O lançamento dessa semana no el Cabong é o disco de estreia do Ziminino, projeto que reúne Rafa Dias, do ÀTTOXXÁ, e Ricô Santana, do OQuadro. O álbum, lançado internacionalmente e disponível nas plataformas digitais ganha uma análise de Pérola Mathias.
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Por Pérola Mathias*
O disco homônimo da dupla que forma o Ziminino parece vir para escoar o ímpeto criativo de dois músicos muito atuantes da música baiana: Rafa Dias, integrante do ÀTTOXXÁ, e Ricô Santana, do grupo de rap OQuadro. Vindos da Bahia, o encontro entre os dois se deu no Rio de Janeiro e foi lançado nos Estados Unidos pelo selo de música negra INTL BLK (International Black). Além dos dois músicos, o disco conta ainda com Boima Tucker na assinatura da produção, DJ produtor e escritor de Serra Leoa.
Como o próprio nome do projeto, a música do Ziminino toca e canta a ancestralidade da cultura negra, sua cosmovisão religiosa da vida e do ser, abarcando desde sonoridades rituais tradicionais às sonoridades rituais contemporâneas, com samplers de batuques e atabaques, eletrônico e o trap. Somado ao ritmo, vem como linha melódica o violão tocado por Ricô. A forma como o violão é tocado e a forma como compõe cada faixa do disco lembra os experimentos levados a cabo no disco ‘Sem Nostalgia’, de Lucas Santtana, lançado em 2009, tendo como base a voz e o violão explorado tanto melodicamente, quanto ritmicamente através das colagens e de outros recursos utilizados pelo compositor.
Ousadia
Todos esses elementos musicais e representativos vão sendo costurados ao longo do álbum. Já na abertura do disco, na faixa intitulada “Intro”, ouvimos vozes rezando, que os integrantes contam terem gravado de uma cerimônia budista. Já a terceira faixa anuncia a “Intermitência”, que numa música pautada pelo ritmo e pela batida como a do Ziminino, o momento da pausa, da interrupção momentânea antes do novo ataque, é o que dá movimento à música – assim como no candomblé, em que a quebra entre batidas sucessivas provoca o transe. E aqui Ricô canta “Atabaque no combate” depois vertendo o mesmo verso para “Ziminino no combate”, para logo em seguida mesclar o canto à rima improvisada.
A introdução de “When the buildings fall”, faixa seguinte a “Intermitência”, juntamente com “Chora Viola”, são as duas músicas do disco que parecem mais se aproximar do suingue que caracteriza o ÀTTOXXÁ, o outro projeto de Rafa Dias. “Chora Viola”, faixa instrumental, tem, inclusive, o mesmo nome do disco do também baiano Jota Erre, todo pautado pelo balanço da guitarra. Enquanto que “When the buildings fall” canta o sincretismo, trazendo pra frente da letra da música cantada ao mesmo tempo em português e em inglês que “o corpo é festa / o corpo é chão / o corpo é cosme, caos e damião”.
Talvez seja forçar um pouco, mas “I’m cool like that”, essa sim cantada toda em inglês, mesclando o canto e o rap, lembra o trip hop do Gorillaz. A possibilidade de fazer essa associação ao longo da audição confirma a busca do grupo por um som de aspecto global, ainda que não se desfaça das influências locais, conectando ritmos da música negra contemporânea de diversos lugares.
O Ziminino é um projeto ousado e cheio de personalidade, que tendo sido gestado por mais de três anos – o single “Intermitência” foi lançado em 2016 –, nesse primeiro disso traz à tona ao ouvinte o sentimento expresso em um dos versos de “Antes de Ontem”: “Life is an emergency”.
Ouça o disco:
* Pérola Mathias é socióloga, crítica e fotógrafa musical. Editora da revista Polivox e do site Poro Aberto, entre seus temas de reflexão estão o tropicalismo; a relação entre obra e crítica na trajetória de Arto Lindsay; música de ruído e artes visuais; e canção brasileira contemporânea.