Recife mostra mais uma vez porque é o principal pólo de música independente do país. Em cinco dias, cidade recebe artistas, produtores e quase todo mundo do mercado de música que importa para palestras, conferências, feira e shows.
Qual o futuro da música? O CD vai mesmo acabar? A Internet e a música digital são o caminho inevitável? As gravadoras realmente perderam a importância? Esses foram alguns dos principais tópicos discutidos durante o Porto Musical realizado no Recife e que este ano contou com a Feira Música Brasil como evento adjunto. Depois de quase uma semana de discussões, rodadas de negociações, exposições e shows, os dois eventos terminaram no último domingo apresentando de fato poucas soluções e respostas, mas mostrando alguns caminhos que o universo da música deve seguir nos próximos anos. No final de cada dia, atrações brasileiras e algumas estrangeiras finalizavam a programação com shows. Entre eles, nomes como Otto, Vulgue Tolstoi, Autoramas, Nelson Sargento, Cabruêra, Moraes Moreira, entre outros.
O ministro da cultura Gilberto Gil abriu o evento mostrando a força que a música tem no Brasil, tanto cultural quanto economicamente. “A música brasileira é uma das maiores forças da música mundial e a maior força da Economia da Cultura no Brasil. Além de um ativo cultural e social, ela é um ativo econômico, pois é uma grande geradora de empregos, de negócios, de divisas”, disse. Segundo ele, o país movimentou 650 milhões de reais e exportou outros 70 milhões em discos, isso sem contar dados das gravadoras, de direitos autorais, entre outros. O ministério está tentando conhecer a cadeia produtiva da música para potencializar ainda mais seus resultados. Uma das ações é justamente a Feira Música Brasil, que, segundo Gil, tem a pretensão de se tornar o ponto de referência e de reunião da diversidade da música brasileira.
Com foco na realização de negócios, a feira, promovida pela ABMI (Associação Brasileira de Música Independente) em parceira com o Ministério da Cultura, esteve focada em negócios com 20 expositores vendendo idéias, serviços e produtos. Além dos costumeiros CDs, gravadoras e instituições, os grandes destaques foram as novas idéias. Desde a empresa Coolnex que promovia um tipo de cartão de celular vendido em bancas que daria acesso a músicas na internet até um cantor que anunciava seu produto com a frase “esse CD não está a venda”, enquanto no estande distribuía um CD com rótulo e capa impressos. O CD, no entanto, era virgem e as músicas deveriam ser baixadas na internet e gravadas em casa. Puro e bom marketing.
Novos caminhos – Se a feira trazia algumas ações práticas que já começam a utilizar as possibilidades das novas tecnologias, no campo de discussões do Porto Musical, quase todos os 36 conferencistas focaram suas falas em caminhos para o futuro do setor. A sensação é que na verdade pouco se sabia de fato sobre o futuro, haviam sim muitas especulações e previsões que podem mudar com as novas tecnologias já existentes e com as que estão para chegar. O iPhone e a TV Digital, por exemplo. Comparado com as duas edições anteriores do Porto Musical houveram algumas mudanças, como a presença de mais gente nova interessada na discussão, inclusive mais artistas e produtores da Bahia, que esteve oficialmente no evento através de membros da Secretaria de Cultura do Estado (o secretário Márcio Meireles, inclusive, circulou pela Feira).
Outra mudança foi quanto à postura. Se no primeiro ano uma grande interrogação perpassava a cabeça de todos, até mesmo dos palestrantes, e em 2006 o que mais surgiram foram propostas em teste, neste ano estes rumos começaram a ficar mais claros. Como disse o jornalista Israel do Vale, diretor da Rede Minas e um dos palestrantes, “saímos do tempo da reclamação e passamos a ver caminhos e soluções. Não dá para se pensar no futuro como uma linha reta, ele é cheio de bifurcações”. Apesar de poucas certezas, muitos desses caminhos já estão sendo esboçados. O ponto em comum deles é que não há uma fórmula ou regra a ser encontrada, é saber encontrar o próprio diante das possibilidades.
Uma dessas possibilidades vinha da fala de Brad Powell, presidente da CalabashMusic, comunidade global de distribuição por download de música independente: “É no caos e nos períodos de mudanças como o que estamos vivendo que aparecem novas oportunidades. Eu chamo isso de renascimento. Eu não acredito que seja o fim para ninguém, mas todo mundo terá que se adaptar e mudar”. Segundo ele, o universo da música vai continuar precisando de bons estúdios, bons ouvidos e boas formas de promoção, mas será preciso também ter coragem para encarar a internet. “Todo artista tem medo de colocar sua música para download, mas é muito importante que se entre nesse mundo. É preciso competir com coisas que são gratuitas. Nesse mundo atual é preciso que se veja que quanto mais se dá, mais se vende. É preciso se tornar amigo das novas tecnologias”, disse.
Tendências – Alguns dos tópicos mais tocados nas palestras giraram em torno dessa aposta no universo da internet. Uma delas é a teoria da “Cauda Longa”, citada em vários momentos e que afirma que produtos específicos de nicho, que incluem os independentes, conseguem ter a mesma importância e faturar tão quanto os grandes produtos. Segundo a teoria, já que a armazenagem na internet não diferencia os poucos e concentrados “grandes sucessos” de produtos de nomes específicos e desconhecidos, não é mais a escassez que define o mercado e sim a abundância. Ou seja, não é necessário focar às vendas apenas naquele que vende mais para se obter faturamento, pode-se disseminar isso por uma grande quantidade de produtos oferecidos e se faturar até mais.
