Para quem não acompanha o rock baiano, é necessário apresentar. A Cascadura tem 14 anos de estrada e é uma das principais bandas baianas do estilo. Para quem já conhece também é necessário, já que é uma banda bem diferente da que surgiu nos anos 90. Outra formação, outro clima, outra postura e principalmente outra sonoridade. Tudo isso pode ser conferido no quarto disco do grupo, Bogary, que está sendo lançado nas bancas de todo País encartado na Revista OutraCoisa em parceria com o selo Terapia. Um trabalho de qualidade, de produção esmerada e que pode ser o passo definitivo para o grupo se juntar aos maiores nomes do rock brasileiro da atualidade.
Quem está acostumado com o Cascadura dos primeiros discos e não vem acompanhando a banda nos últimos tempos, vai ter uma boa surpresa. O quarteto abandonou a nostalgia, deixou de soar como se estivesse nos anos 70 e cravou uma música própria com muito mais personalidade. “Quando a gente tinha aquela orientação mais anos 70, tudo girava em torno disso, desde a abordagem estética e a forma de gravar até o som e as composições. Isso foi legal durante um tempo, mas passou. A gente passou por um processo natural de crescimento e maturidade que qualquer artista passa. Quinze anos é tempo considerável. Não tinha mais porque fazer a mesma coisa para o resto da vida”, diz Fábio Cascadura cantor e principal compositor da banda.
INFLUÊNCIAS – As mudanças, na verdade, já podiam ser sentidas no disco anterior, Vivendo em Grande Estilo, terceiro da banda que chegou a ganhar um relançamento pelo selo goiano Monstro Discos no ano passado e tornou a banda mais conhecida fora da Bahia. “A gente vem experimentando e o Vivendo… foi uma transição. Acho que antes não existia preconceito com outros sons, não existia era uma atenção. Estávamos focados numa possibilidade musical estética. Depois de um tempo essa possibilidade se ampliou e passamos a dar atenção a outros estilos e caminhos”.
A maturidade e a entrada de novos integrantes foram os fatores cruciais para a mudança de sonoridade. Especialmente Tiago Trad e Martin, que se tornaram fixos na fase de mudança de rumo e foram responsáveis por inserir novas influências ao som da banda. O próprio Fábio abriu o leque de referências e passou a valorizar trabalhos de artistas mais recentes. “Alguns discos me pegaram e criaram interferência na mudança estética que vivíamos”, conta Fábio. Ele lista álbuns como Shangri-la Dee Da, do Stone Temple Pilots, em 2001, e Diorama, do Siverchair, além de bandas como Foo Fighters e Queens of the Stone Age como alguns dos influenciadores.
ROCK – O novo som da Cascadura não implica em misturas de ritmos, inclusão de eletrônica, nem nada parecido. A banda permanece bebendo na fonte do rock´n roll, mas agora, em vez de só focar nas raízes do gênero e nas sonoridades dos anos 70, o grupo imprime sua cara própria num som resultante de influências de sub-gêneros diversos dentro do universo do rock, mas principalmente de bandas atuais. Como dez em cada dez artistas, Fábio diz que não consegue rotular o som que anda fazendo, apenas o insere no velho e ainda moderno rock´n roll.
“O rock é isso: essa possibilidade de você mexer com diversas possibilidades rítmicas e harmônicas, mas dentro de uma atitude muito bem definida. Eu não tenho porque ficar botando misturas”, diz Fábio. Para ele, Bogary é o disco da banda que melhor mostra uma identidade, uma linguagem pessoal. “As referências estão ali, mas existe uma cara própria”.
E pensar que o disco quase não acontece. Depois de várias mudanças de formação nos últimos anos, o grupo voltou a se firmar com novos integrantes a partir de 2002 e foi tentar a sorte em São Paulo. Restando da banda original apenas o vocalista Fábio, a Cascadura contava ainda com Tiago Trad, na bateria, Martin, na guitarra e LF, no baixo. Com Martin indo tocar com Pitty e a saída de LF, a banda quase terminou.
“A gente estava meio sem saber o que ia fazer, se ia continuar com a banda ou não. Aí pintou o convite para relançar o Vivendo em Grande Estilo pela revista. Então, a gente propôs a Lobão gravar um disco inédito para que eles lançassem. Na mesma semana, andré t tinha nos convidado para gravar material para um novo disco. Estávamos na indefinição, mas convidamos uns amigos, cumprimos os compromissos e voltamos a Salvador. Entramos em estúdio em janeiro e em pouco mais de 25 dias finalizamos o disco”.
