Festival reúne a nova música brasileira em Maceió
O nome era Festival de Música Independente (FMI), mas poderia ser Festival da Nova Música Brasileira. Aquela que não toca em rádio, não freqüenta TV, não é cantada por multidões, mas que mostra a tradicional criatividade dessa arte no paÃs. Em três dias de evento, realizado neste último fim de semana, Maceió reuniu no Teatro Deodoro e no Armazém Uzina 24 bandas desse universo. A grande maioria delas do Nordeste, sendo mais da metade de Alagoas, que provaram existir novidade e inventividade na música brasileira.
Um festival histórico que celebrou a produção musical alagoana recente, bastante rica, mas pouco conhecida, mesmo no próprio estado. Pela primeira vez na história, por exemplo, tocaram num mesmo evento os quatro principais nomes dessa nova música de Alagoas: Wado, Mopho, Sonic Jr e a Living in the Shit. IlustrÃssimos desconhecidos para quem não circula no paralelo mundo da música independente brasileira, mas alguns dos principais nomes dessa nova leva de artistas.
O FMI marcou coincidentemente os dez anos do surgimento dessa cena e chegou até com atraso. Antes tarde do que nunca. Aconteceu e com uma competência difÃcil de se encontrar em festivais iniciantes. Com uma boa estrutura e uma bela organização, o evento de Maceió, que já é certo para 2007, caprichou na mistura de ritmos, estilos e de origem dos artistas convidados. Um reflexo talvez da nova cara do que acontece com a música no Brasil.
Ousadia sem preconceitos
Nomes como Wado, Experiência Ã?pyus, Marcelo Cabral & Trio Coisa Linda representam uma das facetas dessa nova MPB, meio trajada de rock com violão, de funk com samba, de mistura de gêneros com personalidade própria. Wado, acompanhado da banda Realismo Fantástico, é um dos maiores representantes disso e mostrou ao vivo a qualidade de seu trabalho. Com três CDs lançados, jogou em casa, com seus “hits”? de samba-funk mais dançantes ao que o público respondeu com uma recepção calorosa e surpreendente até para o cantor. “Sotaque”?, “Tarja Preta”?, “Grande Poder”?, entre outras, quase todas acompanhadas em coro pela platéia, renderam alguns dos momentos mais emocionantes do festival.
Se há algo novo, porém, que marcou a música brasileira no último ano foi o grupo Cidadão Instigado, capitaneado pelo grande guitarrista Fernando Catatau. à dele quase toda criação do grupo, que levou para Maceió um show impecável e emocionante. TÃmido, de olhos fechados e em transe com sua guitarra, Catatau mostra uma linguagem musical própria, usando o rejeitado brega, os nordestismos e a falta de limite em criar instantes de pura inspiração. Ãxtase do público no melhor show do evento.
Um festival que não se conteve em trazer apenas novidades. Aliás, o maior nome do FMI já tem 69 anos e fazia o primeiro show da carreira em Maceió. A presença de Tom Zé já era histórica e o cantor e compositor baiano mostrou porque cabe perfeitamente num encontro de música independente. Seu trabalho é prova de autonomia, especialmente das regras comerciais e estéticas que imperam na “grande”? música brasileira de hoje em dia. E foi assim na abertura do festival, apresentando em um grande show seu novo disco, uma opereta em homenagem à s mulheres e ao pagode, e desfilando alguns de seus clássicos. Antológico.
Do instrumental ao rock
Um festival de novidades, mas que não excluiu as tradições e nomes mais populares. Como o forró escrachado de Tororó do Rojão e o pife cheio de charme de Chau do Pife. Nem tampouco a releitura de ritmos tradicionais do Nordeste apresentada pelo grupo paulistalagoano Pedra de Raio, que levou ainda um grupo de senhoras baianas do interior alagoano para mostrar suas danças e ritmos em meio ao público. Um festival que coube também o rap crÃtico de Vitor Pirralho e Unidade 3,14, que incluiu guitarra, baixo e betas eletrônicos em seu som. Ou o reggae roots sincero e de qualidade do grupo local Vibrações Rasta, com um vocalista que transpirava emoção. Ou ainda o samba-funkeado-perfeito-para-dançar dos pernambucanos do Negroove.
Teve espaço nesse ambiente de novidades, a musicalidade de Pernambuco, representado também pelo grupo Bonsucesso Samba Clube. Eles mostraram o Mangue Beat atualizado, pegando ritmos locais, como coco, ciranda e maracatu, somados a sonoridades universais e criando um tal de Original Olinda Style. Funcionou mesmo distante da cidade pernambucana. Assim como funcionou o som de um homem só de outro dos grandes representantes dessa nova música alagoana. Há tempos sem se apresentar na terra natal, Juninho mostrou sua inventiva mistura de batidas eletrônicas e percussão. Coube ainda as misturas de grupos como Xique Baratinho (AL), Jackson Envenenado (PB) e Living the Shit, esta uma lendária banda local que voltou aos palcos depois de anos para mostrar heranças do Mangue Beat.
Só um festival com perfil independente para juntar tudo isso e ainda apostar em ousadia, música instrumental e experimentalismo. Seja o com quase cabeçóide jazz com ritmos tradicionais e muita percussão do Projeto Cru (SP), da percussionista Symone Soul. Seja na música instrumental do Duofel, dupla que tira dos violões sons inacreditáveis. Claro que não poderia abrir mão do bom e velho rock´n roll, representado no evento pelos cariocas do Autoramas, que fez um daqueles shows de levantar defuntos e pelo Mopho, banda local com som retrô, cheio de psicodelia e cores, que fez uma belÃssima apresentação. Se a proposta era preencher uma lacuna e pagar uma dÃvida com a cultura local, o FMI deixou um saldo extremamente positivo. Como disse Railton Sarmento, um dos organizadores do evento: “Metemos o facão no chão e abrimos um sulco. Desse sulco temos certeza que vão brotar muitos produtos novos, muita banda boa. Alagoas tem uma cultura riquÃssima”?.