Em turnê pelo Brasil celebrando 40 anos de seu emblemático álbum, Ritchie fala sobre os shows da turnê, o álbum e a música na atualidade.
Em 1983, o Brasil assistia a explosão de Michael Jackson ao mesmo tempo via ganhar corpo uma cena de pop-rock brasileira com diversos novos artistas. Enquanto a Blitz explodia com seu pop new wave divertido e irreverente, outro nome ocupava as rádios com um pop mais elegante e romântico. Ritchie, um inglês radicado no Brasil, apontava para o futuro, com uma sonoridade mais refinada, menos roqueira e mais próxima do synthpop inglês, com muitos sintetizadores.
Em 1983, o compacto de estreia, “Menina Veneno”, ganhou as rádios e rapidamente vendeu mais de 800 mil cópias, elevando Ritchie ao posto de astro do rock brasileiro. Logo foi lançado o primeiro álbum, Voo de Coração, confirmando o sucesso e transformando o cantor num fenômeno. Em apenas duas semanas ganhou Disco de Ouro, chegando à marca de 1,2 milhão de cópias vendidas. Superando ícones como Roberto Carlos e o próprio Michael Jackson naquele ano.
Com 10 faixas, oito delas parceria de Ritchie com o letrista Bernardo Vilhena, o álbum enfileirou hits. Além de “Menina Veneno”, músicas como “A Vida Tem Dessas Coisas”, “Casanova”, “Pelo Telefone” e “Voo de Coração” alcançaram o topo das paradas. Com sua sonoridade moderna, mas essencialmente pop, com letras românticas e melodias fáceis, Voo de Coração conquistou os públicos mais diversos.
Turnê
Agora com 50 anos de carreira, completados em 2022, Ritchie está em turnê nacional celebrando o os 40 anos de Voo de Coração com a turnê “A Vida Tem Dessas Coisas”. Com cuidadosa direção de arte assinada por ele mesmo, o show traz a tecnologia como um dos principais elementos e um repertório focado nos hits, que ganham novos e atualizados arranjos.
Em Salvador, o show da turnê será no dia 15 de novembro , na Concha Acústica (veja mais informações). “A Vida Tem Dessas Coisas” começou em agosto pelo Rio de Janeiro, passou por São Paulo, Niterói, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Florianópolis. Em novembro, além de Salvador, passa por Aracaju (SE), Teresina, Picos e Floriano, no Piauí, Fortaleza, Recife e volta ao Rio de Janeiro. Em 2024, a turnê segue com shows já confirmados em Vitória do Espírito Santo e Belo Horizonte.
Por e-mail, entrevistamos Richard David Court, o inglês Ritchie, que chegou ao Brasil na década de 1970 e se tornou conhecido nacionalmente com seus hits. Ele fala dos shows da atual turnê, o álbum Voo de Coração, o sucesso na época e a música na atualidade.
Entrevista
Queria que você falasse dessa turnê “Voo de Coração”. Como ela foi pensada e o que está sendo apresentado ao público? Como tem sido a receptividade?
Ritchie – O conceito do show é de uma viagem no tempo. O diretor de Arte, Alexandre Arrabal, criou uma ilusão de teletransporte na abertura do show: chego no palco através de um portal que remete à capa do meu primeiro compacto simples, Menina Veneno, cujo lançamento, em 1983, é o motivo principal da nossa comemoração de 40 anos. É um momento de grande impacto visual e que sempre impressiona as plateias que têm lotado os nossos shows e cantado em coro todas as músicas do repertório.
2: Você fez um estrondoso sucesso na década de 1980 e sua música ainda permanece no imaginário. O que você considera ser um diferencial em seu trabalho que faz com que isso se mantenha?
Minhas canções abordam assuntos simples de forma simples. São temas eternos que abordam encontros e desencontros românticos, assuntos cotidianos que ainda permeiam a vida das pessoas. As letras que o Bernardo Vilhena traz ao jogo são repletas de jogos de palavras, referências culturais e pequenas charadas que ainda causam frissons e discussões em 2023. É um mix potente que ainda fascina e marca presença no imaginário popular.
