Nascido na Zona da Mata canavieira pernambucana, mais precisamente em Nazaré da Mata, a “Terra do Maracatu”, desde cedo Anderson Miguel da Silva Adão esteve envolvido com o ritmo pernambucano. Seguindo uma tradição familiar, aos oito anos passou a participar de ensaios e encontros musicais arriscando versos. Pouco tempo depois, ainda garoto, assumiu o posto de contra-mestre dos veteranos Mestre Aderito, seu pai, e Mestre Zé Flor. Iniciou no macaratu Cambinda Brasileira, grupo de Baque Solto mais antigo em atividade, com 100 anos de história. Depois passou pelo Sonho de Criança. Com a herança da prática centenária do maracatu, aos 15 anos, ganhou a alcunha de mestre, assumindo o comando do Maracatu Águia Misteriosa, onde está até hoje, contribuindo para o título de campeã do carnaval, em 2019, pelo grupo 1, e segundo no grupo especial, em 2020.
Nos terreiros, ao ritmo das alfaias, ganzás, gonguês, taróis, trombones e cornetas, ele é a voz que comanda o maracatu com seu canto e o silvo do apito. O embalo de seus versos, improvisos e rimas dita a cadência e promove a dança dos caboclos de lança com suas fitas coloridas na cabeça, manta coberta de lantejoulas, um cravo branco na boca e uma lança nas mãos. No palco e nas gravações, segue os preceitos da cultura popular, leva os ensinamentos do maracatu e da ciranda apontando para ares contemporâneos em um formato adaptado com guitarra, trompete, bateria e percussão. Partindo do passado, mantendo as características e apontando para outros rumos, novos caminhos. Sob a dinâmica da cultura popular, adapta, move e segue em frente. A tradição em sintonia com os movimentos do hoje. A partir dos terreiros ganham o mundo espalhadas em fibra ótica. Um convite para uma viagem por centenas de anos.
Mestre Anderson Miguel é tradição e é contemporaneidade. É o diálogo de manifestações antigas e populares com os dias atuais. Cantor, compositor, produtor de improvisos, fazedor de rimas, mestre de maracatu, mas também cirandeiro e cantor de forronejo, aos 24 anos Mestre Anderson Miguel já tem três discos. Os dois primeiros, lançados de forma independente, não chamaram tanta atenção quanto o terceiro, Sonorosa (2018), que saiu pela EAO Records com produção de Siba e participação especiais de Juçara Marçal e Jorge Du Peixe. Através deste disco, Mestre Anderson passou a circular mais pelo país, se apresentando em festivais como No Ar Coquetel Molotov (Recife), Coala (São Paulo) e Radioca (Salvador).
Nessa entrevista para o el Cabong, realizada através do whats app, conversamos sobre a tradição do maracatu e da ciranda, a função de mestre, suas referências, como cria as rimas e versos e muito mais. Leia ou ouça na íntegra, sem edição.
Aproveite a entrevista escutando o álbum Sonorosa:
– Você tem uma trajetória muito bonita com o maracatu e a ciranda desde muito novo. Queria que contasse como foi seu início. Como começou essa relação com a cultura popular?
O início há sempre dificuldade e não foi diferente comigo. Eu iniciei primeiro no maracatu, comecei a cantar muito jovem. Com 8 anos de idade já estava nos ensaios de sambada, dos maracatus. Sempre com o apoio da minha família, especialmente meu pai, que também cantou maracatu e sempre me apoiou. Também buscando conhecimento com quem já estava cantando há muito tempo, como por exemplo os mestres Barachinha, Zé Galdino, João Paulo, Antônio Roberto, Zé Flor, Antônio Paulo Sobrinho, entre outros que a gente não pode deixar de falar também. O maracatu é muito importante na minha vida, porque foi como comecei a me aproximar um pouco mais da cultura. Depois de um tempo, de já estar situado no maracatu, de ter um conhecimento e um espaço garantido, aí foi quando eu pensei também em entrar na ciranda. Foi uma coisa muito natural, mas que também aconteceu através do próprio maracatu, que foi sempre dando coragem, força, experiência, adquirindo também com os mestres da velha Guarda e eu comecei a entrar na ciranda. Mas a base de tudo isso, esse respeito, esse amor com a cultura vem do maracatu. O maracatu na minha vida é fundamental, também os mestres, os terreiros que participei, os maracatus que me deram essa oportunidade de poder estar ali, cantando, brincando. Não posso esquecer do Maracatu Cambinda Brasileira, que foi quem me deu a primeira abertura, depois veio o Maracatu Sonho de Criança, veio também o Águia Misteriosa, que é onde estou no momento e que também foi o maracatu que teve coragem de me colocar como mestre oficial, com quinze anos de idade. Cada um tem uma parcela de contribuição. Cambinda, por me revelar, o Águia por me dá essa oportunidade pra ser mestre. Eu digo que o Cambinda me pariu e o Águia me criou até hoje.
