Conquista é Rock!
Cidade fria. Pouco mais de 250 mil habitantes. Sem praia. Distante 509 quilômetros da capital. Um cinema e poucas outras opções culturais. Nada melhor que o rock para preencher a cabeça dos jovens de Vitória da Conquista e ocupar as tardes e noites de tédio. É nesse clima que a cidade realizou no último fim de semana, pelo segundo ano, o Conquista Rock Festival, um festival reunindo bandas locais e de Salvador. A banda de fora do estado, a goiana MQN, acabou desfalcando o evento na última hora.
Segundo um dos produtores do evento, Gilmar Dantas, o evento foi satisfatório, ajudando a colocar Conquista no circuito brasileiro de bandas independentes. Pouco? Não para uma cidade sem grande tradição rocker, mas que começa a produzir uma boa variedade de bandas e já é sede do atual maior festival de rock do estado. Sim. Apesar da dimensão pequena, o CRF é o maior do estilo no estado. “Nosso objetivo é fortalecer a cena, promover o intercâmbio e mostrar as bandas daqui, projetando elas e possibilitando que possam tocar fora da cidade”?, diz Gilmar. Os frutos não devem tardar.
Embaixo de uma noite de 15 graus, o público na primeira noite de festival impressionava pela pouca idade. Numa média de 16/ 18 anos, pouco mais de 300 pessoas reservava sua noite de sábado para assistir seis bandas na primeira noite. A neblina noturna não era a única semelhança com Londres. Ecos do bom rock inglês apareciam na abertura do festival, com a banda local Ardefeto fazendo um som inspirado no Brit Pop, mas com um pé no indie-rock dos anos 80 e no pós-punk. Um som meio melancólico, com um baixo forte e melódico, uma muralha ruidosa de guitarra, letras existencialistas e um vocal meio épico. Com boas composições e arranjos, a banda causou boa impressão apesar de mostrar ainda estar um pouco verde.
Essa parece ser, aliás, a tônica do rock em Conquista. O festival ainda tem o que melhorar, mas tem um enorme potencial, assim como a cena local e as bandas. É o caso também da Flauer, banda de Salvador formada quase só por meninas. Com um pop-punk cantando em inglês e português, o grupo se mostrou um pouco tímido no palco, mas ainda assim apresentaram bem seu misto de guitarras sujas e vocais doces. Na seqüência, o melhor show da noite. Também de Salvador, a Los Canos prova a cada show ter atingido o equilíbrio necessário entre diversão e competência. Rock, punk, bom humor e total despretensão que rendem algumas das melhores pérolas que o rock brasileiro tem notícia. Enquanto metade do público cantava as músicas, a outra metade se largava nas rodas de pogo e a banda se divertia. Na segunda ida da banda ao festival, um desfile de quase hits que agradou em cheio ao público adolescente conquistense.
A banda punk Cama de Jornal já entrou no palco soltando um provocativo “agora vocês vão ter punk de verdade”?. E soltaram o braço, com um punk cru, direto, tosco e ácido. Eles podem até seguir os clichês do gênero, tanto no som podreira quanto nas letras politizadas, mas fazem com competência. Sobra para todo mundo, playboys, ACM e políticos em geral. Nas rodas de pogo surgiram até moicanos. Outra banda local, a D´P, mostrou um som também bem feito, mas ainda sem muita personalidade. Talvez as diversas influências dos integrantes ainda não resultem num som próprio e a banda, uma das mais ativas do cenário conquistense, pareça ainda meio perdida. Passeando por referências diversas, indo do rock tradicional ao nu-metal.
Para encerrar a noite, a The Honkers pagou o débito de dois shows desmarcados na cidade. Mesmo que o público já fosse bem pequeno e estivesse cansado, a banda mais uma vez provou porque tem um show considerado por muitos como o melhor do país no meio rock. Não se importaram se tinham uma ou dez pessoas dançando e o resto assistindo, estavam ali para tocar e quando tocam é diversão garantida, ou pegue seu dinheiro de volta. Mais um show marcante, rock dos bons, no talo, banda insana e o vocalista Rodrigo Sputter mais uma vez mostrando do que o rock é capaz. Subiu, desceu, botou máscara, colocou o microfone na boca, nas partes íntimas e mostrou um modelito novo, uma sunga vermelha com um elefantinho e sua tromba na parte da frente, daquelas fáceis de achar em sex shops. Horrorizados, os seguranças quase tiram ele do palco, enquanto uns roqueiros mais tradicionais xingavam o rapaz.. Um final quase apoteótico.
Noite do Metal
Abrindo a segunda noite do festival uma banda com uma formação inusitada. Além de baixo, bateria e guitarra, a Pectus Maculosus reunia um violino, teclado e um coro de oito vozes. Foi difícil o pequeno palco comportar todo mundo. Vindo de Salvador, a Vinil 69 era o Carlinhos Brown na noite de Metal do Rock in Rio, se o público conquistense não soubesse se comportar. Quem não estava a fim deu as costas e só os mais interessados curtiram o rock clássico da banda, com direito a covers bacanas de Mutantes, Who e Kinks. “É ótimo tocar num festival desses. A gente está meio de saco cheio de tocar em Salvador para as mesmas pessoas e o interior é o mais próximo. O CRF é uma excelente oportunidade”?, disse o vocalista da Vinil 69, Pardal.
Mas era noite mesmo do metal e os “camisa preta”? infestaram o lugar. Se não bastassem as blusas negras com estampas de bandas, haviam ainda rostos maquiados no estilo gótico, máscaras de monstros e um desfile de longas cabeleiras. Era noite de bater cabeça. Os cerca de 400 pagantes puderam ver ainda muito metal local, como o gothic metal da Sorrow’s Embrace, que chamava atenção pela bela voz soprano da vocalista, além do metal gutural da Mictian e a Void Main. A Veuliah, de Salvador, mostrou o que 10 anos de palco é capaz. Lançando seu primeiro disco, apresentaram extrema competência em tocar o terror. Fizeram um excelente show, jorrando Dark Metal nos ouvidos do insano público conquistense. O inferno.
O próximo Conquista Rock Festival já está marcado para março e a promessa dos produtores é ampliar o evento e fazer um festival bem maior. Enquanto eles prometem manter o cenário roqueiro local aceso, com shows mensais (Cachorro Grande e Automata já estão agendados) . É assim que se constrói uma cena.