80 anos de Gilberto Gil: uma discografia comentada

Completando suas oito décadas de presença nesse nosso mundo, Gilberto Gil segue na ativa, criando, produzindo, compondo e ainda sendo um dos nomes mais relevantes de nossa música. Para celebrar os 80 anos, no entanto, olhamos para o passado, fazendo uma análise de sua longa discografia, incluindo todos os álbuns de estúdio, as trilhas sonoras e os principais registros ao vivo. Para esse trabalho, convidamos um time de jornalistas, músicos e escritores para falar da importância e das características de cada um desses discos.

Louvação (1967)
A cinco dias de completar 25 anos, Gilberto Gil lançou seu primeiro LP, batizado “Louvação”, faixa-título que abre os trabalhos com tons orquestrais, antes que o violão do protagonista tome a cena. Parceria com o poeta piauiense Torquato Neto, a canção se inspira nas típicas manifestações religiosas do interior do Brasil. A sequência vem com “Beira-Mar”, de clima praieiro em dobradinha com Caetano Veloso; “Lunik 9”, título alusivo à nave russa lançada ao espaço; “Ensaio Geral”, um autêntico samba de Carnaval que eterniza versos esfuziantes e libertários. “A Rua” traz nova colaboração com Torquato Neto e mantém o álbum nesse lugar de marasmo e reflexão. “Roda” é um samba ritmado, cheio de críticas sociais. Já “Rancho da Rosa Encarnada” é uma marcha-rancho que se impõe pelo tom exuberante, imperativo, em novo olhar de retrovisor do artista, que renova a história sem excluí-la. “Viramundo” e “Água de Meninos” convocam a poesia de Capinam, a primeira um manifesto de resistência, enquanto a segunda emerge com todo o saudosismo de uma Bahia idílica, quase imaterial. “Mancada” se nutre do samba sincopado, ao estilo de Geraldo Pereira. Das faixas mais significativas, a derradeira “Procissão” é parceria com o performático Edy Star, que só passou a ter o nome creditado quase 40 anos após o lançamento. Ela arredonda o álbum como se voltasse ao começo, pois, à maneira de “Louvação”, coloca na mesa o tema da manifestação popular e religiosa, e se converteu em sucesso imediato de Gil. A versão do LP disponibilizada nas plataformas digitais conta hoje com duas faixas bônus: “Minha Senhora”, de rara sensibilidade, quase em forma de prece, evidenciando o lado espiritualizado de Gil; e “A Moreninha”, quando o artista assume o papel de intérprete da música de Tom Zé, uma genuína valsa tropicalista. Esse primeiro disco de Gilberto Gil é joia rara. Vale a pena reouvir. Raphael Vidigal (Esquina Musical)

Gilberto GilGilberto Gil (1968)
Do contato com a Banda de Pífanos de Caruaru e a canção “Strawberry Fields Forever”, dos Beatles, veio a centelha criativa: “precisamos nos reunir, precisamos levar em consideração a possibilidade de um gesto inovador, renovador, um gesto de ousadia, um gesto quiçá transformador”, como afirmou Gilberto Gil em entrevista no final de maio  o Roda Viva, programa da TV Cultura. Daí surgiu a Tropicália, que mudou os rumos da música brasileira a partir do final da década de 1960. O álbum “Gilberto Gil”, de 1968, apresenta a contribuição do artista para o movimento. Além de “Domingo no Parque”, com sua narrativa cinematográfica de um duplo homicídio em um parque na Boca do Rio, o álbum traz “Coragem pra Suportar”, “Marginália II”, “Procissão”, entre outras canções. A participação dos Mutantes e a orquestração de Rogério Duprat garantem a típica sonoridade tropicalista, com a união de elementos tradicionais da cultura brasileira às influências internacionais. Ou seja, a união da “Banda de Pífano de Caruaru” com os Beatles, ou como disse Gil no Roda Viva, a “Banda de Pífanos de Liverpool”. Essa junção é bastante explícita na faixa “Coragem pra Suportar”, que tem uma linha de baixo e um riff de guitarra que remetem ao estilo dos Beatles junto com um pífano. O gesto de ousadia, que rompeu com purismos e gerou muita oposição e controvérsias, entrou para a história como um dos momentos mais importantes da música brasileira. (Marcelo Argôlo)

Tropicalia ou Panis et Circencis – com Caetano Veloso, Gal Costa, Os Mutantes, Torquato Neto, Tom Zé, Nara Leão e Rogério Duprat
(1968)
Álbum símbolo do Tropicalismo, Panis Et Circenses (1968) oscila entre ser considerado um dos melhores e um dos mais importantes discos brasileiros. O próprio Gilberto Gil, responsável por muitas das pérolas desse trabalho, não ficou tão animado com o resultado; achou que a orquestra desafinou em alguns momentos. O álbum reuniu os músicos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes, Tom Zé, Nara Leão e Gal Costa, além dos poetas Torquato Neto e Capinam, todos sob a regência do maestro vanguardista Rogério Duprat. A aparente anarquia e o verdadeiro ecletismo cultural deram origem a um cardápio, servido às “pessoas da sala de jantar”, que reúne bolero, samba, música caribenha, tango, poesia concretista e muito mais. Nas composições, uma crítica à sociedade elitista totalmente desconectada da realidade do país – tudo isso em plena ditadura militar e sob o olhar torto de muita gente. Por se tratar do manifesto de um movimento, algumas canções servem mais para demonstrar o propósito do grupo e provocar o ouvinte, que para puro deleite. A icônica capa foi visivelmente inspirada pelo “Sgt. Pepper”, dos Beatles, lançado um ano antes. Já a contracapa foi estruturada em forma de roteiro cinematográfico, com anotações de sequências e cenas. Uma obra-prima da música brasileira.(Marília Moreira)

Gilberto Gil (1969)
Feito às pressas, antes de Gilberto Gil partir para o exílio político, em virtude da perseguição por parte da ditadura militar brasileira, o terceiro álbum de estúdio do baiano se equilibra entre a saudade do que ficaria para trás e um olhar para o futuro, numa época que vivenciava inovações tecnológicas que levaram até o ser humano pisar na lua naquele mesmo ano. Com arranjos assinados por Rogério Duprat, o maestro do tropicalismo, o disco é repleto de experimentalismos e calcado em bases caras ao rock e ao blues: até mesmo o samba “Aquele Abraço”, clássico e notório grande sucesso do trabalho, teve melodia descrita pelo artista como “muito simples, quase de blues”. Obrigatório para entender a trajetória de Gil. (Nelson Oliveira)