3: Seu trabalho me parecia vanguardista para a época. Trazia elementos harmônicos, tecnologia e até temas à frente do tempo. Ao quê você atribui como possíveis fatores por tanto sucesso na época?
Meu trabalho sempre foi enxergado como algo futurista, seja pela sonoridade (era um dos primeiros LPs nacionais a dar destaque aos sintetizadores) ou pelos temas das letras que falam em hologramas, computadores e personagens oníricas. O som e arranjos foram muito inspirados nas bandas e artistas inglesas da época, Gary Newman, Nick Kershaw, Howard Jones, Human League, Depeche Mode, Thomas Dolby etc. Foi uma tentativa de aproximar aquilo que se fazia lá fora com o romantismo popular do pop brasileiro. Deu no que deu…
4: Seus trabalhos depois de “Voo de Coração” não obtiveram o mesmo espaço de mídia e execução. Falam até em sabotagem de estrelas da época. Na sua opinião, o que aconteceu naquele momento, no cenário musical brasileiro, para uma diferente recepção do público em seus álbuns posteriores?
Meu primeiro disco foi lançado numa época em que ainda não existia muita segmentação do mercado. A gente se apresentava aos sábados no programa do Chacrinha, ao lado de Bete Carvalho, Agepê, Belchior, Fagner, era uma mistura de estilos musicais que eram consumidos por igual por todas as classes sociais. Quando lancei meu segundo disco, os programas de auditório estavam acabando, o rock nacional havia migrado para a nascente MTV onde meu som era percebido como algo “popular” demais para ser considerado “rock”, e a tv aberta, que havia migrado para o pagode e o sertanejo, apoiava gêneros que consideravam o meu som como “rock demais”. Fiquei numa espécie de “limbo” artístico onde as gravadoras não sabiam fazer manobra. A pressão era sempre para que eu repetisse o sucesso de Menina Veneno mas, naquelas alturas, eu já estava interessado em outros voos musicais, mais experimentais, inclusive para tentar fugir da pressão de virar um popstar “engessado”, prisioneiro do meu primeiro grande sucesso.
5: Você estourou nacionalmente em um período de muitas apostas das gravadoras, em que novidades surgiam nas rádios e apareciam na TV. Hoje isso ainda existe, mas me parece mais dominado por gêneros específicos e com menos diversidade. Como você enxerga essas diferenças?
Tudo mudou com a diminuição da importância das gravadoras, embora ainda exercem alguma força no mercado no século XXI. Isso abriu alas para fenômenos como Billie Eilish, sucesso mundial, uma garotinha fazendo um som autoral com o irmão no quarto da casa dela. Isso jamais poderia ter acontecido na época das grandes gravadoras.
6: Acha que ainda é possível surgir um artista pouco (ou totalmente desconhecido) e fazer um grande barulho do tamanho que você fez naquela época, ou isso não cabe mais?
A previsão do guitarrista Pete Townshend, de que o “próximo Beatles” nasceria num “quarto de dormir”, já se tornou realidade com a democratização da tecnologia musical, que permitiu o sucesso de artistas como Billie Eilish, entre outros. Certamente, haverá outros.
7: Temos inúmeros artistas, contemporâneos a você, fazendo turnês, trazendo seus grandes hits e sucessos, com casas cheias e públicos sempre presentes. Mas você acha que vivemos um momento de grande saudosismo e pouco conhecimento do que anda sendo produzido? A que se deve isso?
Acho que tem lugar para tudo e todos os gêneros musicais. A boa música não sai de moda, uma boa melodia se mantém sempre atual no imaginário popular. Vamos acompanhar e ver se daqui a 40 anos ainda estaremos cantarolando as músicas feitas hoje em dia. Será?
8: Por que fazer música nos dias atuais? O que te motiva?
Pessoalmente, tenho enorme prazer em ver e ouvir as pessoas cantando minhas músicas com o mesmo entusiasmo que cantavam há 40 anos. Isso é a glória para qualquer compositor e é o que me faz querer acordar todas os dias, subir nos palcos da vida e fazer minha música.