Dizem que em Salvador nada dura muito tempo e se formos falar das opções da noite na cidade isso parece ser ainda mais grave. O el Cabong deu um mergulho no passado para contar a história das noitadas de Salvador nas últimas quatro décadas. Fizemos um breve resumo do que rolou em cada uma das décadas.
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A NOITE DE SALVADOR
ANOS 70
Em tempos que contrastavam a opressão da ditadura militar com a libertação cultural e a ebulição criativa dos Doces Bárbaros, a noite soteropolitana oscilava entre o moderno e o careta. Nesta década, os tradicionais bailes de clube, redutos da classe média alta conservadora, viveram os seus últimos anos de glória, ainda embalados por marchinhas de carnaval, fantasias, máscaras e lança perfumes. Para a juventude adepta da contracultura, contudo, a night começava a ser programada ao fim da tarde, entre caipirinhas, cervejas e Chopp70s, nos bares do centro, ou na praia dos artistas, na Boca do Rio. Havia, ainda, quem estendesse o programa até a Gafieira, comandada pelo maestro Vivaldo da Conceição, na Baixa dos Sapateiros. Mais tarde, os afortunados poderiam exibir as suas disputadas calças Lee boca de sino e saltos plataformas nas boates, Maria Fumaça, que funcionava numa cabine de trem em pleno Farol da Barra, Clock e Anjo Azul. Nesta última, localizada na Rua do Cabeça, no Centro, era possível encontrar artistas e intelectuais, como Jorge Amado, Glauber Rocha, Orlando Senna, bebendo Xixi de Anjo (drink a base de mel e cachaça servido em penicos de barro) e ‘balançando o esqueleto’ à discotecagem de canções nacionais e internacionais, que iam do samba com rock dos Novos Baianos ao folk de Simon & Garfunkel. Mas era ao som de um bolero que a farra esquentava de verdade, com a justificativa ideal para paquerar e dançar agarradinho. Para fechar a noite, uma boa pedida era o Feijão da Bia, na Rua da Ajuda, ou qualquer uma das diversas Kombis, espalhadas pelo centro, que serviam verdadeiros banquetes populares de mocotó, dobradinha e toda sorte de ‘comida para os fortes’!
ANOS 80
Salvador nos anos 80 viu surgir a Axé Music que consagrou a cidade como a terra da alegria. Naquele início de década, a capital baiana ainda guardava características de uma cidade quase pacata, com fortes traços provincianos e uma sociedade conservadora. Após os quentes e criativos anos 70, quase tudo vinha com referência de fora. No início dos anos 80, a moda ainda era ir para a discoteca dançar como John Travolta no filme “Os Embalos de Sábado à Noite” ou Sônia Braga na novela “Dancing Days”, vestindo roupas coloridas ou calça jeans USTOP. Os lugares preferidos eram as boates Hipopotamus, Champanhe, Green House, Close-up, Tropicália na Associação Atlética. A bebida obrigatória era a famosa Cuba Libre e, para petiscar, não podia faltar a Sacanagem, tira-gosto que era nada mais que azeitona, salsicha, queijo ou presunto espetado num palito. A música baiana, como era chamada antes de ser apelidada de Axé Music, começava a deixar de ser música sazonal de Carnaval e ganhava espaço nas rádios e festas, enquanto os blocos afro ganhavam força fora de seus guetos. Salvador também aderiu ao fenômeno da Lambada, que podia ser dançada em locais como New Freddy’s, na Amaralina, e no Sabor da Terra, na Pituba. O contraponto era o rock, mais especificamente o punk rock, que ganhou força em 1982, com o primeiro show da banda Camisa de Vênus, na Casa dos Festejos, em Armação. Começava ali uma onda que levou a banda a ser sucesso nacional e criar uma cena com várias outras bandas seguidoras. Locais como o Teatro Vila Velha e os circos Troca de Segredos, em Ondina, e Relâmpago, na Pituba, receberam muitos shows. O Troca de Segredos recebeu ainda os astros do rock nacional que faziam sucesso na época, além de também receber peças teatrais e orquestras de bolero e afins. Nesse período, foram surgindo bares com característica mais próxima desse universo e o Rio Vermelho passa a ser point da noite soteropolitana, com casas como Ad Libitium, Paris Latino, o espaço Bleff, Exodus Bar, O Bilhostre, Bar 68 e o Zouk Santana. Em sítios na Estrada do Côco e Estrada Velha do Aeroporto começavam a acontecer as pré-raves reunindo centenas de pessoas ao som de reggae, ritmos latinos e pop nacional.