Copacabana Mon Amour – Trilha sonora (1970)
O mais marginal dos cineastas, Rogério Sganzerla, convocou Gilberto Gil para criar a trilha-sonora de seu quarto longa-metragem, Copacabana Mon Amour, em 1970. O resultado foram músicas “alucinadas”, em consonância com a estética proposta pelo diretor de filmes disruptivos como O Bandido da Luz Vermelha (1968) e Sem Essa, Aranha (1970). Mas, na época, o público não pôde conhecer as canções de Gil. Tudo porque a censura do regime militar proibiu o filme, que ganhou uma restauração digna de sua importância em 2015. A trama tem como protagonista a atriz e diretora Helena Ignez, musa de Sganzerla, então casada com ele. Ao longo de cinco canções, Gil imprime uma estética de garage com forte influência do folk, propositadamente precária, suja, construída por meio de sua voz gritada e de um violão visceral, com intervenções pontuais de gaitas e instrumentos de sopro. Outro expediente é o da canção bilíngue, casos de “Mr. Sganzerla”, que se apropria do nome do diretor, e “Tomorrow Vai Ser Bacana”, explicitando essa flexibilidade da linguagem, viva e em constante construção e desconstrução. “Diga a Ela”, que abre os trabalhos, recebeu uma versão editada nas plataformas digitais. “Blind Faith” agrega tons de melancolia, enquanto “Yeh Yeh Yah Yah” sintetiza a estética do álbum, com quase 15 minutos de duração. Raphael Vidigal (Esquina Musical)

Gilberto Gil (1971)
Este disco é irmão de duas obras de Caetano Veloso: o que leva o nome do artista de Santo Amaro, do mesmo ano, e de Transa, do seguinte. Além de terem sido gravados em Londres e serem álbuns de exílio, com alguns temas confluentes, eles têm opções estéticas similares e oriundas da produção de Ralph Mace, como o grande destaque oferecido ao violão e o uso de vocais com reverb. Ecoando seu LP de 1969, Gil continua a flertar fortemente com o blues, o rock e a psicodelia, mas começa a se afastar levemente das sonoridades típicas da Tropicália e tomar um rumo mais pessoal, que afloraria em trabalhos posteriores. (Nelson Oliveira)

Expresso 2222 (1972)
Quinto álbum de estúdio de Gil, Expresso 2222 é um dos tantos discos antológicos da carreira do artista. Lançado em 1972, foi o primeiro trabalho realizado após seu retorno ao Brasil, depois de três anos exilado em Londres. Não à toa, tem uma certa alegria e vivacidade de quem pôde finalmente voltar pra casa, “tanto mais vivo” quanto quando partiu, como afirma em “Back in Bahia”. Antenado ao cenário do rock e pop internacionais com o qual conviveu durante o período na Inglaterra, Gil se volta ainda mais para suas raízes brasileiras, principalmente nordestinas, sintetizando como ninguém esses dois universos sonoros. Abrindo o disco, a faixa “Pipoca Moderna” dá o tom da experiência, interpretada pela Banda de Pífanos de Caruaru, inspiração marcante da Tropicália. As outras versões do álbum representam bem a fusão proposta, com interpretações – sem receio nenhum de por vezes caprichar nos instrumentos elétricos e bateria – de compositores como João do Vale (“O Canto da Ema”), Gordurinha (“Chiclete com Banana”, gravada por Jackson do Pandeiro em 1959), Riachão (o samba “Cada Macaco no Seu Galho”) e Onildo Almeida (“Sai do Sereno”, que conta com a participação de Gal Costa). Concentrando as suas vivências e reflexões dos últimos anos (tanto que o próprio considera esse disco o “mais elaborado no sentido de relatar um período” de sua vida), as composições de Gil também são um espetáculo à parte, com clássicos como “Back in Bahia” e “Oriente”, além da faixa-título. Pérolas da poética do compositor, vale muito a pena ouvir com atenção e mergulhar no universo de cada uma das letras. (Breno Fernandes)

Barra 69: Caetano e Gil ao Vivo na Bahia – com Caetano Veloso (1972)
A precariedade da gravação, feita da plateia em uma fita cassete, é só mais um elemento que reforça o marco histórico desse registro de 1969, que só saiu no ano 1972. Em três memoráveis apresentações no Teatro Castro Alves (TCA), Caetano Veloso e Gilberto Gil deixaram um recado para o regime militar pouco antes de serem exilados do país. E o fizeram com gosto revisitando a tropicália (“Alegria, Alegria”, “Domingo no Parque” e “Superbacana”), além mostrar pela primeira vez ao vivo “Aquele Abraço”, que viria a ser uma das pérolas da carreira de Gil, e que foi lançada naquele ano no álbum “Gilberto Gil, 1969”. No palco a banda base tinhas os irmãos Pepeu, Jorginho e Carlinhos Gomes. Uma consagração cantada de pé e delirante como em “Atrás do Trio Elétrico” e aos berros no inusitado “Hino do Esporte Clube Bahia”. Clássico. (Marcos Casé)

Ao Vivo na USP (1973)
Em 1973 a violência da ditadura militar escalava, com sequestros, tortura e assassinatos de opositores. Nesse ano, o estudante da USP Alexandre Vanucchi Leme foi uma das vítimas do regime, sendo visto pela última vez nas dependências do Dops em março. A sua morte fez com que colegas da Universidade se unissem para reforçar os movimentos de resistência estudantis e denunciar o que havia acontecido. Nesse contexto, convidaram Gil para se apresentar em um auditório da Escola Politécnica da USP. Ele topou, e a apresentação aconteceu em maio. Conversando várias vezes com a plateia, Gil fez um show de mais de três horas (e ao final diz só não ficar mais porque tem outro show marcado para 30 minutos depois!), tocando um repertório que totaliza 25 músicas, com faixas tão diversas quanto “Oriente”, “Cálice”, “Back in Bahia”, “Iansã” e “Eu Só Quero um Xodó”. Acompanhado apenas de seu violão, Gil conta histórias e fala sobre questões que envolvem quase todas as composições, mostrando sua vivacidade e liberdade artísticas com improvisos de canto e de letra em várias delas. Não raro, as gravações passam dos oito minutos. Em “Filhos de Gandhi”, passa dos 23, numa performance quase teatral que apresenta a situação difícil pela qual passavam os blocos afro da época e dá direto na canção, cantada como uma prece para que “os deuses ajudem a gente e o afoxé não acabe”. Esse show histórico havia sido registrado em um gravador de rolo, com cópias distribuídas entre um grupo pequeno de pessoas. Restaurado e digitalizado, o registro agora está disponível nas principais plataformas digitais. (Breno Fernandes)

