É fácil uma cantora ser considerada uma grande entertainment com uma super estrutura por trás, muita grana, exposição e música toda hora no rádio. Difícil é entreter e agradar um grande público tocando pela primeira vez numa cidade, sendo praticamente desconhecido de todo público, rivalizando com alguns dos maiores nomes do pop nacional e colocar todos eles no bolso. Foi o que aconteceu no último fim de semana no festival Mada, que aconteceu durante três dias em Natal. Os brazilienses do Móveis Coloniais de Acaju fizeram um show antológico, cavaram sua vaga para os grandes nomes da música atual no Brasil e provaram que é do universo independente que vem o melhor da música brasileira.
O Mada foi, na verdade, mais um dos festivais independentes brasileiros que provaram que é viável ter um circuito de bandas, shows e eventos independentes no país. Apesar de ter o apoio de uma grande empresa telefônica e de contar com medalhões do rock nacional, o que chamou atenção mesmo foram os nomes recém saídos de cenas locais e que começam a conquistar lentamente um público cativo pelo país afora. Se Paralamas, Detonautas e Skank eram os headliners responsáveis por atrair a massa para o festival, não foram deles os melhores shows.
As três bandas fizeram apresentações corretas, sem precisar se esforçar muito para agradar ao público e sem mostrar nem um pouco além do que já costumam fazer há algum tempo. É o conforto do mainstream, que faz deles celebridades, mas ao mesmo tempo, os colocam no caminho do conformismo. Os shows no Mada mostraram isso, ligados no automático. No meio do caminho entre um universo e outro, a Nação Zumbi mostrou mais uma vez ter um dos shows mais poderosos do país, mas também correndo o risco de não precisar ir além do mais do mesmo para provocar uma grande apresentação. Entram então os nomes que ainda têm que suar para conquistar o público e, provavelmente graças a isso, provocaram os melhores momentos do festival.
Chuva e festa
Mombojó de Recife, Móveis Coloniais de Brasília e Superguidis de Porto Alegre comprovaram isso. O Mombojó já está a meio caminho de se tornar grande, pelo menos no mundo independente. Mais uma vez a banda confirmou ter amadurecido no palco e conseguiu fazer um grande show com sua mistura de gêneros que lhes dá personalidade própria. É bem provável que herdem o público do Los Hermanos e cresçam bastante. Faltam ainda um número maior de hits, mas no palco a banda já está bem afiada, com o vocalista Felipe S. fazendo performances meio desengonçadas, mas que funcionam.
O Superguidis também são garotos ainda tentando achar seu espaço, mas depois de um bom e elogiado disco, mostraram que no palco também dão conta do recado. Com um indie-rock em bom português, carregado de humor particular e canções quase hits, criando uma sonoridade que faz falta no cenário nacional, mostraram presença de palco e uma banda prontinha para tocar em qualquer festival.
Os Móveis Coloniais de Acaju é um caso a parte. Eles simplesmente roubaram todas as atenções e é impossível que com tantos jornalistas presentes, a banda não dê um grande salto depois do Mada. A irresistível postura no palco, as músicas divertidas, dançantes e interessantes e a capacidade de alegrar o mais resistente público imaginável, coloca a banda como a próxima coisa a acontecer no país. Com um ska jazz rock misturado a ritmos do leste europeu do crioulo doido e improváveis versões de Portishead, Ultraje a Rigor e Ray Charles, botaram todo mundo para dançar e cantar junto, foram ovacionados, tiveram o nome gritado pelo público (o que poucos outros tiveram no evento) e fecharam a festa abrindo uma imensa roda debaixo de chuva com todo mundo cantando “Se essa rua fosse minha”. Sem dúvida entrou para a história de melhores momentos dos nove anos de Mada.
Ainda verdes
A grande falha do evento é ao mesmo tempo um aspecto positivo. A aposta forte em bandas ainda inexperientes e verdes e menos em nomes medianos do cenário independente acaba deixando um ar de amadorismo. O que se viu então foram grupos intimidados e ainda sem amadurecimento para se apresentar em um palco tão grande. Não tem sentido levar de lugares tão longe de Natal nomes que não dizem muito coisa, como Eletro (RJ), Pública (RS) e Reverse(RJ) e deixar de levar outro grupos mais relevantes. Bastava mesclar as bandas essas bandas mais novas interessantes, como o rock duro do Dalila no Caos (PB) e o indie em inglês do Claudia´s Parachute (MT), com nomes mais consolidados para uma equação mais equilibrada.
Quem conseguiu driblar os problemas técnicos do começo dos shows e encaixava bem música, performance e empatia, se deu melhor. Caso dos paraenses do Madame Saatan, que mesmo com uma música sem novidades, agradou com uma banda correta e uma grande vocalista. O local Nêguedmundo, acompanhado de dois programadores, baixo e guitarra, botou o público para dançar com seu ragga-dub-funk-rap-jungle-eletrônico. Estão prontos para tentar um passo fora do Rio Grande do Norte. Já o MQN, de Goiânia, apesar de veterano e de ser arroz de festa de festivais, não fez de suas melhores apresentações, mostrando um stoned rock do mal, mas dessa vez muito morno.
Algumas bandas mostraram que estão entrando definitivamente no circuito e que já podem circular por festivais pelo país, como o bacana rock sessentista dos sergipanos do Rockassetes, cheio de canções para dançar e cantar junto, e o glam do Cabaret, que se destaca pela performance a la Sidney Magal do vocalista. A banda precisa apenas de um tempero mais pop grudento, isso é às vezes é bom e cabe. No Tim Stage, uma espécie de tenda eletrônica, os cearenses do Montage se candidataram para tocar no palco principal, mas o grande show de eletrônica, funk carioca e guitarras pesadas merece ir bem além disso. A androginia sexy do vocalista Daniel Peixoto agradaria em cheio os gringos que hoje babam por Cansei de Ser Sexy. Mais uma vez o grupo conseguiu criar o clima de sexo, suor e beats altos, com direito a garotas mostrando os peitos.
Os brazilienses do Lucy and the Popsonics têm grande potencial, com seu som que mescla guitarras, batidas eletrônicas dançantes e a voz pop inocente de menina da vocalista Fernanda, mas funciona melhor num palco menor, onde os dois integrantes não sumam tanto. Merecem destaque ainda o interessante indie-rock dos pernambucanos do Mellotrons e do Bugs, uma das poucas bandas de rock de Natal de qualidade, o rock gaúcho e divertido dos Cartolas e a banda carioca Manacá, mais pelo grande potencial da vocalista do que pelo som da banda, ainda muito duro e careta.
Completamente sem necessidade foi incluir o Tributo ao mestre local Elino Julião, a banda oitentista Memória ROM, a brega Belina Mamão e os canadenses do The Russian Futurits, que nem vestindo camisa do Brasil conseguiram empolgar. A qualidade e renovação de bandas locais ainda é aquém do que deveria ser uma cidade com dois grandes e bons festivais e uma rádio que toca bandas independentes na programação normal como é Natal. A cidade dá, no entanto, uma lição de como se manter aberto às novidades. É seguir o exemplo.