A música brasileira sempre teve grandes artistas por trás de sua majestade. Se, para muitos, hoje ela só vive de medalhões, não culpem os novos artistas, eles estão ai desenvolvendo belos trabalhos. Um dos destaques dessa geração atual é o catarinensealagoano Wado, que poderia estar facilmente tocando em qualquer lugar, mas ainda é um desconhecido para as massas.
Leia também:
O samba reinventado de Romulo Fróes.
Com cinco discos lançados e prestes a lançar mais um, Wado já tem uma carreira consolidada, com um repertório invejável e uma trajetória artística que, se formos parar para contabilizar, não são tantos nomes de nossa música que possuem igual.
Não estamos falando aqui de fama, sucesso, discos vendidos, aparições na TV, isso não necessariamente tem a ver com música.
Estamos falando de um cantor e compositor que lançou cinco discos de qualidade, com muitas composições inspiradas e uma sensibilidade em fazer uma música atual, que trafega por samba, funk, soul, e muito outros ritmos e deixa uma marca autoral e particular.
Três pilares – Com canções próprias ou em parceria com alguns dos ilustres compositores dessa geração, Wado representa muito bem a música brasileira que está sendo feita no século 21. Herdeira da velha MPB, mas com referências muito além do óbvio Caetano-Gil-Chico-Ben, Wado reúne na sua música elementos da black music setentista, do samba dos Novos Baianos, da Vanguarda Paulista, da música pop internacional, da eletrônica, do rock e segue por quase tudo que trafega pela sua frente.
“Tenho influências de três pilares que são o samba, o afoxé e o funk carioca”, assume de onde vem sua música, que a partir daí acaba se abrindo para diversos outros eixos. Segundo ele diz, “ultimamente ando escutando muito Mayra Andrade, Vampire Weekend e Fleet Foxes”, o que só mostra sua sintonia sem preconceitos com as novidades que surgem por ai.
E foi assim, absorvendo de forma natural “os sons do meu dia a dia, as coisas que escuto na rua, que danço quando saio para a noite”, que ele sempre foi se reinventando e transformando sua música, passeando por diversas sonoridades, mas sempre com uma personalidade.
Desde o primeiro disco, “Manifesto da Arte Periférica” (2001), um cartão de visitas marcante, com um título que já dizia muito, embalando um punhado de músicas espertas, criativas e brasileiríssimas. Nele, Wado já reunia alguns de seus parceiros marcantes, como Glauber e Alvinho Cabral, que apareceriam em vários outros trabalhos do cantor.
O álbum trazia pérolas como “A Tragédia da Cor”, “A Linha que Cerca o Mar” e “Uma Raiz, Uma Flor”, que pregava “não diga que as estrelas estão mortas / Só porque o céu está nublado”. Em “Alagou as”, Wado declarava “levanto esta bandeira, a bandeira da diversidade, dos compositores de bairros distantes, levo este estandarte”, que dizia muito de seu próprio trabalho.
No álbum seguinte, “Cinema Auditivo” (2002), Wado continuava a aposta na diversidade, inserindo programações, experimentações eletrônicas e não esquecendo de caprichar no suingue. Estão lá “Sotaque” e “Tarja Preta/ Fafá” que não me deixam mentir. Um disco menos inspirado, mas ainda assim bem acima da média.
Em “A Farsa do Samba Nublado” (2004) o cantor montou a banda Realismo Fantástico, que também assina o álbum, inseriu mais rock em sua rica gama de ritmos e ampliou o universo de parceiros. Gravou Luiz Capucho e Suely Mesquita, a banda Oito, Marcelo Cabral e o embolador Mestre Verdelinho, ícone da música alagoana.
Um traço característico deste trabalho é o clima melancólico, uma desesperança comovente, mais presente aqui que em qualquer outro disco de Wado. Desse ambiente saíram músicas como as lindas e tristes “Carteiro de Favela”, “Fuso”, “Amor e Restos Humanos” e “Deserto de Sal”. O traço dançante, contido, mas pra cima, também está lá, como “Se Vacilar o Jacaré Abraça”, “Alguma Coisa Mais pra Frente” e a ótima “Grande Poder”.
