – foi recuperada e reunida em três CDs duplo, divididos como ‘Filomena e Fedegoso’ (1960 – 1962), ‘Carrero’ (1962 – 1963) e ‘Quem não Sabe Beber’ (1964 – 1965). Eles agrupam nove álbuns raros, muitos deles assinados com a parceira Almira Castilho e nunca lançados no formato CD.
Álbuns originais e na íntegra, apenas dois: o derradeiro ‘Isso é que é forró!’ (1981) e ‘Aqui tô eu, Jackson’ (1970). Três outros discos do período pós-ostracismo, entre 1966 a 1969, já haviam sido lançados em 2014 em outra caixa pelo selo Discobertas. “Jackson do Pandeiro – O rei do ritmo” traz ainda duas coletâneas inéditas, ‘Na base da chinela’ e ‘Balança, moçada’, que reúnem faixas avulsas da discografia do paraibano, lançadas originalmente em compactos e discos coletivos.
Belchior três vezes – Através da série ‘Três Tons’, a Universal Music também tem relançado uma sequência de caixas com três CDs de artistas de seu catálogo. Depois de nomes como Alceu Valença Rita Lee, Jorge Mautner e Erasmo Carlos, chegou a vez dos álbuns do sumido Belchior. O cantor e compositor cearense, que este ano completa 70 anos, tem três de seus trabalhos relançados do período em que pertencia aos selos Philips / PolyGram.
O melhor da caixa é o clássico ‘Alucinação’, segundo disco do bardo cearense, que estava fora de catálogo e volta a ficar disponível numa edição remasterizada e com reprodução do encarte original. Lançado em 1976 e completando 40 anos, o álbum foi produzido por Marco Mazzola e reúne algumas de suas obras mais marcantes, como “Velha Roupa Colorida”, “Como Nossos Pais”, “Apenas Um Rapaz Latino-Americano” e “A Palo Seco”.
Os outros dois discos da caixa, ‘Melodrama’ (1987) e ‘O Elogio da Traição’ (1988), não estão entre os mais importantes do artista, mas ajudam a colocar em catálogo obras do artista. Mesmo sumido da vida artística desde 2009, Belchior ainda é um nome importante e bastante lembrado de nossa música, tendo ganhado recentes homenagens em shows diversos pelo país com jovens cantando suas músicas. Os textos da caixa ficaram a cargo do jornalista Renato Vieira.
40 anos de carreira – Quem lança a caixa mais completa é o cantor e compositor Guilherme Arantes. Um acervo de 22 CDs, com reedições dos 21 álbuns da carreira, mais um inédito com compactos e raridades, além de um libreto de 72 páginas escrito a mão pelo próprio Guilherme, que detalha memórias das composições e gravações de cada álbum. Um tesouro para os fãs do artista, que nos anos 1980 se tornou um ícone pop nacional arrebatando diversos hits.
“Guilherme Arantes 40 anos – De 1976 a 2016” é a primeira caixa retrospectiva da carreira do músico paulista e reedita desde o primeiro álbum, Guilherme Arantes (1976), até o mais recente, Condição Humana (2013). São álbuns de sete diferentes gravadoras, incluindo o raro ‘Ronda Noturna’ (1977), que nunca havia sido lançado em CD e só era possível ser encontrado em vinil. O disco traz o sucesso “Amanhã”, mas foi deixado de lado, especialmente por abusar da estética do rock progressivo. Outra preciosidade é o também inédito ‘Compactos e Raridades’ (2016), com faixas que não saíram nos álbuns, incluindo vários sucesso, como “Xixi nas Estrelas” (do programa infantil Pirlimpimpim 2), “Deixa Chover” (da trilha da novela Baila Comigo) e “Planeta Água” (defendida no concurso MPB-Shell 81, da Rede Globo).
A partir de sua saída do importante grupo Moto Perpétuo, em 1975, Guilherme Arantes engatou uma sequência de sucessos. O primeiro, “Meu Mundo e Nada Mais”, do disco de estreia solo, integrou a trilha da novela Anjo Mau, da Globo. Apesar de vários outros sucessos e de presença nas trilhas de diversas novelas, o músico vendeu poucos discos. Neste trabalho de revisitar sua obra, além da caixa ele está lançando um documentário, dividido em sete capítulos que estão sendo liberados no seu canal do YouTube.