– Sei que seu pai foi uma grande referência para você? Você citou alguns mestres, mas quais foram suas referências e foram fundamentais em sua trajetória?
Meu pai é fundamental nessa minha trajetória como mestre de Maracatu, porque ele nunca desistiu. Sempre cobrando de mim a responsabilidade, o compromisso com as coisas, botando em primeiro lugar o estudo, que é muito importante. Pra ser mestre, você tem que estudar também, não é só ter o talento ter o dom, ter o ensinamento, tem que estudar pra poder conduzir uma nação. E ele até hoje é referência pra mim. Até hoje ele cobra, não importa o tempo que eu entrei em maracatu ou digamos que um pouco de experiência que adquiri desses doze de maracatu, de cultura, até mais. Coloco sempre doze anos, porque foi em 2008 que eu comecei realmente a cantar maracatu profissionalmente. Mas também eu quero citar aqui Barachinha, que além de ser mestre, amigo, é um conselheiro. Uma referência não só pra mim, mas pra geração nova da gente. O Barachinha é fundamental nisso. Uma pessoa que tá sempre querendo o bem da gente. A geração nova agradece muito a ele, não só ele, mas também outros mestres, João Paulo, Zé Galdino, que perdemos recentemente, mas também é uma referência pra nossa cultura. São pessoas que eu tenho gratidão e respeito, mau pai, Barachinha, Zé Galdino, Zé Flor, Antônio Roberto, que no meu início foi quem me deu também muito ensinamento, de como cantar um verso de maracatu, colocações de frase, de estrofe, ele foi muito importante nisso também.
Eu sempre falo que a palavra mestre é muito forte e quando você adquire é preciso ter muita responsabilidade”.
– Você é muito novo, mas já é considerado mestre. Como funciona isso, como você chegou a se tornar mestre?
Olha, eu sempre falo que a palavra mestre é muito forte e quando você adquire é preciso ter muita responsabilidade. Acredito que eu tive a sorte e o privilégio de poder iniciar com os mestres. Fica mais fácil você poder saber a importância desse título mestre. Claro que comecei muito novo, mas desde novo que eu venho aprendendo. Eu sou muito curioso, porque eu procuro sempre aprender com quem já sabe. Eu acredito que a gente sempre aprende com a velha guarda, com os mestres mais velhos, pra que lá na frente eu possa repassar tudo isso que aprendi com eles pra quem tá chegando também. E ser mestre não é só cantar. Ele carrega uma liderança muito forte dentro do maracatu, em qualquer nação, e eu procuro sempre respeitar o povo pra também ser respeitado. E se eu não respeitar, eu vou respeitar a quem? Vou ganhar o respeito de quem? É uma questão de sabedoria, de lealdade ao grupo, de responsabilidade, principalmente, e de compromisso. Aí sim, você consegue receber o respeito dos folgazões (N.E.: brincantes de Maracatu de Baque Solto), dos brincantes. Até porque não é fácil o maracatu confiar num jovem. Na minha época, eu comecei a cantar com oito anos, mas com quinze anos já era mestre de maracatu grande, que era Águia Misteriosa. Então, veja a coragem do maracatu poder confiar em um jovem de quinze anos uma liderança de um mestre. Eu procurei sempre buscar com quem já sabe, com quem já sabia, como conduzir uma nação. Eu não tive essa vergonha de sempre querer aprender. E até hoje faço isso, até hoje eu procuro e busco conhecimento com com a velha guarda. Eu não tenho essa soberba de dizer que só porque eu sou mestre que eu já sei de tudo não. Eu procuro sempre manter o pé no chão, humildade e respeitar também os mestres, respeitar também as pessoas de maracatu, pra poder dar continuidade a essa trajetória nossa que não é fácil. Então é isso, a palavra mestre é muito forte, ser mestre, também não é muito fácil não, mas estamos aí, com muita humildade, lealdade, respeito, às pessoas, à tradição do Maracatu que existe.
