Depois de ter sua inauguração adiada duas vezes por conta da pandemia de COVID-19, a Cidade da Música da Bahia, que inicialmente seria aberta em março deste ano como parte da celebração dos 472 anos de Salvador, foi oficialmente inaugurada pela prefeitura no dia 23 de setembro. Desde então, as portas do museu estão abertas para o público, e o el Cabong foi conferir o espaço para compartilhar a experiência com nossos leitores.
Com área total de 1.914,76 m², a Cidade da Música da Bahia ocupa o Casarão dos Azulejos Azuis, prédio do bairro do Comércio tombado pelo IPHAN em 1969, que foi recuperado para a sua criação. O acervo do equipamento, majoritariamente composto por material audiovisual, é distribuído ao longo de seus quatro pavimentos, cada qual com um recorte específico.
Ao adentrarmos o Casarão, no hall de entrada do museu, somos recebidos por uma fileira de telas verticais reproduzindo imagens alternadas de diversos nomes da música baiana presentes no acervo, de Gal Costa a Josyara e Vandal, passando por BaianaSystem, Larissa Luz, Gilberto Gil e OSBA, destacando a diversidade da produção musical baiana e da própria Cidade da Música. Junto a isso, a decoração do espaço e a seleção de faixas tocando nas caixas de som constroem o clima do ambiente e preparam os visitantes para adentrarem as exposições.
Ainda no térreo, podem ser acessadas a recepção/bilheteria, um café, a loja, a mediateca e a biblioteca, com livros sobre música baiana e brasileira. Embora não seja permitido o empréstimo de exemplares, a leitura dentro do espaço é gratuita, e não há limite de permanência no local.
As exposições propriamente ditas ficam localizadas nos pisos superiores da casa. No 1º andar, o destaque é dado à história da música soteropolitana, na seção “A Cidade de Salvador e sua Música”. Nela, várias cabines espalhadas por uma sala escura reproduzem vídeos que contam a história musical de Salvador a partir de recortes por grupos de bairros. Dos blocos afro da Liberdade ao pagodão de Cajazeiras, do samba do Bonfim à trajetória da Timbalada no Candeal, o passeio pela seção apresenta as histórias das principais manifestações musicais de nossa cidade. Além das cabines dos bairros, o 1º andar contempla uma outra sala repleta de telões, onde são exibidos vídeos com depoimentos de artistas.
Já o segundo andar, que abriga a exposição “História da Música da Bahia”, é composto por nove cabines de vídeo e três salas. Cada uma delas é voltada para um tema diferente, e aprofunda-se um pouco mais em aspectos particulares da música baiana. Nas cabines, os vídeos temáticos apresentam tanto a história de grandes nomes da música, como Gilberto Gil , Gal Costa, Maria Bethânia, Raul Seixas e Caetano Veloso, quanto a trajetória de gêneros importantes para o estado, como rock, forró, arrocha, samba de roda e chula.
Nesse andar, a música sinfônica também é destacada. A sala “A Magia da Orquestra”, elaborada em parceria com a OSBA, apresenta passo a passo o funcionamento de uma orquestra e os instrumentos que a compõem. A 7ª cabine temática apresenta vídeos voltados para as obras de Koellreuter, Widmer, Smetak e Vivaldo da Conceição, assim como para o trabalho das filarmônicas baianas. Nessa mesma cabine também são exibidas crônicas audiovisuais do professor Paulo Costa Lima, que costuma analisar canções de modo bastante criativo e interessante em suas redes sociais.
Também no segundo andar ficam as salas “A Nova Música da Cidade”, que apresenta videoclipes de artistas emergentes em alta resolução, com acompanhamento de jogo de luzes, e “Quem Faz a Música da Bahia”, onde são exibidos alternadamente 260 depoimentos de personalidades da música baiana.
O terceiro e último andar do museu é o mais interativo de todos. Nele, os visitantes podem cantar em cabines de karaokê, com a opção de receber o registro em vídeo da experiência por e-mail, e apresentar suas rimas na sala “Rap e Trap, poesia consciente”, onde são reproduzidos vídeos de rappers, trappers e poetas de todo o país. Também há cabines para exibição de mini-documentários sobre percussão e projetos sociais como a Pracatum e o NEOJIBA, além de jogos simulando o controle de mesas de mixagem sonora.
A interatividade, aliás, marca todo o percurso da visitação da Cidade da Música. Desde a entrada no espaço, os visitantes podem conectar-se à rede wi-fi e utilizar seus celulares para interagir com as exposições, selecionando vídeos para reprodução, respondendo quizzes e participando de jogos.
O terceiro andar também abriga um estúdio de percussão, onde os visitantes podem conhecer melhor os instrumentos que compõem os sets percussivos mais utilizados na música baiana e, com a orientação de um guia, criar e tocar um ritmo conjuntamente. Como medida de precaução contra a disseminação da COVID-19, atualmente não se pode tocar os instrumentos, apenas utilizando o próprio corpo nessa atividade, mas no futuro o uso dos instrumentos de percussão também deve ser disponibilizado.
Em um estúdio anexo à sala da percussão, um projeto muito interessante está previsto para acontecer, o “Novos Talentos”. Com essa ação, a Cidade da Música produzirá gratuitamente todo mês uma música e um clipe de quatro novos artistas selecionados pelo equipamento, em um movimento de impulsionamento da cena baiana, que por sua vez fomenta o próprio acervo do museu.
A curadoria das exposições da Cidade da Música foi feita pelo antropólogo Antonio Risério, pelo arquiteto Gringo Cardia e pelo rapper Vandal. A dupla Gringo e Risério já havia trabalho conjuntamente na elaboração da Casa do Carnaval, outro recente equipamento cultural de Salvador, inaugurado em 2018. No trabalho de criação da Cidade da Música, Vandal juntou-se aos dois, contribuindo principalmente com a curadoria do acervo ligado à produção contemporânea das periferias de Salvador.
Em grande parte, as escolhas curatoriais do trio, assim como do resto da equipe envolvida no processo de elaboração da Cidade da Música, são bem-sucedidas. Se por vezes na história da Bahia, em especial no auge da axé music, a hegemonia temporária de alguns gêneros musicais ofuscou parcialmente as outras produções do estado, é animador ver a tentativa do museu de valorizar da melhor maneira a pluralidade musical baiana.
Inevitavelmente, cada visitante pode sentir falta de uma abordagem mais significativa de determinado artista ou movimento. Frente ao desafio de reunir em um só lugar séculos de história e a multiplicidade das manifestações musicais baianas, a maneira como o acervo foi construído, no entanto, consegue dar conta de torná-lo o mais abrangente possível. Há uma real valorização da diversidade musical do estado ao mesmo tempo em que é favorecido o encontro entre histórias e manifestações diversas, amplificando o diálogo entre passado, presente e futuro da sua música.
A Cidade da Música da Bahia funciona de terça a domingo, das 10 às 18 horas. A sua visitação, que pode durar até uma hora e meia, precisa ser agendada previamente através do site agendamentocidadedamusica.salvador.ba.gov.br. Feita a reserva, os ingressos, que custam R$20,00 (inteira) e R$10,00 (meia), são adquiridos na recepção do local. Com a comprovação de residência, todos os moradores de Salvador pagam meia entrada.
Por Breno Fernandes