Outro tópico em destaque foi a chamada Internet 2.0, onde o usuário é o responsável pelo conteúdo. Não é mais apenas interação, mas cada pessoa fornecendo o conteúdo e não mais apenas jornalistas, gravadoras e mídia tradicional. No mundo da música isso já está sendo utilizado através de sites como Orkut, My Space e You Tube. Ferramentas que facilitam a interação e o conhecimento do público pelos artistas, que permitem também vender produtos, divulgar ações e promoções, além até de dar acesso à própria música.
Ao contrário do que parece, poucos nas palestras do Porto pareciam apostar no fim definitivo dos CDs. Para uns ele entrará no ramo de presentes, como flores e chocolates. Para outros, o conceito dele não deve existir mais, mas o artista pode inserir mais produtos dentro deles, como vídeos, entrevistas etc. O CD como principal suporte do mercado sim, parece fadado ao fim. Mesmo sem entrar nas discussões uma das maiores novidades que ganharam destaque durante as conversas informais foi a criação do SMD. Invenção brasileira, o Semi Metalic Disc é um tipo de CD com a mesma qualidade que o comum, mas muito mais barato, devido a economia em royaltes e na queima de matéria prima.
Se o caminho será fazer CD, SMD, vender ou dar música pela internet, faturar com shows ou com licenciamentos, não se sabe. Até porque, pelo menos no Porto Musical, não se chegou ainda a uma conclusão. Palpites e apostas apontavam para um novo mercado, mais democrático e livre e onde artistas cada vez mais independentes podem lutar por espaço com os grandes nomes do mercado. Todas as alternativas parecem ainda ser válidas e nenhuma é o rumo certo para todos. Os caminhos certos parecem que não existem, eles estão disponíveis para quem quiser descobri-los.
Tentando acertar o futuro
Em sua terceira edição, o Porto Musical, no Recife, deu seguimento na última senama a uma discussão ainda sem resposta. Qual o futuro da música? A sensação é que apesar de várias suposições, várias idéias e propostas, ninguém sabe nada com exatidão. As possibilidades são inúmeras e muitas vezes contraditórias. Uma coisa, no entanto, parece ser senso comum, os trabalhos independentes e os que visam a qualidade em primeiro plano têm pela gente uma das maiores chandes da história da música. A indústria, as gravadoras, o atual modelo de ser comercializar música já está defasado e parece que não tem como se reverter o quadro. A discussão central não é nem se o CD morreu ou não. A relevância não é essa. Até por que morrer, sumir, desaparecer totalmente ele não vai. O foco, na verdade, não é esse. O futuro é incerto, mas principalmente se continuarem procurando um caminho único para o futuro. Ai é que entra as possibilidades para os independentes. Para a indústria como ela se tornou não adianta trabalhar com formatos diferentes, com estratégias muito diferentes e com realidades menores. Pode ser que ela se adapte com algum tempo, mas os tabalhos fora dessa indústria já em sobrevivendo assim há anos, décadas. A grande chance para quem faz música é saber aproveitar as oportunidades. Internet é o caminho? Pode ser que sim, mas o mais importante é saber que não há regras, não há modelos. Cada artista tem que descobrir a melhor forma de conhecer, atingir e comercializar com seu público.
Interação
Internet é, no entanto, o caminho principal para se dialogar com o nicho de cada um. MySpace, Orkut, sites, fotologs, blogs, as opções são inúmeras e uma pode alimentar e conviver com a outra, facilitando o conhecimento do público e de seus desejos. Que empresa hoje não luta para conhecer seu público e saber o que ele ouve, assiste, compra etc? Como sobreviver é a questão. Talvez vender música pela internet seja um caminho para uns. Para outros talvez a rede sirva apenas como divugadora. Talvez como um espaço para promoções, brindes e comercialização de extras. Não dá mais para se pensar música apenas como o produto em si. Vídeos, camisetas, botons, adesivos, faixas bônus, entradas pra shows fazem parte do bolo. O interessante é depois de conhecer seu público, o artista saber como seduzi-lo, onde e como ele pode pagar, como consquistá-lo e como ampliar a rede. Talvez em determinados nichos, vender o CD físico com aquele número clássico de faixas ainda seja o caminho. Talvez seja dar o CD e vender os extras. Talvez seja disponibilizar todas as músicas e só vender estes extras.
Novos formatos
Há possibilidades também de procurar novos formatos que facilite e barateie os preços. Uma das propostas mais interessantes que ganharam os papos nas mesas de almoço entre os participantes do Porto Musical, foi o SMD. A criação é brasileira e veio do universo do Sertanejo. Ralf, da dupla Christian e Ralf, criou um produto muito parecido com o CD tradicional, mas que barateia absurdamente o valor do produto e mantém a qualidade. O SMD (Semi Metalic Disc) custa R$ 1,30 para quem fabrica e R$5 na venda para o consumidor final. A qualidade é a mesma de CD, até porque o sisema é o mesmo e toca em qualquer aparelho. Duas diferenças fazem o valor cair. A primeira é que no SMD apenas as faixas gravadas são metalizadas, restando o que não se grava em plástico transparente. No CD tudo é metalizado e se perde o que não foi gravado. Outra vantagem é que o SMD não precisa pagar os Royaltes pela invenção do CD pela Sony, além de pagar impostos muito mais baixos. Artistas como a Orquestra Imperial, Terminal Guadalupe, Digital Dubs e selos como a Bolacha Discos, só para falar de nomes do mercado independente de música pop, já estão utilizando a tecnologia.