Cidade do Salvador (1973)
Álbum duplo, com 22 canções (13 no primeiro e 9 no segundo), gravado nos estúdios da Phonogram, entre fevereiro de 1973 e fevereiro de 1974, mas arquivado e lançado apenas em 1999, integrando a caixa Ensaio Geral. Cidade do Salvador é uma preciosidade, reunindo pérolas que vão desde músicas inéditas, singles, compactos e experimentos até regravações e versões de algumas referências e inspirações de Gil. Contribuindo para o clima leve, quase de ensaio, ou de obra meio inacabada, o disco traz pequenos erros, trechos de bastidores, contagem de tempo e falas sobre execução de faixas. Entre os compactos, a primeira e definitiva versão de “Eu Só Quero Um Xodó”, de Dominguinhos e Anastácia, e seu lado b, uma bela homenagem a Afonsinho em “Meio-de-campo”. Uma versão de quase 12 minutos para “Iansã”, parceria dele com Caetano e gravada antes por Bethânia. A primeira gravação da bela “Preciso Aprender a Só Ser”. As inéditas “Umeboshi”, “Ó, Maria”, “A Última Valsa” e a música título, uma homenagem a Salvador num misto de experimentalismo e poesia concreta. “Edyth Cooper” era a homenagem e colaboração de Gil ao álbum de Edy Star, na qual faz uma analogia entre o conterrâneo e o astro Alice Cooper. “Doente, Morena” e, especialmente, “Ladeira da Preguiça” são apesentadas antes de ganharem versões imortalizadas por Elis Regina. Os ídolos dos anos 1950 aparecem em versões afiadas. Luiz Gonzaga em “Imbalança”, Dorival Caymmi em “Dona do Mar” e Lupicínio Rodrigues em “Esses Moços (Pobres Moços)”. A bela poesia de Torquato Neto “Todo Dia É Dia D” ganha uma interpretação incrível de Gil e seu violão, enquanto “Maracatu Atômico” aparece em três versões. Um álbum repleto de acertos, mas que traz a infeliz “Minha Nega na Janela”, de Germano Mathias e Doca, um retrato do racismo e machismo vigente na música brasileira por muito tempo. (Luciano Matos)

Temporada de Verão – ao vivo na Bahia – com Caetano Veloso e Gal Costa (1974)
Depois da volta do exílio, Gil e Caetano voltaram a viver intensamente o Brasil e, mais especificamente, a Bahia. Em 1974, eles se juntaram a Gal Costa para gravar e lançar Temporada de Verão: Ao Vivo na Bahia. O disco foi gravado ao vivo, em uma série de shows que aconteceu no Teatro Vila Velha, em Salvador, entre 10 de janeiro e 22 de fevereiro daquele ano. Ao contrário do que a ocasião e o próprio título possam sugerir, o álbum não traz duos, nem faixas compartilhadas entre os três. No total, são 9 músicas, todas interpretações solo, de shows individuais: duas de Gal, três de Caetano Veloso e quatro de Gilberto Gil. Os arranjos e a produção são de Perinho Albuquerque. A capa é belíssima, com um horizonte laranja sobre o mar, sinal de um verão quente e intenso. Um pouco acima da linha do horizonte, surgem os rostos opostos de Caetano Veloso e Gilberto Gil. No meio dos dois, em uma tira com quatro fotografias verticais, aparece o rosto de Gal Costa; e, em uma delas, a face dá lugar ao sol. Uma curiosidade: algumas faixas não ficaram bem gravadas ao vivo e foram regravadas, posteriormente, na casa de Caetano Veloso. Para não destoar do restante da produção, os sons de aplausos da plateia foram adicionados à edição final. (Marilia Moreira)

Refazenda (1975)
Refazenda atualiza, mais uma vez, a referência e reverência de Gil ao mestre Gonzaga e faz isso por meio de uma parceria, que sempre rendeu ótimos frutos, com outro mestre, Dominguinhos. Gil reposiciona a sanfona e os ritmos nordestinos, modernizando-os com a substância que só alguém como Gil, um compositor que tem tanto o domínio da música do rei do baião, como sempre esteve ligado aos sons de Hendrix e Marley, pode fazer. Se a música corteja em várias faixas a música rural, não urbana, do “interior”, o texto é, por várias vezes, reflexivo, meditativo. A capa reforça essa ideia abrindo uma outra conexão, a do oriente, com Gil de roupão comendo com hashi. E aí sertão e oriente conectados pela sabedoria, pelo silêncio, pelo ser solitário. “Eu quase não falo, quase não sei de nada, sou como rês desgarrada nessa multidão boiada caminhando a esmo”. Como alguém já disse, Refazenda é um passeio pelo interior geográfico musical e pelo interior espiritual. (Ronei Jorge)

Gil & Jorge: Ogum, Xangô – com Jorge Ben (1975)
Este álbum duplo que reúne dois mestres do violão brasileiro é um exemplo de experimentalismo e improviso, com faixas longas – a mais curta tem seis minutos – que precisam ser digeridas com muita atenção e, de preferência, com um bom fone de ouvido. “Taj Mahal”, com 14 minutos, mantém o suingue original e continua dançante, com Benjor e Gil “brincando” muito à vontade, especialmente o baiano com suas experimentações vocais. Wagner Dias, no baixo, e Djalma Corrêa – que estudou na Bahia com Walter Smetak – contribuem para essa deliciosa viagem de quase uma hora e meia. Não se sabe se é lenda, mas se diz que inspiração para o álbum veio durante um jantar na casa de André Midani, então chefão da gravadora Philips. Ali, estavam presentes, entre outros músicos, Eric Clapton e Cat Stevens, que, embasbacados com a habilidade de Gil e Jorge durante aquela sessão de improvisos, preferiram deixar os brasileiros à vontade, tocando sozinhos. E o resultado é esse espetáculo que, embora tenha fracassado comercialmente, tornou-se cultuado e em 2007 foi apontado pela Rolling Stone como o 60º melhor álbum nacional de todos os tempos. (Roberto Midlej)