Sucesso e independência – Os anos de 80 são o foco de outra caixa, reunindo quatro discos da cantora, compositora e instrumentista Joyce Moreno. Pouco lembrada no Brasil, mas venerada no exterior, especialmente no Japão, a artista viveu momentos distintos dentro da indústria fonográfica. Ela surgiu no final da década de 1960, se destacando como compositora e sendo gravada por nomes como Milton Nascimento, Nana Caymmi, Maria Bethânia e Elis Regina. Nos anos 80, alcançou retumbante sucesso, mas foi escanteada pela indústria fonográfica por reclamar do uso indevido da base instrumental de uma música sua na gravação de outro artista. Partiu então para lançar seus discos por um ainda incipiente mercado independente. É deste período, mesclando a fase de maior sucesso e trabalhos independentes, que está o foco da caixa “Joyce – Anos 80”, lançado pelo selo Discobertas com quatro álbuns.
Joyce só alcançou sucesso popular como cantora com ‘Feminina’, sexto álbum da carreira, lançado pela EMI-Odeon em 1980. O disco, quase uma coletânea de sucessos, incluindo a faixa título e o hit “Clareana”, é um dos principais relançamentos da caixa, mas já havia ganhado uma versão recente em CD. Essa nova reedição, o entanto, inclui cinco faixas-bônus de gravações feitas pela artista entre 1977 e 1979 para discos independentes.
Um dos maiores trunfos de “Joyce – Anos 80” é o disco “Tardes Cariocas”, de 1983. O álbum permanecia inédito em CD no Brasil, tendo sido editado nesse formato apenas na Europa. O disco abre com a marchinha ‘Diga aí, companheiro’, feita por Joyce para as Frenéticas, mas não gravada pelo grupo, além de participações de Egberto Gismonti, Ney Matogrosso, Mário Adnet, entre outros. Completa a caixa a reedição de ‘Água e luz’ (EMI-Odeon, 1981) e ‘Saudade do Futuro’, gravado com arranjos do pianista Gilson Peranzzetta e lançado originalmente em 1985 pelo selo Pointer, do empresário José Maurício Machline.
Raridades – Outro que ganhou uma caixa com quatro discos foi Toquinho. Famoso especialmente pelas parcerias com Vinícius de Moraes nos anos 70, o cantor, compositor e instrumentista completou 70 anos em 2016 e ganhou discos reeditados pelo selo Discobertas.
“Toquinho Que Maravilha” (1966 – 1974) mescla disco raros e desconhecidos, com trabalhos clássicos do início da carreira do artista, revelando um lado da música do artista que poucos conhecem.
O disco mais obscuro da caixa é o lendário ‘Botequim’ (1973), disco que ele dividiu com a cantora Marlene e Gianfrancesco Guarnieri. O álbum foi trilha sonora da peça teatral de mesmo nome e era muito difícil de ser encontrado. ‘Boca da Noite’ (1974), lançado no auge da parceira com Vinícius, num ano que a dupla colocou três discos no mercado, traz músicas de Canhoto da Paraíba, regravações de Luiz Gonzaga, Dorival Caymmi, Pixinguinha, além de parceiras de Toquinho com Geraldo Vandré, Paulo Vanzolini e o próprio Vinícius.
De uma fase anterior, os outros dois álbuns “A bossa do Toquinho” (1966) e “Toquinho” (1970) são os primeiros registros do artista. Mesmo ainda trazendo um músico bastante jovem, então com apenas 20 anos, o primeiro, que é chamado também de “O Violão de Toquinho”, mostra um violinista já de mão cheia acompanhado por um grupo de órgão, bateria e flauta. O repertório conta com composições de Chico Buarque, Edu Lobo, Baden Powell e Vinícus de Morais, e, de curiosidade, a música “Triste Amor que Vai Morrer”, única composição assinada por Elis Regina (em parceria com Valter Silva). O outro disco, ‘Toquinho’, é ainda do período anterior à parceria com Vinícius. Ali, o parceiro principal era Jorge Ben, que aparece nas duas faixas mais conhecidas da dupla, ‘Que Maravilha’ e ‘Carolina Carol Bela’, além de outra pouquíssimo conhecida ‘Zana’, que conta também com Gianfrancesco Guarnieri entre os autores.