ANOS 90
Inevitavelmente marcados na cidade como os anos de ouro do Axé Music, os 90’s viveram maior diversidade do que supõem aqueles os julgam pela capa. Se é verdade que na night soteropolitana o estilo predominava, com shows nos clubes Espanhol e Bahiano de Tênis e ensaios da Timbalada no Gueto Square – é igualmente honesto afirmar que, nos meandros do Rio Vermelho, Centro e Cidade Baixa, uma cena pop e rock se renovava e subsidiaria, posteriormente, o seu amadurecimento, consolidado nos 00’s. Mata Hari, Havana, Twister, Café e Cultura, Anexo bar e Idearium foram casas que presenciaram o nascimento e amadurecimento dos atuais grandes nomes do rock baiano, em bandas como Inkoma, Penélope Charmosa, Dead Billies, Dois Sapos e Meio, Maria Bacana, Doutor Cascadura, Saci Tric, Brincando de Deus, dentre tantas outras. Neste mesmo bairro, ora consolidado como mais boêmio da cidade, surgia, na base do acarajé e da cerveja gelada, o hoje tão tradicional pré night conhecido como ‘tomar uma na Dinha’. Há alguns quilômetros dali, caranguejo, lambreta e bate papo formavam o cardápio da Cabana do Gaúcho e do Sentollas, também opções de aquecimento para a noite. Os anos 90 presenciaram, ainda, a revitalização do centro histórico e, no Largo do Pelourinho, a efervescência da música negra, com ensaios que se prolongavam até às 6 da manhã, de grupos como Ilê, Araketu e Olodum. No Mercado Modelo, uma boate batizada como Mercado Dancing apresentava as novidades da música pop mundial. Saindo do centro e voltando à orla marítima, a Kripton emplacava festas e shows de rock, enquanto a Padang Padang, barraca de praia localizada no bairro de Stella Maris, transformava a areia em pista de dança. Mais convencionais, as boates Bual’amour, Le Zodiac e Hipopotamus entretiam o público apreciador da dance e axé music, abastecido por batidas, como famoso ligante, e pelas então novatas na noite soteropolitana: as cervejas long necks. Para fechar a noite, hotdog no Tonnys da Pituba ou no bairro da Piedade, igualmente deliciosos.
ANOS 00
Em tempos batizados como pós-axé, as “nights” ou “reggaes”, ganharam ares mais modernos e todo o ambiente que envolve a noite soteropolitana tornou-se mais cosmopolita. A música eletrônica se consolidou com os eventos promovidos pelos coletivos SoonoonmooN e Pragatecno, enquanto o Dub e o Hip Hop também abriram trincheiras, com destaque para as Quintas Dancehall do Ministériopublico. As festas com DJs marcaram os anos 00 e nelas tiveram vez rock, pop, new rave e música brasileira. Casas como o Calypso, Miss Modular, Zauber, Havana, Idearium, Casarão Santa Luzia, Rock in Rio Café, Zanzibar e Boomerangue, uma das mais interessantes que a cidade já teve, sediaram festas e alguns dos shows mais marcantes dos anos 00’s. Localizadas, em sua maioria, no boêmio Rio Vermelho, receberam bandas como Cascadura, Diamba, Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta, Lampirônicos, Retrofoguetes, Mosiah e Scambo. Outras casas, como Fashion Club, Café Cancun e Twist Pub, com um padrão de boate mais tradicional, serviam às noitadas de um público mais playboy. O bairro do Rio Vermelho foi, aliás, não apenas o lugar de festas e shows, mas também do esquente da noite, em bares como o Pós Tudo, com seu famoso drink vermelho ‘Miolo de Macaco’, e do seu encerramento, no Mercadão, estabelecimento de pescadores que, durante a noite, transformava-se no maior local para boêmios da cidade, que sem hora para acabar via o sol nascer e as mesas ainda repletas.
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