No quarto disco, “Terceiro Mundo Festivo” (2008), Wado mergulha nos ritmos das periferias, nas sonoridades terceiro-mundistas. Acopla uma roupagem mais bruta e caseira, um aparato barato, com menor conhecimento técnico, repleto de gambiarras. Esse passeio por ambientes periféricos trouxe para a obra do artista expressões e manifestações ricas, mas nem sempre valorizadas. Estão lá funk carioca, reggaeton, afoxé, disco e uma eletrônica brazuca, em músicas como “Teta”, “Reforma Agrária do Ar” e “Recado”. Tudo, claro, com a cara própria que Wado imprime.
No mais recente trabalho, “Atlântico Negro”, de 2009, Wado faz uma viagem pela diáspora africana, com ritmos como afoxé, samba, funk carioca, além de homenagem a Ogum, parceira com o escritor moçambicano Mia Couto e versão para a clássica “Cavaleiro de Aruanda” de Tony Osanah. Para o próximo disco, que deve sair até o fim do ano em CD e DVD e deve se chamar Samba 808, Wado promete “mais uma borrada nas estéticas do samba com a máquina/ sampler roland 808 que deu início ao funk carioca”.
Polaróides – E segue no seu talentoso trabalho de mexer nas diversas sonoridades de nossa música, recriando, transformando e dando uma faceta característica para tudo em que toca. “Cada disco é uma história, são polaróides de um momento, eles têm uma estética bem diferente um do outro, mas todos são partes de uma coisa só, daí não deixa de ter uma unidade, não deixa de ser eu, de ter minha voz estranha, então amarra”, resume, muito bem o cantor.
Se a música brasileira se acostumou a venerar seus grandes nomes, sem se preocupar ou dar a devida atenção para o que vem surgindo nas novas gerações, não é por falta de opções. Sem precisar de comparações com os ícones incontestáveis, dá para, ao menos, perceber que existe vida inteligente, criativa e cheia de gana produzindo discos em sequência com uma qualidade, que nem sempre os medalhões produzem nos dias atuais. Difícil é assumir isso.
– Você é um dos principais nomes dessa geração atual da música brasileira. O que vê em comum nos artistas dessa geração? Como avalia esse cenário artisticamente?
Wado – Acho que um dado muito forte nessa geração é o fato de trabalharmos em nichos, os meus pares em conteúdos e reverberação acho que circulam em nichos que o Brasil enquanto nação desconhece. Acho bem bom e confortável de se trabalhar dessa forma e está melhorando, mas dizer que o Brasil sabe quem são os compositores da geração zero zero acho que não sabe, sabem quem é Seu Jorge e Vanessa da Matta o resto não conhecem. Tem crescido aos poucos, mas não vejo isso se encaminhar para notoriedade nacional, o que aconteceu é que com internet, tv à cabo, centenas de veículos, fica difícil de ter figuras massivas acho que só a Jovem Pan tem poder de criar artistas de conhecimento de todos e na grade deles cabem poucos artistas nacionais, mas não lamento por isso não.
– Como é seu processo criativo? Como define esses caminhos, é algo pensado ou você deixa se levar pela inspiração?
Wado – Quando tem um bloco de composições começo a pensar no que poderia ser um fio condutor para aquilo, mas vem depois das canções prontas.
– Você além de compositor, sempre teve bons parceiros e trouxe a tona composições de colegas. Como é esse trabalho de parcerias e de garimpagem?
Wado – É engraçado porque acho que nossa geração de compositores pratica pouco esse exercício de interprete e de mostrar pro público belas canções que não são suas. Gosto disso porque acho que os trabalhos ficam mais tridimensionais.
– Sua música é do tipo que poderia estar tocando na rádio, fazendo sucesso. Porque você acha que as rádios não dão espaço para nomes como você?
Wado – Elas dão pouco, porque estão acostumadas no jabá, você não vai tocar sistematicamente no radio se não pagar jabá
– Gostaria que você falasse como anda sua carreira no momento. Você foi morar no Rio, formou o Fino Coletivo, voltou para Alagoas. Como tem sido, dá para sobreviver? Que caminhos tem encontrado para levar sua música?
Wado – Estou vivendo de musica e bem feliz, neste mês por exemplo foram 6 shows fora de Alagoas.
– Como vê esse mercado atual? Você já foi batante cético. Acha que há caminhos? O que você acha que falta?
Wado – O mercado são os artistas, o mercado somos nós nos profissionalizando 🙂
Sorte pra nós!