Refavela (1977)
Gravado em 75, esse disco de Gil impressiona pela unidade musical e textual. É notável como tudo é bem amarrado. A conexão Brasil e África aparece numa simbiose perfeita, seja nas canções que tocam em questões raciais como “Ylê Ayê”, seja nas mais reflexivas como “Aqui e Agora”, ou nas que evocam a ancestralidade como “Alapalá”. Gil com sua genialidade transformadora consegue levar uma Bossa como “Samba do Avião” ao continente africano, ou melhor, nos revela a matriz, o ponto inicial e fundamental da gênese da nossa música. (Ronei Jorge)

Refestança (1977)
Em 1976, Gilberto Gil e Rita Lee haviam sido presos por porte de drogas. Ambos viviam momentos importantes em suas trajetórias e decidiram relançar suas carreiras juntos em uma série de apresentações em teatros e casas de show entre outubro e novembro daquele ano. Rita Lee convocou sua banda Tutti Frutti, com Roberto Carvalho, Luís Sérgio Carlini, Lee Marcucci e companhia. Esse acabou sendo o único registro ao vivo oficial dela com a banda e também marcou a entrada de Roberto de Carvalho na banda. Gilberto Gil levou sua banda Refavela, com Moacir Albuquerque, Pedrinho Santana, Djalma Correia e demais. Lúcia Turnbull já havia tido banda com Rita, já tinha tocado com a Tutti Frutti e estava na banda de Gil. Todos juntos no palco, com parte das músicas executadas pelas duas bandas ao mesmo tempo. O repertório reúne sucessos de Gil e de Rita, além da parceria deles, que dá nome ao trabalho, e de uma versão irônica pelos fatos do ano anterior de “É proibido fumar” (Roberto Carlos/ Erasmo Carlos). Merecem menção também a bela homenagem de Rita a Gil na música “Giló”, só registrada nesse álbum, e ele cantando o sucesso dela, “Ovelha Negra”, numa versão longa e bem diferente da original. (Luciano Matos)

Ao Vivo em Montreux (1978)
Pela primeira vez o famoso festival de Montreux recebia uma noite brasileira, com Gil como convidado principal. Para o show, ele levou uma banda de alto nível, com os irmãos Gomes, Pepeu (recém saído dos Novos Baianos) e Jorginho, Djalma Correia, Rubão Sabino e Mu Carvalho. O repertório trazia duas preciosidades do repertório dos Doces Bárbaros, “Chuckberry Fields Forever” e “São João Xangô Menino”, uma versão acid acelerada de “Respeita Januário”, de Luiz Gonzaga, e a inédita “Chororô”, composta no quarto do hotel do festival. O álbum flagra como Gil e a banda aos poucos vão dominando o palco e conquistando o público, com groove, brasilidades, rock, jazz e muito talento. Já na terceira música dá para ouvir Gil comandando o público que vai ao êxtase e segue assim até o fim. Não podia ser diferente, Gil engata uma sequência de hits com músicas incidentais (“Ela”, “Batmacumba” colada com “Exaltação À Mangueira” e “Procissão” com “Atrás do Trio Elétrico” e “Mamãe Eu Quero”), criando um carnaval em plena Suíça. Para fechar uma jam session com os outros convidados da noite, A Cor do Som, Ivinho e o tecladista Patrick Moraz (ex-Yes). (Luciano Matos)

Nightingale (1979)
Em meio à trilogia “Re”, Gil lança Nightingale , seu primeiro trabalho voltado para o mercado internacional. Estimulada por Sergio Mendes, a Warner queria potencializar mais artistas brasileiros no exterior e, com o sucesso de Jorge Ben e do próprio Mendes, resolveu apostar no baiano. Sem maiores hits, o álbum só não podia sair no Brasil e gerou uma turnê nos Estados Unidos, além de ter sido o primeiro dele a ser lançado no Japão. Para o registro Gil foi com a família para Los Angeles, onde se cercou de músicos norte-americanos e latinos do ambiente do jazz, além de brasileiros, como Sérgio Mendes (ele de novo) e Robertinho Silva. Do Brasil levou apenas o baixista Rubens “Rubão” Sabino. O repertório é focado basicamente em regravações de seus dois álbuns mais recentes da época, Refazenda e Refavela. Boa parte delas com letras revertidas para inglês como “No Norte da Saudade”, que vira “Goodbye my girl”; “Babá Alapalá” (“Alapala (The myth of Shango)”; “Aqui e agora” (“Here and now”); “Ela” (“Ella”); e, finalmente “O Rouxinol”, que ganha uma versão mais groovada e que define o nome do álbum como “Nightingale”. Há também versões para “Balafon” e um sensacional e pouco conhecido registro de “Maracatu atômico” (Jorge Mautner/ Nelson Jacobina). O álbum traz ainda a primeira gravação de Gil para “Sarará miolo” (que antes só havia sido gravada num álbum de duetos de Nara Leão e viria a aparecer em seu álbum seguinte Realce), além de duas inéditas e praticamente exclusivas desta obra: “Move along with me” e “Samba de Los Angeles” (que Gil foi resgatar quase 30 anos depois em Banda Larga Cordel, em 2008). (Luciano Matos)

Realce (1979)
A passagem dos anos 70 para os 80 é um período de transição na música e na indústria fonográfica do Brasil. De um lado, as gravadoras davam uma guinada rumo a um modus operandi cada vez mais comercial, sem tempo para experimentalismos; de outro, como consequência dessa nova forma de trabalho, a MPB ganhava uma sonoridade pop, feita pra tocar nas rádios FM (e vender discos). Um dos grandes trabalhos produzidos neste período é o álbum “Realce”, de 1979, que reflete o contexto geral e ao mesmo tempo marca um momento de transição na discografia de Gilberto Gil. O LP finaliza a chamada trilogia “Re”, que começou com “Refazenda” (1975) e teve em “Refavela” (1977) sua continuidade; e abre caminho para que o Brasil conheça um Gil cada vez mais “internacional”, ainda que seus pés estejam bem fincados na terra que lhe deu régua e compasso. Um Gil que grava disco music com o acompanhamento de músicos americanos (“Realce”) e faz um estrondoso sucesso com uma versão de um hit do reggae (“Não Chore Mais”), mas ao mesmo tempo revisita a “Marina” de Dorival Caymmi e louva Salvador, a Bahia e suas raízes. A recepção da crítica foi mista: para alguns jornalistas, Gil estava apenas fazendo o jogo da “dominação estrangeira”, enquanto outros elogiaram o sabor de novidade do trabalho. O público? Adorou. As rádios? Tocaram à exaustão. Missão cumprida. (Julli Rodrigues)

