Atração do Festival Sangue Novo, a Banda Uó volta a Salvador; nessa entrevista Candy Mel fala sobre mistura de gêneros, a luta LGBT , representatividade e o show na capital baiana.
Por Mariana Kaoos
O ano de 2010 foi marcado por diversos acontecimentos sócio-político-culturais. Podemos incutir a esta data o início de uma maior abertura de pensamento e, juntamente com ele, de espaço para representatividade e pluralidade identitária no país.
Em 2010, elegemos para presidente Dilma Rousseff, primeira mulher a ocupar o cargo na história do Brasil, vivenciamos o boom das redes sociais com adesão massiva ao Facebook e, posteriormente, Instagram, produzimos novas formas, agora digitais, de experienciar interações e criar laços relacionais através de escolhas próprias – baseadas em gostos, preferências e comunidades em comum – e progredimos no que tange a uma seguridade de direitos políticos, institucionais e sociais das minorias, a saber, população negra, feminina, LGBT e por aí se segue.
Entendendo que, socialmente, nada surge ao acaso – pela mera abstração ou subjetividade do ser – mas sim, do real concreto que impulsiona e dá espaço para que o novo estreie, foi nesse contexto que vimos nascer, do coração do Brasil, um grupo musical que veio a protagonizar a cena Pop-LGBT e servir de inspiração para uma grande parcela de jovens, carentes de ídolos com quem pudessem se identificar.
Estamos falando da Banda Uó, formada pelos cantores Davi Sabbag, Mateus Carrilho e Candy Mel. Com dois álbuns lançados em estúdio, 3 prêmios conquistados, mais de 100 milhões de visualizações de suas músicas no Youtube e 86 mil ouvintes mensais no Spotify, o grupo foi (e permanece sendo) uma das maiores referências musicais no pop brasileiro – muito por conta do seu pioneirismo quanto à utilização das redes sociais para difusão de suas obras, do seu tom disruptivo em termos de construção artística e da hibridização de ritmos musicais como o tecnobrega, tecnomelody, sertanejo e pop.
Sucesso absoluto de público e de internet, em 2018, para tristeza dos fãs, o grupo anunciou sua separação. Contudo, após esse hiato de seis anos, a Banda Uó ressurge e ocupa novamente os palcos, com o intuito de celebrar seu legado e construir novos tons na cena musical brasileira.
No próximo domingo, dia 20 de outubro, a Banda Uó é um dos nomes a se apresentar no Festival Sangue Novo, em Salvador. Batemos um papo com uma das vocalistas, Candy Mel, sobre cultura, política e muito mais. Confira a seguir.
El Cabong: O tipo de música que vocês fazem sempre foi orientado para o pop aliado ao tecnobrega, um gênero musical riquíssimo e extremamente popular que, a princípio, era consumido nos estados do norte do país, mas, com expoentes como Banda Uó, Bonde do Maluco e Gaby Amarantos, se massificou em todas as regiões. Como vocês enxergam a relevância dessa mistura de gêneros atribuídos à cultura de massa, como o pop, e ao universo popular, como o tecnobrega? O que nasce a partir dessa junção e por que é tão importante apresentar ao público essa pluralidade de ritmos que o Brasil possui?
Candy Mel: De fato o tecnobrega e tecnomelody foram grandes inspirações para o pop que a Banda Uó produz. E a relevância merecida que está alcançando no mundo é linda e também possibilita a disseminação da cultura tão rica da região norte do nosso país. Nós somos gratos por sermos parte disso e pelo carinho que sempre recebemos do público e dos artistas. O que nós propusemos com a Banda UÓ foi o sincretismo cultural e uma mistura muito bem amarrada e diversa de referências que temos desde o pop internacional, passando pelo sertanejo, da nossa terra até o tecnobrega. Essas misturas criaram características sonoras únicas e que acabaram por nos destacar. E, sem dúvidas, toda mistura cultural, onde há trocas, a receita cresce e possibilita novos sons, novas categorias musicais e isso só enriquece a cultura do nosso país.
Cultura é resgate, é comunidade, é criatividade, identificação e nós somos parte de um projeto de possibilidade de futuro na música e isso nunca vão conseguir nos tirar.
E.C.: Nesse hiato da Banda Uó muita coisa mudou no cenário musical do Brasil, desde a consolidação de gêneros sonoros, como o Sertanejo Universitário e o Piseiro, até a forma de consumo cultural, hoje, com ênfase nas plataformas de streaming e redes sociais – dentre elas e com maior evidência, o TikTok. Agora que vocês se reuniram para celebrar a obra do grupo, como se adequar, ou não se adequar, ao atual contexto musical brasileiro? O que a Banda Uó traz de novo e como ela se propõe a também produzir a nova cena da cultura no país?
C.M: A Banda Uó, lá nos anos de 2010, produziu muita bagagem cultural para além da própria música, comportamento e liberdade de expressão e isso cativou um público bem diverso – público esse que ama nossa obra, respeita e admira nossa trajetória que na época seguia bem solitária na indústria musical do Brasil.
