Eles são tudo o que falam (Direto do Rio)
Nos instantes de intervalo, ali sozinho em meio a uma multidão de desconhecidos, fãs (muito mais do que eu) de uma banda que praticamente não existia há cinco anos, me passava pela cabeça alguns shows históricos que havia visto. Alguns ali mesmo no MAM, como Kraftwerk e Sonic Youth. Ou outros como Pixies, Mudhoney, U2 e Jon Spencer. Passava na minha cabeça que nunca havia visto uma banda em seu auge, com um futuro ainda promissor e aberto pela frente, além de estar estourada mundialmente. Não era uma banda cult para um público específico, era a primeira sensação rocker do novo milênio e em instantes eles iam tocar pela primeira vez no Brasil. Os Strokes não precisavam provar nada para ninguém, mas eu queria cobrar.
A pergunta que passava pela minha cabeça é se eles eram bons, bons o suficiente para criar fãs novos num show, fazer alguém comprar um disco ou mesmo montar uma banda. E pensava justamente nisso, pela primeira vez na minha vida eu ia ver uma banda importante no seu momento mais significativo em fazer jovens do mundo inteiro criar uma banda. O público presente era boa parte de garotões que devem mesmo estar montando ou para montar suas primeiras bandas. Naqueles momentos, era o que passava em minha mente. Esses caras em cima do palco estão neste momento influenciando alguns milhões de pessoas e estávamos ali eu e cerca de quatro mil pessoas esperando eles entrarem no palco.
Eles entram sem conversa e enfiam ouvido a dentro um dos já clássicos do grupo, “Hard to Explain”, que foi cantada em altíssimo coro pelo público, deixando o quinteto espantado já de cara. Vai ser assim durante todo resto do show, uma banda que é sucesso no mundo inteiro, visivelmente satisfeita e contente em tocar no Brasil, para uma multidão de fãs enlouquecidos. E eles respondem como deve ser, rock, rock da melhor qualidade. Simples, simples, simples. Sem firulas. Sem embromação. Direto. Baixo, guitarras e bateria gritando como devem gritar num show de rock, servindo a um mundo que se tornou amplo demais e que muitas exige o que nem é necessário.
Julian Casablancas, o vocalista, só consegue agradecer e cantar muito. Podia ser impressão, mas ele estava mesmo feliz de ver aquela multidão cantando suas músicas. Elogiava o bater de palmas em sincronia do público com a música “Barely Legal” (“Ninguém nunca conseguiu fazer isso certo, mas vocês conseguiram”?)e toda participação deles: “Caras, vocês são barulhentos. Obrigado”. Casablanca em cima do palco engana, visualmente parece um garoto ainda esperando a barba aparecer. Pode ser tudo medido, calculado pelo responsável pela maquiagem e figurino (ele é filho de um estilista e entra bem vestido com uma roupa que parece uniforme de coronel da marinha), mas o fato é que não dá para acreditar em como aquele garoto canta tanto.
Nem é preciso tanto no rock (eu sempre acreditei nisso, taí Neil Young que não me deixa mentir), mas esse tal de Julian sabe o que faz com a voz e nem se esforça para mostrar que no dia que desistir do Strokes e até do rock teremos um excelente novo crooner americano. Responsável pelas composições do grupo, ele não precisa fazer mais do que cantar – carregado ao mesmo tempo de doçura, emoção e energia – a série de hits do grupo. E poucos no mundo hoje tem tantos desses hits para sustentar um show, ainda mais para uma banda que só tem dois discos lançados. E eles tocaram todos os hits.
Num clima que parece não se importar muito com o mundo em sua volta o grupo na verdade olhava o público, sorria e tinha certeza que faziam o caminho certo, rock básico e simples, certeiro. Belas melodias, baixo e bateria que sozinhos já valeriam pelo show a parte (melhor, sem precisar chamar atenção de ninguém), um vocal sensacional e as guitarras, sim, elas são um caso a parte. Cada um no mundo de seu instrumento e de sua própria maneira, os guitarristas Nick Valensi e Albert Hammond, Jr. tocam muito, se revezam no papel de base-solo e criam sonoridades que remetem mesmo a dupla de guitarristas que toca no domingo, Tom Verlaine e Richard Lloyd, do Television. Aquilo tudo que se ouve em disco e parece ser muito de mão de produtor, de horas de pro tools e efeito digitais, eles fazem ali, perfeitamente, lindamente.
Nesse primeiro show no Brasil, os Strokes souberam dosar muito bem os clássicos do primeiro álbum (“Last Nite” não podia ser diferente do que levando o público ao delírio), outros tantos do segundo e cinco músicas novas do terceiro (“First Impressions of Earth”, que deve sair em janeiro de 2006), entre elas “Hawaii-Aloha”, “Juicebox”, e “End Has no End”. A primeira nova (não sei o nome agora) é séria candidata a melhor música de 2006 e pode anotar aí, vai ser daqueles sucessos monstruosos.
A platéia gritou por “NY City Cops” e foi atendida, mas receberam da banda mais ainda, um biz sensacional com “Reptalia” rendendo um dos melhores momentos da noite e uma última volta inesperada para ninguém ter dúvida que eles também gostaram muito da noite. A banda pode nem passar do terceiro álbum. Não importa. Muitos podem questionar o grupo, mas sem dúvida eles são tudo o que falam. Ultra competentes, talentosos, criativos e com muito estilo fizeram uma apresentação marcante nessa noite de abertura do Tim Festival. Dois discos sensacionais e um show primoroso que entra no rol daqueles para contar para os netos: “Eu estive lá e vi aqueles garotos mostrarem que o rock é feito de coisas simples”. Eles sabem o caminho das pedras.
Kings Of Leon
Meio decepcionante, o grupo não passa no palco a energia que mostra nos discos. O show até rende alguns bons momentos, mas não empolga. Daqueles que você até se diverte, mas que não vai nem lembrar muito depois. Até porque, foram ofuscados pelo Strokes.