Luar (A Gente Precisa Ver o Luar (1981)
Se “Realce” é um disco de transição, “Luar” (1981) já está bem situado no universo pop radiofônico da época. Os arranjos ficaram por conta de Liminha e Lincoln Olivetti, dois artífices da sonoridade oitentista que formataram a sensibilidade de Gil em uma embalagem comercial. Mas isso não é algo ruim, pelo contrário. As intenções mercadológicas não diminuem a qualidade, e saber que elas existem não tira o prazer de ouvir canções como o megahit dançante “Palco”, as arrebatadoras “Flora” e “Se Eu Quiser Falar Com Deus”, a suingada “Cara a Cara” – assinada por Caetano Veloso, única composição não-autoral do LP – e o forró-pop (de levíssimo duplo sentido) “Sonho Molhado”. Por outro lado, vale notar que a jornalista Ana Maria Bahiana acertou ao definir “Luar” como um disco “cheio de sons que lembram outros sons e se alojam confortavelmente no ouvido do consumidor médio”. Um dos exemplos é a faixa “Cores Vivas”, que lembra muito “Aroma”, música do próprio Gil gravada um ano antes pela cantora e compositora Lúcia Turnbull. A semelhança não é só pelo arranjo olivettiano: até mesmo a métrica evoca essa ligação. Mas aí a gente repara que Lúcia aparece como backing vocal no álbum “Luar” e percebe que no fim das contas está tudo em casa. O importante é curtir a viagem e ver o luar. Mais nada a dizer. (Julli Rodrigues)

Brasil –  com João Gilberto e Caetano Veloso (1981)
João Gilberto era a referência para toda uma geração e nesse álbum, como um digno mestre, João guia dois de seus seguidores, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Além de tocar e cantar, João é o responsável pela produção musical e artística do álbum. Juntos, os três se alternam entre vozes em uníssono, como se fosse uma única, e cada um pontuando suas colaborações num repertório recheado de clássicos da música brasileira. Estão lá “Aquarela do Brasil” e “No Tabuleiro da Baiana” (Ary Barroso), esta com participação de Maria Bethânia, “Bahia Com H” (Denis Brean), “Milagre” (Dorival Caymmi) e “Cordeiro de Nanã” (Mateus Aleluia/Dadinho). Além de “Disse Alguém (All Of Me)”, versão de Haroldo Barbosa para música de Seymour Simons e Gerald Marks. (Luciano Matos)

Um Banda Um (1982)
Um Banda Um é uma celebração que surge em 1982 no meio do BRock, suas guitarras e sintetizadores. Traz um Gil enebriado pelo reggae, pelas discotecas, canções dançantes, e que ainda consegue trazer temas tão diversos quanto o próprio autor. Da brincadeira com umbanda (no trocadilho do nome), Gil fala de religião, misticismo, amor e suas possibilidades e multiplicidades. O álbum que tem a proeza de ser um dos que mais se faz presente nos shows desde seu lançamento. Além da regravação de “Esotérico” (antes gravada no Doces Bárbaros), o trabalho ainda emplaca “Banda Um”, “Metáfora”, “Deixar Você”, “Andar com Fé” e “Drão” que facilmente estão em qualquer apresentação dele pelo mundo. Um disco de um Gil feliz, realizado, inspirado e com muita vida. (Marcos Casé)

Extra (1983)
O funk norte-americano e o reggae jamaicano que influenciaram as composições de Gilberto Gil em Refavela (1973) seguiram definindo sua musicalidade. Em 1983, dez anos depois, Gil lança o álbum Extra, em que retoma temas relacionados ao extraterreno ou ao extra sensorial que apareceram em sua vida durante o período do exílio, quando frequentou reuniões de ufologia. A capa, inclusive, traz uma montagem com animais, que são seres irracionais do planeta Terra. As músicas demonstram influência do reggae (faixa-título “Extra”), do punk rock (“Punk da Periferia” – com participação de Lulu Santos e de Serginho Herval na bateria) e do funk (“Funk-se Quem Puder”) – essas são também as três faixas mais conhecidas do álbum. Em “Funk da Periferia”, Gil mostra sua conexão total com os problemas de um Brasil urbano e racista ao narrar a vivência de um jovem punk paulista, de um bairro tradicional do subúrbio da cidade, que deseja “trazer nossa desgraça à luz”. O refrão, assim como a explicação, é também um sinal de afronta – que brinca com o “ó” do nome do bairro: “Sou um punk da periferia/ Sou da Freguesia do Ó/ Ó/ Ó, aqui pra vocês!/ Sou da Freguesia”. (Marília Moreira)

Quilombo – Trilha sonora (1984)
“Quilombo” foi produzido para o filme homônimo de Cacá Diegues de 1984. Tem um elenco até enxuto se comparado aos outros discos de Gil da época, com o próprio assinando a produção. Quando não compôs solo, as letras inspiradas são colaborações com Waly Salomão (caso de “Zumbi” e “Quilombo, O Eldorado Negro”). O disco não deixa também de marcar na música um movimento que vinha acontecendo na produção acadêmica e na luta dos movimentos negros – a recuperação da história dos quilombos como marco de resistência e agência de pessoas escravizadas. É pena que a gravação e a masterização deixem a desejar em algumas músicas. (Paula Carvalho)

Raça Humana (1984)
O álbum Raça Humana (1984) retrata um período de expansão artística para Gilberto Gil. É a obra que marca a estreia do estúdio Nas Nuvens – com equipamentos de ponta e sob os cuidados inventivos do produtor Liminha; um disco celebrativo que entrega canções que viriam a se tornar pérolas (escondidas e reveladas) do seu repertório. O disco já abre com um pé na porta: ‘Extra II (O Rock do Segurança)’ traz Gil cantando um rock brasil de versos afiados. Destaques para ‘Tempo Rei’ – canção sobre a passagem do tempo escrita por um homem de 32 anos (!!!) – e ‘Vamos Fugir’ – grande hit do disco, escrita em parceria com Liminha durante a viagem que fizeram à Jamaica para gravar com os The Wailers. Tem rock, tem reggae, tem forró e tem disco music – e em tudo isso a leveza de Gil à vontade, desfrutando do novo estúdio, dos avanços das técnicas de gravação e da companhia de uma banda antenada nas novidades musicais. (Leandro Pessoa)

