Em 2018, a Bahia teve mais 200 discos lançados por seus artistas, de estilos e tamanhos diversos. Quase sempre com produção independente, estes álbuns dificilmente tocam nas rádios, ganham destaque na mídia e raramente encontram algum tipo de crítica ou resenha especializada. Resolvemos convidar algumas pessoas para dar conta de tantos discos e tentar fazer um apanhado desses lançamentos durante o ano. Para começar a jornalista Juliana Rodrigues dá sua visão sobre o disco de estreia da Sanbone Pagode Orquestra, ‘Sinfonias de Pagode’.
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Por Juliana Rodrigues*
Tentativas de misturar o erudito e o popular existem aos montes na música, mas muitas dessas tentativas carregam consigo, infelizmente, certo ranço elitista, uma atitude de superioridade em relação à obra da cultura popular. Felizmente, não é o que acontece com a Sanbone Pagode Orquestra. Em seu primeiro álbum, ‘Sinfonias de Pagode’, o grupo, idealizado em 2007 pelo maestro Hugo Sanbone, presta uma verdadeira reverência ao ritmo nascido nas periferias baianas, em suas mais diversas formas, do groove arrastado à suingueira.
Gravado e mixado por Richard Meyer no Estúdio Massa Sonora, em Salvador, e masterizado por Jim Fox e Mike Caplan, no estúdio Lion & Fox, em Washington DC (EUA), o álbum traz oito faixas compostas por Hugo, quase todas denominadas “sinfonias” e cada qual com sua energia vibrante. Se algumas investem na riqueza sinfônica dos metais, como “Sinfonia Nº 11 de Pagode – Profundo Oceano Azul”, que abre o disco, outras terminam se jogando no pagodão sem pudor algum, a exemplo de “Sinfonia Nº 2 de Pagode”, que chega a trazer até mesmo os ruídos – quem não se lembra das sirenes dos primeiros sucessos do Psirico? -, backing vocals e timbres de sintetizador distorcidos que se firmaram como marcas sonoras do gênero.
A guitarra “nervosa” e até mesmo um tanto roqueira, uma das marcas da corrente do groove arrastado, marca presença não apenas na “Sinfonia Nº 2” como também na faixa seguinte, “Sinfonia Nº 3 de Pagode”, que segundo o material de divulgação do álbum, traz uma mistura do groove com o samba de roda e é inspirada em uma cena de um filme de ação. Um dos “movimentos” dessa sinfonia evoca a sonoridade do Saiddy Bamba com sua “violeira” suingada. Outra curiosidade envolve a primeira sinfonia citada neste texto, “Profundo Oceano Azul”, que é definida como uma tentativa de trazer à tona o sentimento de desespero, angústia e agonia de quando Hugo quase se afogou. No entanto, a faixa, que tem a participação do trompetista luso-brasileiro Gileno Santana, atrai mais pela opulência sonora do que pelo clima de tensão que teoricamente tenta criar.
Outras sinfonias são marcadas por uma pegada ligeiramente jazzística em alguns momentos. É o caso de “Sinfonia Nº 4 de Pagode – Veemência” e de “Swingueira”, faixa de encerramento do álbum. Há, ainda, uma música surpreendentemente introspectiva e baseada em piano, a “Sinfonia Nº 5”, única que não faz referência ao pagode em seu título, que evolui de maneira intensa e traz marcação percussiva discreta. Claro que não dá para deixar de falar da “Sinfonia Nº 7 de Pagode”, que tem a mais interessante das histórias: tenta traduzir o movimento frenético de pessoas na Estação da Lapa, em Salvador, e faz isso de maneira quase cinematográfica. Também está presente no disco a “Sinfonia Primeira de Pagode”, responsável por projetar a Sanbone para o público ao levar o troféu de melhor música instrumental no VII Festival de Música da Educadora FM e no Festival Nacional de Música da Associação de Rádios Públicas do Brasil (Arpub).
O fato é que o primeiro álbum da Sanbone Pagode Orquestra é um trabalho bem-acabado, tanto em termos musicais quanto de mixagem e masterização. Em ‘Sinfonias de Pagode’, Hugo e sua trupe cumprem o papel de prestar reverência ao pagode e, de certa forma, reinventá-lo, sem deixar de respeitar sua célula original. É um disco que, assim como “Choraviolla II”, do músico baiano Jotaerre, vem para trazer uma leitura alternativa do pagodão e mostrar que ele continua sendo “massa”, qualquer que seja a receita.
* Juliana Rodrigues é jornalista formada pela UFBA e pesquisadora musical. Atualmente, trabalha na Rádio Metrópole FM como repórter e escreve análises sobre música e áudio no blog Ouvindo Coisas. Produziu o radiodocumentário “Além do que se ouve – Sonoridades da MPB nas décadas de 1960, 1970 e 1980” como trabalho de conclusão de curso de Jornalismo, em 2018, e tem passagens pelas rádios BandNews (2017-2018) e Educadora FM (2015-2017).