Uma análise de que, mesmo com o sucesso no Carnaval, a mídia da Bahia continua ignorando a BaianaSystem.
É lamentável ver que os veículos de comunicação da Bahia ainda se curvam à indústria alienante e exploratória da música. Fingem ignorar a explosão que foi a banda BaianaSystem no Carnaval de Salvador, não só para a cultura baiana, mas também para a arte contemporânea no Brasil.
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Com o devido respeito aos adeptos da monocultura (como se diz em Pernambuco, de monocultura basta a da cana-de-açúcar), não se poderia excluir a música INVISÍVEL da lista de melhores músicas do nosso carnaval, aliás muitas outras nem deveriam estar lá.
A corda que esconde a identidade do cordeiro; a caixa de isopor, do vendedor de cerveja; as latas, do catador. Escolhem justamente as músicas daqueles que mais exploram essas atividades e esses seres humanos. Escolhem aqueles que utilizam o povo para formar a barreira humana que separa o público do privado nas ruas de Salvador. Utilizam os próprios segregados para segregar, para servir, para limpar. São eles que lutam com o povo “pipoca” para garantir a segurança dos “blocos”. Os Invisíveis.
No domingo de carnaval o cordeiro Luiz Roberto de Araújo, de 59 anos, foi atropelado por um trio no Campo Grande e teve a perna esquerda dilacerada, mas o cantor, de cima, preferiu continuar cantando o que, segundo ele, seria “a melhor música do carnaval” e seguiu feliz, enquanto Luiz saiu do Campo Grande com uma perna a menos e sem os R$ 54,00 de sua diária.
No rio, um carro alegórico da Paraíso do Tuiuti atropelou e prensou 20 pessoas e em outro acidente, também na Sapucaí, um carro da Unidos da Tijuca despencou com 12 pessoas. As imagens que chegam pelos grupos de WhatsApp são chocantes e mostram como essa imprensa é insensível aos seres humanos.
O que eles têm em comum? São Invisíveis.
O jornalista André Trigueiro chegou a dizer ao vivo, na Globo News, que as vítimas da Unidos da Tijuca atrapalharam o desfile. É esse tipo de pessoa que a imprensa fomenta. Não é por menos que esse rapaz tem tantos prêmios de “jornalismo”.
Não há como não fazer um paralelo com a música de Chico Buarque: “morreu na contramão atrapalhando o tráfego”. Eles, os invisíveis, estão sempre errados e os advogados daquele trio não terão tantas dificuldades para demonstrar que a culpa pelo acidente foi exatamente do cordeiro e de sua perna, da mesma forma que uma médica há 2 anos tentou uma indenização no Juizado de Trânsito de Salvador alegando que o ciclista atropelou seu carro.
Este ano no Carnaval de Salvador foram 25 mil cordeiros sem nome e sem rosto.
Tem mais Invisível. Quantas crianças e adolescentes estavam em cima de Isopor com seus pais e tios e dormiram nos passeios desse carnaval? Ninguém viu.
Como o pai a a mãe precisam vender no carnaval, as crianças são levadas para o trabalho.
No ano passado o prefeito de Salvador resolveu instituir o monopólio e dar exclusividade a uma única marca de cerveja e os fiscais da prefeitura fizeram várias apreensões de mercadorias de ambulantes e de supermercados enchendo vários caminhões.
Cada invisível (e eram mais de 10 mil ambulantes invisíveis no carnaval 2016) pagou à Prefeitura R$124,00 de licença e R$300,00 de um kit para ganhar R$1,00 em cada cerveja vendida.
Este invisíveis precisariam vender 424 latas de cerveja somente para pagar à prefeitura. Para piorar, os fiscais da Sucom com apoio da Guarda Municipal confiscaram tudo que não era da marca do prefeito. Em 3 dias de carnaval a Sucom apreende 119.141 latas de cerveja.
Por conta disso, nos dias 08 e 09/02/2016, o Farol da Barra foi o pano de fundo para o protesto que ficou conhecido como Revolta da Cerveja e parou o Carnaval. ACM, o neto, chamou a revolta de baderna e em menos de 1 hora os manifestantes foram dispersados do modo tradicional aos invisíveis: Porrada.
São tão Invisíveis que quando Ivete Sangalo chama um vendedor de algodão-doce como “convidado” para cima do trio o bloco enlouquece por achar inacreditável. Inacreditável porque eles não fariam isso com quem, até aquele momento, era Invisível. Um homem com um pau de 2 metros cheio de algodão-doce rosa-choque e balões prateados de gás hélio era Invisível no maior carnaval da terra.
Estão fazendo isso justamente com a banda que, por meio da música INVISÍVEL, criticou esse modo de (não) enxergar. A única banda que tocou praticamente todos os dias do carnaval e também no furdunço passou invisível pelos camarotes das grandes emissoras. Esses camarotes onde o negro serviçal também é Invisível e sua cabeça substituída por uma bandeja de drinques do Open Bar ou de canapés do All Inclusive.
De sorte que a BaianaSystem e seu navio pirata navegam por fora com seu mar de gente. Esse público que querem manter Invisível, mas não conseguem mais, pois a banda já nasceu maior que isso, já nasceu grande, sem corda que sufoque, sem mente que se aperte, com um público maduro e do bem, que cultiva “só amor” como nos diz Russo com seu grito de alerta.
Ignoram o fato da banda ter roubado a cena no Campo Grande no histórico dia 24 de fevereiro de 2017 puxando o maior coro “Fora Temer” que o país já ouviu. Foi, de longe, a cena mais importante desse carnaval e que a Prefeitura do Salvador tentou punir com veto.
O que tentam fazer com a BaianaSystem é o que fazem com nosso povo: esquecem, ignoram, sabotam, quando não esculacham com os cassetetes e tapas na cara, e quando convidam para cima do trio é para puxar aplausos, abraçar e se debruçar na virtude alheia por falta de uma, nada mais.
Mesmo que as mídias (ainda) hegemônicas finjam ignorar a existência do Invisível e que seus jornalistas se abaixem para o coito da concupiscência mercadológica das “máquinas de lucro”, a BaianaSystem não se submeterá aos caprichos e dengos da indústria baiana da exploração musical porque “cada palavra que tu guarda na boca vira baba”…
* As imagens retratam a situação em vários Carnavais, não especialmente o de 2017.