Dia Dorim Noite Neon (1985)
Rock, pop, ijexá, reggae, críticas sociopolíticas, participação de Herbert Vianna, homenagem a Guimarães Rosa e seu eruditismo popular. Tudo isso está presente num disco que, embalado pela sinergia entre Gil e Liminha, sintetiza a essência do baiano, um mestre em explorar as tradições e produzir ressignificações ao combiná-las ao contemporâneo e até ao “futurível”. De um lado, “Casinha Feliz”, Diadorim de Grande Sertão: Veredas e a resistência sertaneja; de outro, “Nos Barracos da Cidade”, “Logos Versus Logo” e a noite neon das baladas e do primeiro Rock in Rio – do qual Gil participou, meses antes de lançar o trabalho que marcou seus 20 anos de carreira. (Nelson Oliveira)

Um Trem para as Estrelas – Trilha sonora (1987)
Em 1987, auge do Brock, o cineasta Cacá Diegues propõe uma ópera rock brasileira que conta a história de um jovem saxofonista pelas ruas do Rio de Janeiro. Com aparições de Fausto Fawcett, Cazuza e Paulinho Moska, o longa tem a trilha instrumental composta por Gilberto Gil, regada a muito sax e jazz. A única música cantada e mais conhecida é a própria “Um trem para as estrelas”, composta em parceria com Cazuza e que traz a dupla cantando junto. (Luciano Matos)

Em Concerto (1987)
As gravações ao vivo de Em Concerto mostram uma parte especial dos shows de Gil: o diálogo com o público. De certo modo, o artista apresenta o começo de sua carreira ao longo da primeira metade do disco, contando histórias e lembranças da época ao introduzir as faixas, das mudanças pelo Brasil (do sertão pra Salvador, de Salvador pro Sudeste) à saudade que o levou a compor “Mamma” durante o exílio. A conversa com o público segue no restante do álbum, com músicas que já eram um pouco mais recentes, como “Cores Vivas” e “Palco”, e dá pra ver bem a conexão de Gil com a audiência, principalmente ouvindo os coros de resposta da plateia em “Cores Vivas” e “Filhos de Gandhi”. As últimas faixas contam com a participação mais que especial de Jorge Mautner (com quem Gil fazia a turnê O Poeta e o Esfomeado) recitando textos entre as músicas. Mesmo sendo intervenções bem rápidas, não deixam de ser uma beleza, vide a leitura do poema “Moradia Certa”, de Maiakóvski, que deixa “Só Chamei Porque Te Amo” (versão em português da clássica “I Just Called to Say I Love You”, de Stevie Wonder) ainda mais bonita. (Breno Fernandes)

O Eterno Deus Mu Dança (1989)
Em 1989, Gilberto Gil não passava pelo momento mais brilhante e agitado da carreira. A própria MPB vivia um de seus momentos de menor popularidade. Naquele ano, Gil assume o cargo de vereador de Salvador pelo PMDB. Seu primeiro álbum de estúdio em quatro anos, O eterno deus Mu dança! traz as marcas do tempo, especialmente na sonoridade, que se tornou datada, especialmente com teclados e arranjos bem típicos daquele período. Isso não diminui o valor do trabalho, que traz, como as músicas mais conhecidas, o hit que dá nome ao trabalho e principalmente “Amarra o teu arado a uma estrela” (tema de abertura da novela O Salvador da Pátria, de 1989), mas também tesouros escondidos. “Baticum”, parceria com Chico Buarque, que participa cantando, é mais uma daquelas músicas de Gil em que ele mostra sua visão futurista, tratando de globalização e bens de consumo. A antimachista “Mulher de coronel”. A curtinha e bela “Toda saudade”, sobre as presenças e ausências. “De Bob Dylan a Bob Marley” é daquelas preciosidades que passaram despercebidas para muitos. A música parte de uma pichação para tratar no formato de samba-provocação da apropriação cultural. Debate ainda hoje atual, Gil reforça sua visão da assimilação cultural como algo natural e vivo, que move o ser humano e torna mais ricos as expressões culturais. (Luciano Matos)

Parabolicamará (1991)
Era 1992 e, na casa de minha primeira namorada, avistei um álbum cuja capa tinha algo que parecia uma antena parabólica feita a partir de um caçuá. Gilberto, gênio que é, antecipando a subversão das distâncias pela tecnologia, já na segunda faixa do disco nos avisou que ” Antes mundo era pequeno porque Terra era grande (mas,) Hoje mundo é muito grande porque Terra é pequena.” Nessa jornada, Gil, ainda não sei se sigo de jangada ou de saveiro. Além da música título, o álbum tem como destaque ainda “Madalena (Entra Em Beco, Sai Em Beco)”, adaptação para música de Isidoro, a homenagem a Dorival Caymmi, “Buda Nagô”, a primeira gravação de Gil para “De Onde Vem O Baião” e uma versão de “Sina”, de Djavan. Produzido por Liminha, Parabolicamará teve participação de Carlos Bala na bateria, Carlinhos Brown na percussão, Nana Caymmi cantando e Herbert Viana tocando slides guitar. (Eduardo Lubisco)

Tropicália 2 – com Caetano Veloso (1993)
Para celebrar os 25 anos de lançamento do clássico álbum Tropicalia ou Panis et Circencis, Gil se junta mais uma vez com Caetano Veloso. A lógica segue sendo semelhante, mesclando sonoridades e as diversas facetas da música brasileira e estrangeira. Por isso, música eletrônica, rap, Jimi Hendrix e axé music convivem com bossa nova, samba e baião. Não é tão brilhante e marcante quanto o primeiro, mas tem seus bons momentos. O principal é a música de abertura, “Haiti”, um semi rap forte e atualíssimo. Além de novas músicas da dupla como essa (em parceria ou não), há ainda versões de Olodum (“Nossa Gente”), Jimi Hendrix (“Wait Until Tomorrow”) e Riachão (“Cada Macaco no Seu Galho”). (Luciano Matos)

Unplugged (Ao Vivo) – 1994
O Barão Vermelho foi o primeiro, o dos Titãs teve mais sucesso comercial. Mas só o vigor vocal em “A Novidade” e a cama de cordas no começo de “Tenho Sede” já bastariam para, com apenas duas faixas, o “Unplugged (Ao Vivo)” de Gilberto Gil entrar em qualquer lista de melhores do Acústico MTV. Mais que isso: “Drão” e “Esotérico” ganham provavelmente as melhores gravações da discografia de Gil. A banda é um espetáculo: Celso Fonseca (violão), Marcos Suzano (percussão), Arthur Maia (baixo), Jorginho Gomes (bateria e bandolim) e Lucas Santtana (flauta). (Renato Cordeiro)

