Festival Radioca 2024 - Giovani Cidreira, Jadsa e Josyara [Foto por Rafael Passos]

Primeiro dia de Festival Radioca celebra a música e cultura popular da Bahia

Ao contrário das line-ups repetitivas e do apagamento de menores artistas em privilégio a headliners que arrastam quarteirões, o festival baiano mantém um compromisso com o fomento de novos públicos e do hábito de se ouvir a contemporaneidade brasileira.

Por Pedro Antunes de Paula

Ao descer a ladeira de entrada do Museu de Arte Moderna da Bahia, e se deparar com uma nova paisagem à música do Radioca, já se entende por que frequentar este festival é certeza de, no mínimo, ineditismo, ponto não tão comum assim em alguns festivais ao redor do país. Como se já não bastasse a própria curadoria dos artistas, sempre atualizada, o festival ainda mantém o compromisso de ir a outros espaços, e montar do zero uma nova experiência ao seu público onde quer que passe. Foi com esse ar de novidade, rodeado de um cenário certamente raro à um festival de música desse porte – frente ao pôr-do-sol, com barcos e canoas trafegando no mar da Gamboa – que o primeiro dia da oitava edição do Radioca aconteceu.

A responsabilidade de abertura da edição de 2024 ficou nos ombros de Fogo Pagô, banda de Feira de Santana. A mistura de ritmos nordestinos como o baião, o samba do recôncavo baiano e o ijexá aqueceu, com suavidade, o público. O projeto traz um discurso naturalista construído em seu primeiro disco “O Abre Caminhos”, lançado em 2021, que baseou sua apresentação, a segunda na cidade de Salvador.

Festival Radioca 2024 - Fogo Pagô

A vivência interiorana misturada à temática campestre e figurações da natureza deram o tom da performance da banda, que teve horário muito bem localizado pela organização do festival. Essa é também uma das qualidades do evento, já que proporciona o início das apresentações com o céu ainda em claridade. Ao entoar a cantiga “É Hora”, do pernambucano Mestre Anderson Miguel, o show da Fogo Pagô finaliza cumprindo muito bem o papel de introduzir seu trabalho e abrir com serenidade o evento.

Rock sergipano

Logo em seguida, Cidade Dormitório, banda de rock alternativo natural da cidade de São Cristóvão, Sergipe, entrou ao palco com sonoridade potente, hermética e bem-humorada. Há presença de elemento teatral, principalmente nos vocais de Yves Deluc somado aos compassos de andamento médio e letras de retrato de uma juventude contemporânea. A dinâmica entre canções mais suaves e momentos explosivas trouxeram uma nova proposta ao evento.

Fábio Aricawa, baterista e vocalista da banda comentou a experiência de tocar num evento como esse: “Estávamos muito nervosos. Nunca tínhamos tocado nesse formato de festival, que é de convencer em 45 minutos. O público de Salvador, por já ter muita coisa muito boa, é um público exigente. A line do festival também está incrível, uma curadoria muito antenada com o que está acontecendo no país. Dividir o palco com uma galera como Jadsa, Josyara, estar no backstage conversando…fico até sem saber como me colocar no lugar. É privilégio”.

Festival Radioca 2024 - Cidade Dormitório

O artista ainda coloca a oportunidade de subir a palcos maiores como uma banda independente: “A gente não tem o molejo de festivais como esse. Estamos começando agora a entrar nesse circuito que sempre achamos que nunca daria para entrar, principalmente sendo uma banda independente. É uma oportunidade dada pelo Radioca. Além disso, a gente vem pra cá tocar pra um público diverso. Fiquei com medo, nem sabia como interagir de verdade porque estamos acostumados a tocar em lugares menores, público mais colado e mais bêbado (risos). A experiência aqui foi incrível”.

O ponto alto da performance da banda, certamente, foi o encontro com Tangolo Mangos, banda parceira natural de Salvador. Celebrando a canção gravado para o “RUÍNA ou O começo me distrai”, último disco da banda sergipana, Felipe Vaqueiro e João Denovaro trouxeram a energia que faltava para cambalhotas e solos de Yves com a banda em toda potência.

