Vinda de Juazeiro, desde que surgiu tocando nos bares de Salvador, Josyara chamou atenção pelo violão marcante, a voz firme com um assumido sotaque do sertão e um punhado de canções primorosas. A cantora e compositora tinha apenas um álbum lançado, ‘Uni Versos’, ainda com o nome Josy Lélis, mas ainda precisava confirmar em disco a força de sua música.
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Com ‘Mansa Fúria’, disco produzido por Junix 11, ela cumpre as expectativas. A obra traz o universo de Josy, seu violão percussivo dialoga com elementos eletrônicos, numa aproximação de sertão e metrópole e de suas raízes com a contemporaneidade. Em ‘Mansa Fúria’ ela trata de temas do cotidiano, sem se furtar de fazer crítica social, e abordar racismo e a reafirmação da liberdade sexual. É para entender mais do disco que pedimos para a artista fazer um faixa a faixa, contando um pouco de cada uma das canções presentes no disco:
Apreciação
A letra veio junto com a melodia. Cantava com saudade do mar da Bahia, do calor e da maresia. Ela fala também desse olhar pra dentro, festejar e questionar o nosso interior. O arranjo do violão foi feito com o tempo. No processo de pré produção com Junix 11 (produtor musical), teve um dia que faltou luz no estúdio dele e ficamos tocando ela em loop, buscando caminhos. Assim se deu a forma que está no disco. Os elementos eletrônicos de base foram criados por Junix em cima do violão e voz, dialogando ritmos do samba reggae e chula.
Você que Perguntou
Essa música fala de São Paulo, reafirmando meu desejo de cantar o que sinto e as coisas que me comovem, me atingem. Quisemos trazer sons mais de ruídos, a cidade grande cheia de informações. May HD participou trazendo som de vinil destorcido. Baixo synth e samples foram acrescentados ao violão. Achei legal trazer essa vinheta logo no começo do álbum.
Nanã
Essa é bem especial pra mim. Ela é uma parceria com Luê (PA) amiga de Belém, cantora, compositora e rabequeira que admiro muito. É uma letra que diz sobre estar em busca de mudanças, reconhecer e admitir que o sofrimento é uma tempestade que deve ser ouvida e respeitada, mas que a dor não deve te estagnar. Fala da autocura, da mãe ancestral dando colo e conselhos e também da fé em seguir. A sonoridade dela tem bastante influência do Dub, com graves e silêncios, deixando a parte A da canção flutuante, mas com peso. A parte do refrão entra no sertão, quase um aboio. É a raiz, a intuição dando respostas.
Rota de Colisão
É a música mais romântica do disco. Diz da explosão de sentimentos ao encontrar alguém. A letra fala dessa paixão de misturando a paisagem da caatinga, fala de corpos celestiais, comparando os corpos dos amantes. Os som moderno do synth e a levada da bateria, se juntam ao arranjo dos pifes, levando a cantoria para um estética moderna sem perder a essência da canção e o balanço que o violão traduz.
Solidão Civilizada
Com arranjo de voz manso, quase falando, a música imerge no estar sozinha em uma metrópole. A escolha da solidão, o voltar pro ventre. É uma meditação para perder o medo de encarar a si mesmo. A música tem influência do dub, com baixo synth presente e bateria mais linear. Flautas dão textura para base, com frases e efeitos percussivos.
Fogueira
A faixa voz e violão foi gravada ao vivo. Junix manipulou pedal “Memory Man” na voz em tempo real. O delay é foco da sonoridade dela dando ambiências precisas na interpretação do violão. É uma música alegre, fiz para um amiga querida. A letra realça a beleza da mulher livre, que deseja outra mulher e que tem muita força e presença.
Mansa Fúria
É a canção mais antiga do disco, tem uns 10 anos. Comecei a revisitar umas composições e quando relembrei dela me deparei com algo muito real, com sentimentos do agora. Fazia sentido aquilo tudo, tanto que ela deu nome ao disco. Ela começa violão e voz. Na letra quase um lamento, a duvida, a perda da alegria e a vontade de amar de novo. Assim como as águas que se renovam. As ondas que nascem e quebram. O som de base entra com a repetição da voz – “mar, mar, mar…” dando reviravolta no arranjo. O fagote surge com pedal “noize” e fraseados, elemento surpresa do disco, sendo um instrumento bem incomum na música popular, ele cria as sensações que a letra diz na primeira parte, com dissonâncias e abertura de vozes. O instrumental da faixa é o divisor de águas do disco, sintetizando a sonoridade do “Mansa Fúria”.
Cochilo
Gravamos a faixa instrumental ao vivo. Enquanto tocava o violão tema, Junix fazia efeitos e texturas em um violão microtonal. O nome da música veio porque ela me remete a uma música de ninar.
Temperatura
É uma faixa quente e dançante. Não poderia ser diferente pois fiz essa música em homenagem ao verão da Bahia. Ela fala das frutas locais, de compartilhar o calor com quem a gente gosta. No balanço do violão ela percorre de várias faces rítmicas. O desafio do arranjo feito por Junix era deixar a base mais uniforme valorizando cada parte e variação. Ela é crescente, pra cima!
Engenho da dor
É a letra mais política do disco. Ela afirma a direção contrária da opressão que vivemos, de forma direta e clara.
O naipe de fagote e interversão eletrônica, com a manipulação da voz e teclas, é o que dá o clima para a musica crescer no refrão. É o momento de reflexão. O lado fúria.
Terra Seca
Ela fala o que é pra mim acreditar nas minhas ideias, no meu curso de vida. Tem uma poesia mais lírica, que parece relato de sonho cheio de símbolos. Essa canção imprime o sentimento de insistência de confiar no prazer de fazer o que ama mesmo com tudo dizendo que não. O fagote mais uma vez aparece no arranjo, com mais participação harmônica quando o naipe faz a cama para a voz cantar mais livre na repetição da música.
Remanso
A ultima faixa do disco é uma canção que conta das minhas memórias de casa em Juazeiro (BA). Compus para minha irmã mais nova em um momento de grande saudade.