Quanta (1997)
Um dos discos mais conceituais de Gil. Idealizado enquanto um trabalho que dialogasse ciência, arte e fé, Quanta levou o compositor a mergulhar no mundo da física quântica, contando com a parceria do cientista César Lattes. O resultado é um disco duplo que transita naturalmente por esses campos (“entre a célula e o céu”), criando pontes conceituais entre física e química, samba e pop,  religião hindu, chinesa e afrobrasileira. Um pé na farmácia, outro no amor. Pop Wu Wei e a Dança de Shiva. Quanta, ciência e arte: cântico dos cânticos. (Breno Fernandes)

O Sol de Oslo (1998)
Em texto da época do lançamento de O Sol de Oslo, o jornalista Mauro Dias põe a questão: “se Gilberto Gil estivesse surgindo hoje, com sua música sofisticada, estaria gravando pela Pau Brasil, Velas, Eldorado, Kuarup”. Neste disco lançado de forma independente pela Pau Brasil (quatro anos depois de ser gravado e descartado pela WEA, diga-se), Gil foge de um formato mais saturado de seus discos dos anos 80 (“Dia Dorim Noite Neon”; “O Eterno Deus Mu Dança”) para uma música mais cabeçuda, digamos. Ao lado de Marlui Miranda (com quem tinha colaborado no disco “Ihu – Todos os Sons”, álbum-pesquisa sobre a música de povos indígenas), Rodolfo Stroeter – produtor, toca contrabaixo acústico e elétrico – além de Toninho Ferragutti no acordeom, do indiano Trilok Gurtu na percussão e do norueguês Bugge Wesseltoft no piano e teclados (entre outras participações), o disco marca também uma virada de Gil rumo ao sertão: dessas pesquisas viriam outros forrós e xaxados de discos posteriores (“Eu, Tu, Eles”, “Gil & Milton”; “Banda Larga Cordel”, “Fé na Festa”). Uma prova disso é o registro de duas músicas de Moacir Santos, “Ciranda” e “A Santinha Lá da Serra” – coisa rara naquele período. (Paula Carvalho)

As Canções de Eu, Tu, Eles – Trilha sonora (2000)
Lançado como trilha sonora do filme Eu Tu Eles, este álbum não costuma ser lembrando quando se fala da discografia “oficial” de Gil. Mas, ao contrário de muitas trilhas que são uma colcha de retalhos, esta tem coesão, tem a “assinatura” clara de um artista. O cenário do filme, o sertão, pede uma música tradicional, regional, em que o Brasil é mestre e tem um imenso cardápio à disposição. E, desses mestres do nosso sertão, o maior é Gonzagão, que havia gravado a maior parte das canções que aqui estão na voz de Gil. “Óia Eu Aqui de Novo”, “Juazeiro”, “Qui Nem Jiló” e outras obras-primas do repertório de Gonzagão ganham novo brilho em uma mistura entre o tradicional e o pop, o que Gil sabe fazer como poucos. Uma das poucas canções presentes no álbum que não foram gravadas pelo Rei do Baião é “Esperando na Janela”, de Targino Gondim, Manuca Almeida e Raimundinho do Acordeon. Mas, seguramente, o Mestre Lua ficaria feliz em ter gravado. Com justiça, a belíssima canção tornou-se um dos últimos clássicos do forró brasileiro. Mas, talvez, a melhor gravação seja mesmo “Assum Preto”, uma das mais emocionantes – e tristes – peças do cancioneiro brasileiro, parceria entre Gonzagão e outro mestre, Humberto Teixeira. (Roberto Midlej)

Gil & Milton – com Milton Nascimento (2000)
Na mesma lógica de outras parcerias de sua discografia, Gil se junta a um ícone da música brasileira de sua geração. Dessa vez é Milton Nascimento, que não só divide os vocais como autoria de boa parte das camções. São deles “Sebastian”, “Duas Sanfonas”, com participação de Sandy e Júnior, “Trovoada”, “Lar Hospitalar” e “Dinamarca”. O álbum traz também versões de autores diversos, como “Something” (George Harrison), “Maria” (Ary Barroso/Luis Peixoto), “Yo Vengo A Ofrecer Mi Corazón” (Fito Paez), “Dora” (Dorival Caymmi), “Xica da Silva” (Jorge Ben Jor) e Baião da Garoa (Luiz Gonzaga/Hervé Cordovil). Além de regrações de sucessos da carreira dos dois, que aparecem em novas leituras ou como vinhetas. (Luciano Matos)

Kaya N’Gan Daya (2002)
Gilberto Gil ficou encantado pelo reggae desde que conheceu o ritmo jamaicano durante o exílio londrino no início dos anos 70. O ápice deste apaixonamento musical frutificou em Kaya N’Gan Daya (2002) – um álbum em homenagem à Bob Marley. Ao revisitar o repertório do Rei do Reggae, Gil trouxe à tona a força de alegria e espiritualidade de sua obra. Destaques para as releituras de “One Drop” e “Three Little Birds” – momentos em que o ritmo jamaicano e elementos da música brasileira se encontrando fazendo os olhos brilharem. O álbum foi gravado no Rio de Janeiro e na Jamaica, estabelecendo uma ponte com o antológico estúdio Tuff Gong. A ficha técnica é classuda e conseguiu reunir membros das bandas The Wailers (que acompanhava Marley), Paralamas do Sucesso, Skank, o coro The I – Three, Rita Marley, Erro Brown, Sly and Robbie.
As gravações do álbum renderam ainda a gravação de um DVD ao vivo e do documentário “A Viagem de Gilberto Gil na Terra de Bob Marley”. (Leandro Pessoa)

Z: 300 Anos de Zumbi – Trilha sonora (2002)
Trilha sonora composta para o espetáculo “Z – 300 Anos de Zumbi” do Balé da Cidade de SP. Com produção musical de Rodolfo Stroeter, conta com participação e parcerias com Carlinhos Brown e Marlui Miranda, além de uma banda com nomes como Lucas Santana e Gustavo di Dalva. Nunca pensado como disco, a obra foi concebida para musicar os movimentos corporais da companhia. Por isso são faixas quase todas instrumentais com ênfase em percussão, ruídos, vozes e murmúrios, ressaltando as relações da musicalidade brasileira com a África. (Luciano Matos)