O baterista da banda sergipana ainda pontou acerca da oportunidade que o festival proporciona a projetos que ainda não estão inseridos no cenário de grande eventos para se apresentar a um público diverso e ao lado de artista maiores: “Anne Carol, artista que tocará amanhã,  é um fenômeno em Aracajú. Outra galera que foi divulgada junto com ela foi Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, que também é um fenômeno em São Paulo. O público de Aracaju inundou o post de anúncio de Anne já que todo mundo é fanático por ela. Só que ela não tem metade, um quarto dos plays de Sophia e outros artistas aqui. É muito foda que o Radioca pegue Anne e bote para tocar do lado desses outros artistas com mais projeção, porque o público vai ficar passado com a grandeza dela”.

Vozes e beats

Essa relação que o festival estabelece com os artistas se evidenciou com o próximo show, dessa vez, inédito na cidade. Bebé entrou no palco acompanhada de duas backing-vocals e uma DJ para trazer um som inteiramente eletrônico, contraste muito bem-vindo ao festival. Com o sol já posto, a artista paulistana tomou a noite com uma mistura de soul, rap, batidas de estrutura pouco mais experimentais, e até beats que remetem ao funk dos anos 2000 brasileiro.

Festival Radioca 2024 - Bebé

Seu trabalho permeia a sensualidade e potência dos beats. A performance vocal, de certo, é destaque do show, assim como a atmosfera noturna de suas batidas. Com uma proposta hora dançante e descontraída, hora mais contemplativa, a junção de Bebé atingiu seu ápice ao apresentar a sequência final da performance, em que conecta “SALVE-SE!”, seu novo trabalho, ao seu disco homônimo de 2021. O uso da guitarra com o beat mais sensual e contemplativo finalizou o primeiro show noturno da edição com muita beleza e vontade de conhecer as outras facetas que a artista pode apresentar.

Apoteose

O fechamento do primeiro dia da edição de 2024 teve ares históricos e de muita emoção, por consolidar a amizade e encontro dos artistas baianos Jadsa, Giovani Cidreira e Josyara. A performance não só celebrou a obra de cada um dos artistas, com momentos muito especiais para cada trabalho individual encontrar seu brilho no palco, mas teve tom de celebração geral, da música e cultura popular da Bahia.

O trio de artistas preparou uma seleção de faixas que permeia a história da música baiana e a influência dos medalhões na obra de cada um. O show foi iniciado com “Back In Bahia”, um clássico de Gilberto Gil com ligações fortes à migração e necessidade de se estar sempre conectado às próprias raízes culturais. Com os três artistas tendo migrado para São Paulo, forma de abraçar as muitas oportunidades surgidas pela qualidade dos trabalhos de cada um, a abertura do show já estabeleceu sua função primeira: festejar a volta para casa, mas celebrar seu próprio lugar.

Festival Radioca 2024 - Giovani Cidreira, Jadsa e Josyara [Foto por Rafael Passos]

Para isso, o trio não se furtou em apresentar clássicos como “Margarida Perfumada”, “Selva Branca”, somadas à seção em homenagem à Edson Gomes com a junção de “Árvore” e “Perdido de Amor”. A construção do retrato da Bahia do trio, é claro, não deixou de explorar a parceria entre cada um dos três artistas em suas dinâmicas específicas, como a conexão de Josyara e Giovani em “Pássaro de Prata” e de Jadsa e Josyara em “Run, Baby”.

Cada momento serviu para demonstrar a potência dessa geração de compositores baianos, e demonstra, claramente, a maturidade desse grupo – que evidentemente não se resume ao trio, mas que é muito bem representado nesse encontro. Este encerramento não somente posiciona o Radioca como um dos festivais mais corajosos e compromissados com a música real feita no país, como também apresenta o brilho de alguns cantos do estado, com valor na compreensão de uma história da cultura e música popular, mas com a força de atualizar essa história, à seu modo, do jeito que a gente gosta e precisa.

Veja galeria de fotos do Festival Radioca 2024:

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