– Você ganhou maior projeção fora de Pernambuco com o álbum Sonorosa, mas já tinha um trabalho anterior, queria que falasse um pouco deles e que diferenças existe entre eles, especialmente comparando com o Sonorosa.
Realmente, o disco Sonorosa que eu gravei em 2018 foi que me expandiu um pouco mais fora do estado de Pernambuco, me levou a diversos festivais, a lugares que eu achava que não iria, naquele momento eu achava que não iria ir tão longe como a gente conseguiu com esse disco. Claro, que lá atrás já tinha um projeto feito, já tinha um trabalho realizado, que também contribuiu pra o Sonorosa sair. Essa junção do maracatu com a ciranda, que eu já fazia antes e agora a gente só fez mudar pouca coisa, poder inovar um pouquinho sem ferir a tradição. Era esse cuidado que a gente tinha, eu e o Siba de não ferir a tradição. Siba já vem fazendo isso há muito tempo, de buscar, de resgatar nossa cultura, de poder inovar um pouquinho sem ferir a tradição da gente. Ele já faz isso muito bem e também entramos nesse caminho. Claro que com maior cuidado do mundo. Eu tinha cuidado porque as pessoas aqui ainda mantém a tradição do maracatu, de ciranda. Tem pessoas que ainda tem esse medo da gente querer mudar muita coisa, esquecer a raiz, mas claro que a gente não vai jamais ferir a nossa tradição. E esse disco pra mim foi muito importante e é até hoje. Participei de festivais grandiosos como o Coala, lá em São Paulo, também o Radioca lá em Salvador, teve o Coquetel Molotov também aqui no Recife, também teve lançamento lá no SESC Pompeia. Agora também o disco está (disponível) em vinil. A Três Selos também deu essa alegria pra gente de colocar nosso disco em vinil. De antemão, agradecer aí a toda família Três Selos em São Paulo pelo carinho. Foi tão rápido tudo acontecendo que até hoje eu acho que é um sonho. Mas é realidade, graças a Deus. É realidade e somos muito grato por isso e claro que cada um tem uma parcela de contribuição. Tanto o disco, que a gente conseguiu ir um pouco mais distante, como o trabalho que eu faço aqui também, que é o maracatu, que é a ciranda, a Ciranda Raízes da Mata Morte, que é um grupo que eu tenho aqui, que também tem uma parcela de contribuição, porque foi onde tudo começou. Cada um deu uma mãozinha para o bolo inchar. E é só gratidão, cara, gratidão e agradecer a Deus a toda a toda equipe, a todos os músicos que trabalham comigo aqui na Mata Norte, também que trabalha comigo lá em São Paulo. É uma família muito grande e nós só temos que agradecer por isso.
– Como foi que aconteceu de trabalhar com Siba e qual a importância para dele você?
Trabalhar com Siba pra mim é muita alegria e honra. Poder estar do lado dele ali, um grande músico, eu sou um grande fã. Antes da gente ser parceiro, eu sou grande fã dele e nos conhecemos também no maracatu. Ele chegou a ouvir um show meu de ciranda por telefone, mais de uma hora, junto com o Barachinha, conversando no telefone. Ele em São Paulo, Barachinha em Nazaré da Mata, no meu show Ciranda. Foi o show que eu fiz no dia 8 de dezembro de 2012, meu primeiro show de ciranda na cidade. E ele foi ouvir quase uma hora de de show pelo telefone. Conseguimos criar um laço de amizade através daí também. Barachinha também foi mentor desse contato e trabalhar com ele é muito massa. Ele é um um grande músico, pra mim padrinho da música que eu achei que não queria ter e tenho. E um amigo, principalmente. O trabalho é feito com muito respeito entre nós. Apesar que ele já tem uma experiência muito maior que a minha, mas é um cara que escuta também, que sempre procura me deixar à vontade e isso faz com que o trabalho dê certo. Falar dele pra mim… não tenho o que falar, porque são tantas coisas boas que a gente acaba esquecendo, mas gratidão também a ele, eu tenho muita. Gratidão e respeito pela pessoa que é, pelo mestre que é, pelo músico que é, pelo amigo que é. A gente dividiu muitas canções também, a gente dividiu composições no “Cirandeiro”, também no Sonorosa, e no “Hoje na Hora”, junto com o Jorge do Peixe. A gente conseguiu também fazer parcerias em canções no disco que pra mim é muita honra. Espero que venha mais parcerias aí, a gente tá só começando e também dizer que ele, além de produtor musical, de ser mestre, é um grande amigo meu. Quem tiver o prazer de trabalhar com ele, agradeça, porque eu tenho e tive, estou tendo esse prazer, esse privilégio de poder trabalhar com Siba.