Gil Luminoso (2006)
O nome desse álbum representa bem o seu conteúdo: “Gil Luminoso” é quase uma antologia das canções mais meditativas (pra não dizer iluminadas) de Gil. Com novos arranjos para voz e violão, as versões ganham um tom intimista que nos aproximam ainda mais do compositor. Em meio ao silêncio que os permeia, o canto e o tocar de Gil ecoam e reverberam no ouvinte. Daqueles álbuns pra ouvir com calma e atenção. E sair pelo menos um pouco diferente de cada escuta. (Breno Fernandes

Banda Larga Cordel (2008)
Apesar de ter ficado algum tempo sem lançar um álbum majoritariamente de inéditas (o último havia sido Quanta, em 1997) e de ter sido indicado para o Grammy Latino, na categoria de “melhor álbum de cantor-compositor”, Banda Larga Cordel traz um Gil não tão inspirado. Ele ainda era Ministro da Cultura quando lançou o álbum e mostra um trabalho inconsistente, mas ainda assim com seus bons momentos, especialmente na parte mais densa e delicada. “Olho mágico” (feita para o reality show Retrato Celular), “A Faca e o Queijo”, “Outros Viram” e “Não tenho medo da morte”, que entrou para as canções antológicas do baiano, são os melhores momentos. (Luciano Matos)

Fé na Festa (2010)
Elogiado pela crítica especializada em seu lançamento, em 2010, por trazer Gilberto Gil de novamente para um ambiente que ele adora, Fé na Festa é um retrato puro dos festejos juninos do povo nordestino. Em 13 faixas, o músico e imortal da Academia Brasileira de Letras passeia com a propriedade habitual por xote, xaxado, maxixe, baião e forró. É um dos trabalhos mais leves do cantor e compositor baiano, que mesmo tendo outros importantes álbuns que registram a cultura nordestina do sertão, prefere, dessa vez, focar na beleza e alegria da festa, seus encantos e poesia. Dançante do início ao fim, faz duas belas homenagens ao mestre sanfoneiro Luiz Gonzaga com “Aprendi com o Rei” e com nova versão de “Dança da Moda”, lançada em 1950 por Gonzagão. (Marcos Casé)

Concerto de Cordas e Máquinas de Ritmo (2012)
Juntar uma orquestra sinfônica e a sua banda para promover o Concerto de Cordas e Máquinas de Ritmo. Foi assim que Gilberto Gil resolveu comemorar seus 70 anos, em 2012. Ao lado da percussão, as máquinas de ritmo de primeira geração, estavam PADs, MPCs e outros apetrechos que o artista classificou como a segunda geração das máquinas de ritmo. Coube à Orquestra Petrobras Sinfônica, sob a regência do maestro Carlos Prazeres, dar o tom solene da música de concerto ao trabalho com as orquestrações de Jaques Morelenbaum. O disco revisitou obras consagradas de Gil, como “Eu Vim da Bahia”, “Estrela”, “Domingo no Parque” e “Andar com Fé”. Ele ainda apresentou algumas releituras, como “Outra Vez”, de Tom Jobim, e “Juazeiro”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira”. Ainda teve espaço para colocar luz sobre algumas canções alternativas do repertório do artista baiano, como “Futurível”, “Quanta”; a própria “Máquinas de Ritmo”, nome do álbum; e “Não Tenho Medo da Morte”. Nesta, Gil sozinho, apenas batucando no violão, canta uma reflexão profunda sobre a diferença entre morrer e a morte: “a morte é depois de mim, mas quem vai morrer sou eu”, afirma na letra. O trabalho que Gilberto Gil faz neste disco explora a capacidade de suas composições serem o ponto de encontro de diversos universos musicais. O álbum apresenta uma imagem até certo ponto erudita de Gil, pois dá um tratamento sofisticado, solene e, por vezes, até pomposo para sua obra. Ao mesmo tempo, coloca o seu repertório no centro de diversas tendências aparentemente opostas, como a banda popular e as orquestras sinfônicas, a tradição acústica e uma forma de modernidade com os sons eletrônicos. É como se, a partir das suas composições, Gil mostrasse as possibilidades de comunhão de todos os universos musicais que são explorados no álbum. (Marcelo Argôlo)

Gilbertos Samba (2014)
Produzido por Moreno Veloso e Bem Gil, este álbum homenageia João Gilberto com 10 canções de seu repertório (“Eu Sambo Mesmo”, “Aos Pés da Cruz”, “Doralice”, etc) e inclui também duas composições inéditas de Gil sobre o mestre – “Um Abraço no João”, instrumental, e “Gilbertos”. Pela própria forma que o disco toma, com muita cara de Gil apesar de tudo, ele também mostra como as “heranças” de João Gilberto são diversas: a dele muito diferente da de Caetano Veloso, por exemplo. Como resume o próprio no álbum: “Aparece a cada cem anos um mestre da canção no país, e a cada vinte e cinco um aprendiz”. (Paula Carvalho)

OK OK OK (2018)
OK OK OK nasceu em meio à escalada fascista no Brasil, com artistas questionados sobre nosso estado de coisas. A resposta de Gil veio no triste ano de 2018, com a faixa-título reunindo a recusa aos messianismos com distorções afins às cacofonias atuais. Em verdade, este é um álbum de crônicas, com menos jogo poético e mais pensamento cantado. O artista encara a passagem do (seu) tempo versando sobre envelhecimento, saúde e família, além de dedicar canções ao violonista Yamandú Costa e ao médico Roberto Kalil – nesta última, quase parece voltar aos tempos em que fazia jingles. (Renato Cordeiro)

Gil – Trilha sonora do Grupo Corpo (2019)
Mais uma trilha sonora de Gil, agora para um espetáculo em sua homenagem  criado pelo grupo Corpo. São 40 minutos divididos em quatro ambientes musicais: choro instrumental, uma abordagem camerística (com inspiração de Brahms ou Satie), improvisação e a construção abstrata de figuras geométricas. Neste espectro musical, surgem tanto elementos afro-baianos quanto fragmentos de músicas conhecidas de Gil totalmente retrabalhadas, como “Aquele Abraço”, “Andar com Fé”, “Toda Menina Baiana” e “Tempo Rei”. (Luciano Matos)

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