Voltando hoje, percebemos que existe um espaço a ser ocupado por nós. Um espaço de resgate e de comemoração pois existem festivais repletos de artistas que fazem música pop como fazemos e isso é maravilhoso. Não voltamos sós para este espaço. É um cenário tanto nas redes sociais, quanto nos shows que possibilita nossa coexistência. Além disso, sempre fomos muito próximos das redes para comunicação com nossos fãs. Isso nunca deixou de existir e nesse reencontro se fortaleceu, mostrando que nossa rede é potente e celebra com a gente tudo isso. Voltamos com cara de coisa nova e a sensação que temos é que o nosso tempo é agora, pois o pensamento que passa não é exatamente sobre produzir algo novo, mas de mostrar quem sempre quisemos ser, num espaço que hoje nos recebe como sonhávamos lá atrás. O reencontro é isso, sobre um show radiante com todas as referências de imagem e luz que nos fizeram chegar até aqui.
E.C.: Quando falamos sobre população LGBT no Brasil, se, por um lado, avançamos (mesmo que a passos lentos) em algumas políticas públicas e de inclusão, por outro, aumentamos os índices de violência. Atualmente, a cada 38 horas, uma pessoa LGBT morre no país. Estamos falando de genocídio desse grupo identitário. Como vocês, uma banda LGBT e com um público, majoritariamente, também LGBT enxergam isso e qual o papel da cultura na luta, enfrentamento e proposição de mudanças para essa triste realidade?
C.M: Essa é uma realidade muito dura e que nos entristece. E que já nos fez repensar muito sobre como seria difícil construir um caminho sendo quem somos. Acredito que a única forma de nos fortalecermos é nos unindo e criando uma atmosfera segura. Paralelamente votar em pessoas que nos representem e lutem por nossos direitos nas casas de lei. Que proponham mais segurança e possibilidade de vida para nossa comunidade. Nesse ponto a cultura tem um papel fundamental.
Cultura é resgate, é comunidade, é criatividade, identificação e nós somos parte de um projeto de possibilidade de futuro na música e isso nunca vão conseguir nos tirar. Hoje ver Jup, Liniker, Assucena, Majur, Urias e tantas outras potências culturais significa que não podem nos silenciar mais. Que nossa comunidade é plural e que a passos mesmo que pequenos, vamos alcançar nosso ideal. Sempre será sobre lutar, mas, hoje, não mais a sós. Isso tudo é sobre esperança e ninguém pode viver sem ela. Mesmo num país controverso como o nosso. Nossa comunidade é forte e a cada dia que passa nos organizamos melhor. E um dia, quem sabe, alcançamos o êxito. Por hora é atenção nas escolhas. Principalmente na política institucional.
Representatividade é importante demais, e torna-se ainda mais relevante quando falamos de um país que ama símbolos históricos de violência.
E.C.: A cultura e, mais especificamente, os artistas que atuam na cena musical carregam consigo algo extremamente valioso, que aqui chamamos de representatividade. Um corpo e uma obra artística pode também ser entendido como um elemento político social e identitário. Quando a Banda Uó explodiu em todo o Brasil, ela inspirou muitos jovens, que se sentiram representados pela orientação sexual, pelas roupas, pelas letras das canções e pelas melodias de vocês. Depois da Banda Uó, outros artistas surgiram nessa mesma linha, seguindo com o desafio de exaltar esse lugar da representação e do orgulho de si mesmos. Como vocês enxergam essa questão? No auge da banda, era visível a potência do que vocês exerciam no público e na luta do identitarismo? E agora, com a volta do grupo, quem vocês almejam representar?
C.M: Representatividade é importante demais, e torna-se ainda mais relevante quando falamos de um país que ama símbolos históricos de violência. Entramos na cena num momento onde nossa comunidade estava carente de representações. Onde fomos “os primeiros em primeiras vezes”. Mas hoje a pauta é dividir para multiplicar. Não podemos parar o discurso na representatividade como se ela bastasse. A Banda Uó sempre foi plural. Sempre quisemos mais e isso impactou artistas que vieram depois de nós e a isso nós brindamos, a festivais, playlists, eventos musicais no geral repletos de artistas da nossa comunidade. Continuaremos lutando a favor da liberdade, mas agora não estamos mais sós. Tem uma galera muito foda quebrando tudo junto e o que almejamos é que essa revolução continue em todas as áreas até que possamos existir sem ter que nos defender.
E.C.: Quando noticiou-se o retorno da banda para uma nova turnê, os fãs e admiradores do Pop BR enlouqueceram e, avidamente, passaram a requerer a presença da Banda Uó em festivais Brasil afora. No próximo dia 20 de outubro, vocês se apresentam aqui em Salvador, no Festival Sangue Novo. O que o público pode esperar desse show?
C.M.: Estamos muito felizes em poder circular com esse show. É um show feito com muito amor e dedicação aos nossos fãs e futuros fãs. E no Sangue Novo não vai ser diferente. Em solo baiano pretendemos levar nosso espetáculo, nossas músicas, nossa alegria e fazer o público delirar com esse show de reencontro. Estamos muito animados para isso.
* Mariana Kaoos é jornalista, mestra em Cultura e Sociedade e escritora do devir.