– Imagino que para criar versos, rimas e melodias dos maracatus e ciranda precisa ter talento e criatividade, mas também uma técnica, como é o processo de suas criações?
É sempre difícil criar, compor. Inspiração é uma coisa que eu queria ter todo dia, mas não tenho. (risos) Brincadeira. Tem dia que a gente consegue compor, tem dias que não. Quando eu faço uma canção, uma ciranda, um verso, a poesia vem de encontro a gente. Mas agora eu tô meio que fora de ritmo, porque também tô sem praticar. Eu acho que também você cantando constantemente, você consegue criar com facilidade. A gente tá há mais de um ano parado, sem fazer shows, sem fazer evento e eu criei muito pouca coisa. Maracatu principalmente, me sinto um pouco meio enferrujado, porque antes a a gente tava trabalhando quase todo dia. Tinha evento todo final de semana, tinha algum encontro, sambada, ensaio. Você ia praticando, já ia pegando aquele manejo, todo momento tava cantando ali. E agora a gente parou e eu já me sinto com dificuldade de poder criar. Claro que a gente sempre estuda, busca sempre criar coisas novas. Eu sempre gosto de tá atualizado, tá lendo, tá vendo reportagem no jornal, pra poder aperfeiçoar. Quando já se tem o dom, ainda se tem um pouco de facilidade. Falta só poder manter o ritmo e esse perdi durante a pandemia, mas acredito que consigo com o tempo aí. Quando retornar na pós-pandemia vai poder voltar a fazer tudo de novo e a gente vai poder tentar retornar a esse ritmo que a gente tinha. Mas eu sempre acho que há dificuldade, mas também não há desistência, é sempre a resistência. Quando se tem um talento e o dom, você já se sente um pouco mais de liberdade pra poder fazer as coisas com mais facilidade. A ciranda é mais fácil. Porque a ciranda você faz um repertório, tá montado lá, você pode cantar constantemente. Já o maracatu não, maracatu tem que tá criando, porque a gente não pode repetir um verso. Injusto isso, né? (Risos) Mas aqui é isso, o mestre não pode repetir um verso, então tem que ser verso novo toda hora, então haja cabeça. A gente usa muito improviso e improviso, às vezes não sai perfeito como a gente quer, aí tem que apelar pelo escrito, pelo decorado, pelo material já feito. Sorte do mestre que tiver na noite boa num dia bom, de poder estar bem com a deusa da poesia.
Eu não tenho essa soberba de dizer que só porque eu sou mestre que eu já sei de tudo não. Eu procuro sempre manter o pé no chão”.
– Quais os caminhos e inspirações para suas composições?
Eu sempre busco me atualizar pra poder buscar inspirações. Claro que as vezes a gente tenta fazer e não consegue. Eu sempre falo também que a música e a poesia vêm de encontro a quem vai compor. Procuro sempre ter essa paciência, mas também a gente pode buscar lendo, vendo jornais, reportagem, se atualizando, assim a gente consegue compor alguma coisa. Quando tem tem um projeto futuro, você tem que sentar, planejar, aí eu me dedico bastante pra fazer um trabalho eh bem feito, que possa agradar o público.
– O que você considera que traz de particular para o maracatu e a ciranda?
