O lado triste e doce do rock baiano
Nunca foi fácil fazer rock em Salvador, assim mesmo a cidade já teve algumas bandas inesquecíveis que fizeram história por aqui. Úteros em Fúria e The Dead Billies são bons exemplos, atraindo um enorme público com seus shows que mesclavam alta dose de rock tradicional (cada um em seu campo), perfeito para dançar e com muito bom humor.
Mas, indo por um caminho ainda mais inverso do que ditava a música local, quatro rapazes faziam um som meio melancólico, nublado, cinza, constrastando com todo sol e a alegria vendida em potes pela Axé Music, que ganhava o Brasil na época. Era começo dos anos 90 e quem apreciava sons como Jesus & Mary Chain, My Blood Valentine e The Smiths se sentia meio que isolado numa ilha. Só o fato de encontrar alguém com uma camiseta estampada com foto de uma dessas bandas e afins era motivo de se aproximar e criar uma amizade.
Não era fácil encontrar alguém em sintonia musical. Mas uma banda contribuiu muito para que Salvador tivesse seu espaço indie estabelecido. “Indie” naquela época não era tudo que não fosse de grandes gravadoras, era um tipo de som, herdeiro das bandas alternativas que se utilizavam de paredes de guitarras, belas melodias e um ar despretensioso.
Era época das guitar bands e por incrível que pareça Salvador tinha a sua. Mais. Era uma das principais bandas do gênero no páis. A brincando de deus começava a se tornar lendária. E mesmo no meio rock não era fácil assumir tal postura. Ser indie não era fácil.
O mundo do rock mais sujo e tradicional fazia questão de chamar o grupo de “brincando de banda”. Esculhambavam, dizendo que eles faziam “rock triste”, além de desqualificar as qualidades dos integrantes da banda.
Sempre foi assim. Mas quem se importa? Messias não possui, nem possuia a melhor voz, os músicos não eram os mais técnicos. Mas cada um, César, Dalmo e Quinho, no início, depois César, Tiago e Cury, sob a liderança de Messias, proporcionaram momentos antológicos para os que apreciavam o noise de guitarras, as melodias doces, o clima dos anos 80.
Nunca uma banda saudosista, mas um grupo que remetia a sons que deixaram saudades. A brincando de deus foi um marco no rock baiano, nunca se rendendo a gravadoras, quase sempre cantando em inglês e fazendo o som que achavam o melhor a ser feito. Com três discos gravados, Messias e cia são respeitados em todo páis como um símbolo da música independente.
Passaram por mudança de formação, por momentos que fazer rock era aventura, que cantar em inglês era quase um sacrilégio, que resistir em não ter gravadora era heróico. Resistiram. Não mudaram de som, apesar de até convite para incluir tambores no som ter rolado. Resistiram a um incêndio que destruiu quase tudo da banda, inclusive quase sua existência. Sobreviveram.
Tudo isso para introduzir o show que marcou neste último domingo um momento marcante do grupo. Com várias figurinhas carimbadas do rock baiano presentes, muitos achavam que o show marcava o fim da brincando de deus, já que metade dos atuais integrantes [o guitarrista César Vieira e o baixista Tiago Aziz] estão de mudança para São Paulo para participar de um novo projeto.
O clima era de celebração e despedida num show inusitado no restaurante Pós-Tudo. O motivo era a gravação de um CD ao vivo e um DVD. Produção caprichada, para um desfile de clássicos do indie rock brasileiro, com a banda fazendo uma retrospectiva da mais de uma década de carreira. Os clássicos estavam lá, com Messias
O disco e o DVD – que terá um caráter documentário com imagens do show, trechos de entrevistas, além de material antigo e inédito do grupo – vão manter uma das maiores características do grupo, sendo lançado juntos de forma independente pelo selo Big Bross. O líder do grupo, Messias GB, garante que a banda continua, seja com formação nova ou em encontros eventuais com os velhos integrantes.
Maior prova disso é que a banda termina de gravar até o fim do ano um novo disco de inéditas, além relançar em novembro os três primeiros discos em uma caixa. Messias garante ainda que os shows vão se tornar mais frequentes. Que comemorem duas décadas de existência daqui a alguns anos.