A Cascadura acaba de apresentar disco e show novos em São Paulo e Rio de Janeiro e começa a angariar elogios da imprensa especializada. A aposta agora é lançar o trabalho em Salvador, com a formação atual (que tem, além de Fábio e Tiago, Tiago Aziz, no baixo, e um ex-Cascadura de volta ao grupo, Cândido Souto Jr., na guitarra). A idéia é apresentar a nova sonoridade para o público da capital baiana e ajudar a deslanchar a cena local. Uma temporada de ensaios de Bogary está na programação, além de uma série de shows ainda indefinidos.
“O rock na Bahia vive um bom momento. Existe uma série de bandas muito boas, com trabalhos consistentes, personalidade e que se destacam no cenário nacional. Precisamos quebrar o isolamento que existe em Salvador. Queremos aproveitar que a gente vai ter uma entrada na mídia para chamar atenção para as bandas locais e dar uma alavancada na cena” – Fábio Cascadura
NOVA SONORIDADE
Bogary
Cascadura
Terapia Recordsr
R$ 14,90
Não dá para saber ao certo se foram os anos de estrada ou as influências dos novos integrantes. O fato é que a Cascadura atingiu seu melhor momento com o recém-lançado quarto disco Bogary. Se a banda ficou marcada pelo som setentista, especialmente quando ainda levava o Dr. antes do Cascadura no nome, nesses primeiros anos do milênio as amarras foram arrebentadas.
Os subgêneros que costumavam fazer a banda acreditar que soava como se estivesse no tempo de seus ídolos, ao mesmo tempo parecia limitar a criatividade dos músicos. O que já aparecia no disco anterior, Vivendo em Grande Estilo, se confirma e domina neste novo trabalho. Com Bogary, a Cascadura quebrou as paredes dos rótulos e partiu para um rock mais amplo e de altíssimo nível. Agora há uma mescla de peso, baladas, boas letras e as melhores influências possíveis.
Antigo, retrô, moderno, sujo, bonito, sensível, malvado. Poucos conseguem assimilar tão bem as diversas influências do cinquentenário rock e fazer algo interessante e verdadeiro com isso. Talvez ai se revele a combinação da maturidade de Fábio Cascadura, com as origens e influências diversas de seus parceiros. A novidade no som da banda se deve muito também à produção de andré t, que com a assistência de Jô Estrada, imprimiu sua marca no CD.
A sonoridade do grupo abre espaço não apenas para o rock setentista, que continua lá de forma mais tímida, outros universos do rock. Estão lá ecos de Beach Boys, Beatles e Big Star, mas também para um som mais pesado, entre o stoned rock do Queens of the Stone Age e o peso do Soundgarden, além do rock contemporâneo com suas guitarras barulhentas combinadas com belas melodias vocais. Fábio acerta em cheio, cantando muito bem e compondo canções perfeitas do imaginário rock, bem-dosadas com peso e belas melodias.
Canções herdadas de alguns dos melhores momentos do rock. Como na ótima 12 de Outubro, com seu interessante trabalho de guitarras e uma veia pop que remete ao rock dos dias de hoje. As lindas Mesmo eu Estando do Outro Lado, que conta com uma steel guitar de Morotó Slim (do Retrofoguetes), e Juntos Somos Nós, que inclui coros e palminhas, reforçam a proposta. Onde Aprende a Andar é outra certeira, balada que remete a Beach Boys, com seu naipe de cordas e vozes em coro. Uma daquelas músicas feitas para cantar junto de olhos fechados.
Dentro disso, há espaço também para rock dos bons, especialmente nas duas faixas que abrem o disco Se Alguém o Ver Parado e Senhor das Moscas. A primeira num clima intenso e agressivo, com ecos de Soundgarden, e finalizando com cantos de crianças africanas. A segunda, uma das melhroes dos disco, tem um riff nervoso de guitarra no quilate do que há de melhor do Queens of the Stone Age e participação de Andréa Gabriel, da Lou.
O clima pesado aparece também na sequência Contra-Luz e Ele o Super-herói que contam com guitarra de Martin. Já Desconsolado é a união perfeita do peso com o lado melodioso.
Para terminar, uma brincadeira Brian Wilsiana, que começa com um coro no fim de Descontrolado, segue num vaudeville em Adeus, Solidão e fecha com uma escondida menção a origem do nome do disco. Bogary corre o risco de colocar a banda em um patamar que poucas bandas baianas conseguiram. Méritos a banda e o CD têm de sobra.