No maracatu, particularmente, depois da minha vinda, a gente conseguiu abrir espaço pra uma nova geração. Claro que eu já venho me espelhando na velha guarda e em alguns mestres também de pouca idade, como Carlos Antônio, Veronildo, mestre Huck, que na época eu comecei era jovem, devia ter 28, 30 anos cada um. Eu vinha chegando muito jovem ainda. Depois que eu comecei a surgir no maracatu, veio essa minha geração, começou a agregar mestres jovens. E também na ciranda não foi diferente, porque a gente aqui só tinha Zé Galdino, João Limoeiro, Santino, Jaquim também, Carlos Antônio. E depois que eu comecei a cantar a ciranda, apareceu agora o mestre Bi, o mestre Gabriel, Josivaldo Caboclo, que veio de uma família muito rica em cultura. É da família de Bio Caboclo, seu pai, que canta maracatu, canta coco, canta repente. Também veio o Guilherme Rick, mas que também não deu continuidade, mas que sempre vai agregando tudo. Essa mistura, essa coragem que a gente tem de poder, incentivar e apoiar a quem tá chegando.
– Além desse trabalho com maracatu e ciranda você tem uma carreira cantando sertanejos, pagodes e forrós mais eletrônicos. Você encara de forma diferente essas variadas formas? Também é autoral? Tem uma dificuldade em manter essa outra carreira?
É difícil você poder conduzir três funções ao mesmo tempo. A minha vida como artista é toda na cultura popular. Maracatu primeiramente, depois vem a ciranda e o sertanejo e forró. O forrónejo, que eu faço aqui, é difícil porque você sai de um público pra ir pra outro público. É preciso ter muita coragem pra isso, mas a gente tem conseguido o espaço. A gente consegue conciliar tudo isso. Particularmente, a gente já vê que nos lugares que a gente canta o forrónejo, a gente não via antes o maracatu e a ciranda, hoje já vê, porque eu levo e sempre vou levar o nome da cultura popular comigo. Isso não vai ser apagado nunca. Onde a gente chega, nos barzinhos, eu sempre canto uma ciranda, o pessoal pede, sempre canto um verso de maracatu. Se torna uma mistura muito boa, onde a gente vê pessoas que não dava valor, que não conhecia, começaram a dar e olhar com mais carinho. E tem o cuidado de poder agradar as pessoas, porque você sai de um maracatu, pra ir pra uma outra linha musical, aí é preciso ter muito cuidado pra não ferir também. Porque eu já tenho outra ideologia do que já é feito lá, do que é feito nos barzinhos, mas eu tento levar isso numa boa. A gente também tinha no começo uma dificuldade, ainda tem, na questão do nome, Mestre Anderson Miguel. Fica aquela dúvida, ele vai cantar o que, vai cantar maracatu, ciranda? Muita gente não ia pro show, às vezes achava estranho. Depois que começou a me ver pelo Instagram, já viu que que eu faço também outra coisa além do maracatu e a ciranda. Isso foi com o tempo e vai ser com o tempo, a gente ainda tá conseguindo o espaço aos poucos, mas com muito cuidado pra não se perder. A gente sempre tem esse cuidado, porque eu sempre tento dividir as coisas. Maracatu, ciranda e forrónejo. Uma coisa de cada vez, pra que a gente não possa se misturar e se perder no caminho.
– Como tem sido agora que o último disco já tem três anos de lançado?
O disco que me levou um pouco mais longe do meu estado. A gente sabe que a pandemia atrapalhou muita coisa, os projetos que a gente tinha com esse disco. A gente conseguiu ainda andar boa parte do país, em vários estados, com disco e tínhamos mais projetos pra ele. Pena que a pandemia veio e a gente teve que estacionar um pouco. Esperar que passe tudo isso pra poder dar continuidade. A minha ideia é poder lançar outro disco, mas não deixar esse esquecido. A gente ainda pretende fazer muita coisa com ele, mas que eu acho que um novo disco pode também puxá-lo. É uma mão lavando a outra, né? A gente já pensa nisso aí pra ano que vem, lançar um novo disco. Eu já penso fazer outros projetos também, mas de antemão a gente vê que o novo disco lá na frente será de importância muito grande pra esse disco que já foi lançado, que é o Sonorosa. A gente tem que fazer uma coisa que possa juntar os dois e poder caminhar com eles.
– Como enxerga seu trabalho dentro da tradição do maracatu e ciranda?
