Você nunca deve ter ouvido falar da banda Porcas Borboletas. Ela não aparece na TV, não toca nas rádios e não lota estádios. Nem é essa a pretensão. Mas se no Brasil ainda não ganhou a devida atenção, alguns produtores estrangeiros já começaram a enxergar o potencial e convidaram o grupo para tocar em festivais na Europa. A banda de Uberlândia, Minas Gerais, começa hoje uma pequena turnê pelo Velho Continente que inclui shows em dois festivais em Londres, além de uma apresentação em Paris.
Mas que banda é essa de nome incomum e com origem em uma cidade mais conhecida pelo agronegócio e por ser a principal do Triângulo Mineiro? Formada há dez anos, a Porcas Borboletas é um dos mais interessantes grupos da música brasileira contemporânea. Formada por EnzoBanzo (voz e violão), Danislau (voz e guitarra), Moita (guitarra e voz), Chelo (baixo), Ricardim (barulhos, sopros e teclados), Jack (percussão) e Vi (bateria), o grupo trafega por uma sonoridade bastante particular, utilizando elementos pouco comuns na música brasileira atual e não tão fácil de caber em simples rótulos.
Estão lá misturados: a visceralidade do rock, a poesia existencialista e concretista, irreverência saindo pelos poros, canções ao mesmo tempo singelas e ousadas, muita influência da música brasileira, letras debochadas e irônicas, arranjos cuidadosos, performances insanas no palco e uma coragem de fazer algo verdadeiramente bom, sincero e despretensioso. Tudo isso com muita competência e de forma tão bem dosada, que mesmo tão alucinadamente mesclado e sem rótulo poderia estar aparecendo na TV, tocando no rádio e lotando estádios.
Quem sabe? Com dois discos lançados de forma independente, Um Carinho com os Dentes (2005) e A Passeio (2009), a banda poderia ser colocada, para facilitar, numa mesma prateleira dos Titãs do início da carreira. Ou da respeitada, mas pouco popular Vanguarda Paulista, que incluía nomes como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção e a Patife Band. A sonoridade da banda tem a ver com isso, mas não apenas.
Influências
Segundo Enzo Banzo, um dos vocalistas e principais compositores do grupo, essa mistura de sonoridades veio naturalmente, desde quando começaram, no final dos anos 90, na universidade. “Foi um momento de muita descoberta musical pra gente. Aquela história de sair louco atrás de vinis e CDs. Uma porta vai abrindo outra”. Foi quando conheceram Itamar, Arrigo, Patife, e também os discos tropicalistas, o Jards Macalé, o Walter Franco, entre outros, conta.
Dessas referências, e de tantas outras, passaram a criar uma sonoridade e uma postura própria, pouco vistas por aí. “Se não fosse assim, não seria a gente, ai não teria razão de existir. Rola uma prática antropofágica”. Ele não foge da influência da vanguarda paulista, mas não se fecha a apenas ela. “Claro que estes caras são influências para a gente, mas para compor o som tudo passa pela deglutição, de sertanejo a John Cage”.
Em disco, a banda traz composições caprichadas, não tão rock para roqueiros, nem tão brasileiros para os mpbistas. A preocupação com os detalhes nos arranjos, com teclados, efeitos, percussão, acordeom, samples e sopros, se somam a canções bem construídas, com refrões inquietantes e pop.
Aliás, as letras inteligentes, existencialistas, ácidas e provocativas são um dos destaques da banda. Como em Nome Próprio e Menos, essa com letra da escritora Clara Averbuck, que trazem uma visão própria do mundo. “Eu sei que não era pra eu ser assim… pra viver mais, eu sei que eu devia viver menos, mas eu não sei viver menos”.
Em Super-Herói Playboy, a banda fala do mundo das prostitutas, cafetões, cantores de cabaré e o playboy herói, no disco, ela conta com participação de Arrigo Barnabé, a atriz Leandra Leal, e o cantor Junior Barreto.
Em Dinheiro misturam o prejuízo entre a vida amorosa e a financeira. “A história das letras tem um lance divertido e muito criterioso de nossa parte. Muitas surgem dos climas das bases musicais. Outras acabam direcionando o som. Tudo muito livre”, explica Enzo.
Impossível não destacar ainda os provocantes shows da banda. Daqueles que fazem dançar e pensar, divertem e deixam qualquer um questionando o mundo ao redor. Como poucos.
No palco, os vocalistas Enzo Banzo e Danislau incorporam a música, as letras e ampliam ainda mais o poder daquilo que estão cantando. Esbugalham os olhos, tremem o corpo. Danislau planta bananeira e faz caras e bocas, como um louco perdido, enquanto o percussionista Jack, um negro gigante, arrebenta seus instrumentos, com uma força assustadora.
A banda vem circulando pelo país através de festivais e turnês. Não vai lotar estádios, dificilmente nossas rádios e TVs vão abrir espaço para um trabalho tão inteligente e bem feito. Mas quem puder, se dê a oportunidade de presenciar um daqueles talentos que normalmente se valoriza muito tempo depois.