O meu trabalho é de manter tradição do maracatu e da ciranda. Eu vejo comigo mesmo que pretendo dar continuidade a uma tradição da minha família e passar em geração em geração. Claro que a liderança conta muito nessa parte, eu procuro também me manter nesse porte de liderança, mesmo sendo jovem. Eu tenho carregado isso comigo, até por ensinamento da velha guarda, dos mestres velhos também, dos veteranos, que eu tenho aprendido muito e ainda tô buscando conhecimento. A gente divide conhecimento juntos. Hoje a gente tem que aproveitar a modernidade, mas sem esquecer a tradição, como eu sempre falo, sem ferir a tradição. É um trabalho muito simples, mas muito verdadeiro, é um trabalho sincero, com compromisso e respeito ao público também. Acho que é importante isso, o artista adquirir esse respeito, esse compromisso, essa lealdade com a cultura e a tradição e com o público também. Eu procuro sempre manter o pé no chão, manter a humildade, não deixar com que o sucesso suba pra cabeça. Um dia, se esse sucesso chegar pra mim, é manter esse trabalho de início, de pé no chão, de muita responsabilidade, porque a gente sempre aprende a cada dia. Eu procuro levar sempre isso comigo, que a cada dia um aprendizado. A gente sempre aprende mais, a gente divide conhecimento. E como eu falo, a palavra mestre é muito forte e isso não vai mudar de forma alguma, o meu pensamento de ser, ser a mesma pessoa que eu sou. Poder levar pras pessoas um pouco mais de um conhecimento que eu tenho com o maracatu com a ciranda, até mesmo com a música também. Então, é poder manter a tradição, poder trazer os jovens também pra perto da cultura, pra poder abraçar essa causa nossa e continuar. Até porque eu nasci pra fazer cultura e só deixo quando morrer.
– E em relação ao que é ouvido e produzido no país, como vê um trabalho como o seu dentro desse universo?
Tem muita gente boa no nosso país. Muita coisa boa sendo produzida. Às vezes, pessoas que merecem estar no topo e não estão ou por falta de oportunidade, pessoas que não valorizam. A gente vê a nossa classe musical, às vezes também, muita gente não dá valor, não há interesse nenhum. Eu que já tô envolvido com as três coisas, sei muito bem como se passasse as coisas assim direitinho. Mas veja minha a minha relação com isso. Eu tive um padrinho musical, Siba. Primeiramente Deus, porque Deus sabe de todas as coisas. Mas se eu não tivesse o apoio dele, a visão que ele teve de poder buscar aqui na Mata Norte Pernambucana o meu trabalho e poder ajudar, poder produzir, talvez não chegaria aonde eu cheguei até o momento. Isso também conta muito, a parceria, produtores
Tem pessoas que ainda tem esse medo da gente querer mudar muita coisa, esquecer a raiz, mas claro que a gente não vai jamais ferir a nossa tradição”.
que possam enxergar esses músicos que estão aqui. Em todo canto do Brasil tem pessoas boas que precisam de oportunidade, de um olhar de alguém que vá lá e resgate, vá lá e busque, queira apoiar, queira incentivar, produzir. Foi o que aconteceu comigo. O Siba veio aqui, ele achou que eu poderia contribuir com a cultura, contribuir com um projeto novo, veio aqui, a gente fez um trabalho junto, tá aí o resultado. Então, pra mim é difícil porque eu já dividi palco com grandes cantores do nosso país, né? Pô, cheguei lá no Coala Festival, em São Paulo, dividi o palco com Elba Ramalho, Ney Matogrosso, Maria Gadú, Chico César, Baiana System, sabe? Só gente boa, Duda Beat. O que quero dizer é que eu nunca pensei que iria dividir um palco com esses artistas. Pra isso teve um trabalho feito antes, que é o meu começo no maracatu, na ciranda, engatinhando por aqui, devagar, pra depois chegar Siba, vir aqui, conhecer nosso trabalho, produzi-lo, pra que aí sim possa chegar um pouco mais lá na frente. Eu acho que eu fui um privilegiado em poder contar com esse apoio. Muita gente boa também precisa dessa oportunidade, desse apoio, de alguém que vai lá enxergue e possa produzi-lo e levar ao topo. Porque realmente tem muita gente boa e você chegar tão rapidamente aonde esses caras tão chegando, pra mim é muita gratificação. Claro que o trabalho é árduo, nada pra mim é fácil, nada é como a gente pensa, mas a gente vai devagar, com com muita humildade, esperando o tempo, porque a sua hora vai chegar. E eu nem sei onde que eu tô ainda. Procuro sempre manter essa humildade, que a humildade é o segredo do sucesso e a gente vai continuando aí essa trajetória.